Geraldo Batata, de Contagem (MG)

O apagão de dimensões continentais desse dia 15 de agosto foi uma amarga mostra da entrega do setor elétrico, através das privatizações, a grupos privados rentistas e abutres do capital financeiro nacional e estrangeiro, do tipo 3G (a turma que roubou as Americanas), BTG Pactual, BlackRock, e grupos de diversos países interessados em lucros fáceis, com isenções fiscais e baixos investimentos.

Ainda é cedo para determinar exatamente a causa técnica do apagão. Mas a origem desse processo de dilapidação do patrimônio público que joga contra o desenvolvimento nacional é bem fácil de detectar, pois, é um processo de longa data e com personagens bem conhecidos e outros obscuros, mas bem remunerados. Uma das hipóteses na imprensa seria uma falha em cinco turbinas na Usina de Santo Antônio, recentemente privatizada, junto com a Eletrobrás.

3G das Americanas controlam Eletrobrás privatizada

Além de ficarem conhecidos pela grosseira manipulação (roubo) de mais de R$ 40 bilhões nos balanços das Americanas, o trio da 3G Capitais (Lemann, Telles e Sicupira), está cada vez mais conhecido como abutres no sistema financeiro. Ou seja, enriquecem rapidamente às custas do saque de empresas e das riquezas, negociam, fraudam, sem escrúpulos morais mínimos, perfeitos representantes da ordem capitalista. As manobras mais recentes (que vem de anos) do trio oligarca da 3G Capitais vai significar, em alguns anos, a destruição do setor energético do país. Um trágico exemplo é o caso da Light no Rio de Janeiro, que está à beira da falência e em recuperação judicial, o mesmo caminho das Americanas.

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Documentos disponibilizados em reportagem da Folha de S. Paulo (11/06/23), mostram manobras do trio para assumir o controle total da Eletrobrás, contando com a posse de somente 0,05% das ações da empresa (isso mesmo, você não leu errado), privatizada durante os governos Temer e Bolsonaro. Segundo o periódico, o trio agiu junto a grupos de investidores e o governo Bolsonaro, para indicar os membros do Conselho de Representantes, obtendo a indicação dos 8 amigos para as cadeiras, e retirando, inclusive, a representação dos trabalhadores. Os conselheiros tem mandato até 2025, sendo que até lá poderão consolidar políticas de interesse do trio da 3G. Ao mesmo tempo, a União que conta ainda com 43% das ações, somente pode interferir com 10% dos votos, de acordo com cláusula de barreira estabelecida no processo de privatização. Diga-se de passagem, os primeiros atos dos novos conselheiros foram aumentar os próprios salários. O do presidente saltou de R$ 50 mil para R$ 300 mil, e dos conselheiros foram de R$ 5 mil pra R$ 200 mil. Todos os conselheiros são executivos ligados a empresas que possuem relação com o 3G ou com empresas de seus sócios no mercado financeiro.

As privatizações da Eletrobrás, e de outras estatais de energia, estão levando a criação de um supermonopólio do setor de energia (e da água) sob controle da 3G Capitais. O mercado brasileiro está dividido entre energia contratada pelas distribuidoras e o chamado Mercado Livre de Energia, que compra a energia quando os preços estão baixos e vendem no mercado… livre, a preços mais altos.  Acontece que a tendência da Eletrobŕas privatizada é justamente acabar com a Energia Contratada de longo prazo, e priorizar a venda direta nesse mercado. Dessa forma, quem regularia os preços seria o mercado, como o nome já diz, “livre” (de regulação governamental). Assim, quando houver uma demanda muito forte por energia, com algum crescimento econômico, combinado com escassez de chuvas, por exemplo, ou mesmo algum fator de crise do mercado, os preços irão às alturas, como aconteceu na União Europeia com a invasão russa da Ucrânia. Os preços irão disparar e aumentará vertiginosamente o lucro dos acionistas, criando, além disso, um efeito cascata nos custos de produção e todos os setores da economia, que será repassado aos trabalhadores no final dessa cadeia. O outro efeito são os apagões e a decadência do setor que levará no futuro a um desastre já anunciado, como aconteceu nesta terça-feira.

Para consolidar seu monopólio elétrico, a 3G, através da Eletrobrás e subsidiárias, avança sobre pequenas e médias usinas hidrelétricas. Em março, através da subsidiária Furnas, a empresa anunciou a compra das participações da CEMIG (Estatal elétrica em MG), Andrade Gutierrez e Novonor (antiga Odebrecht), na Madeira Energia, passando a ter o controle de 95% na Usina de Santo Antônio, em Porto Velho, Rondônia. Em abril comprou também da CEMIG, por R$ 593 milhões, as usinas de Retiro Baixo (entre Curvelo e Pompéu, MG) e de Baguari (Governador Valadares, MG), também através de Furnas. A estratégia é a centralização dos capitais e monopolização do setor, avançando no controle direto das usinas, linhas de transmissão e subestações, desmantelando parcerias com outros grupos, inclusive, sendo hoje 71 parcerias para 31 delas no futuro.

Privatização das elétricas nos estados

Nos estados, a grande maioria dos governadores atendem a demanda do capital financeiro para transformar as estatais de energia em corporation, termo para designar que a empresa não teria um único dono, ao estilo da Eletrobrás. Leia-se: facilitar para os abutres do mercado financeiro comprar a preços muito baixos as ações de estatais, estabelecerem posições ultraminoritárias, e assumirem o controle na administração e conselhos determinando os rumos do setor, gastando o mínimo de recursos.

O processo de privatização do setor de energia está muito avançado, Esses são alguns exemplos recentes: Companhia Energética de Brasília-Distribuição (CEB-D), vendida à Neoenergia (Grupo espanhol Iberdrola) em 2020 por US$ 488 milhões; a Companhia Elétrica do Amapá (CEA), comprada em junho de 2021 pela Equatorial Energia (BTG Pactual, Black Rock, etc…)  por R$ 50 mil; e a empresa de transmissão estatal de Goiás CELG-T, que foi comprada pela EDP (3G Capital) por R$ 1,98 bilhão no ano passado. Em 2018, seis distribuidoras pertencentes à Eletrobras foram vendidas: Cepisa no Piauí e Ceal em Alagoas para a Equatorial Energia; Eletroacre (Acre) e Ceron para Energisa; e Roraima Energia (Roraima) e Amazonas Energia (Amazonas) ao consórcio Oliveira Energia. Em outubro de 2022 foi a vez da Companhia Estadual de Geração de Energia Elétrica (CEEE-G), do Rio Grande do Sul, para a Companhia Florestal do Brasil, do grupo CSN. O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, vem insistentemente tentando tocar um processo de privatização que drible o referendo popular, previsto na constituição do estado. No Paraná, o governador Ratinho Jr., entregou a COPEL, também sob o modelo de corporation.

Um modelo parasitário de espoliação da população e do próprio Estado

Essa ofensiva privatista da burguesia nacional sobre empresas estratégicas tem relação com a acentuada tendência de decadência do país, com predomínio do parasitismo financeiro, primarização da economia e desindustrialização. Enquanto os países imperialistas digladiam-se numa guerra econômica pelo controle das cadeias produtivas de alta tecnologia (chip’s, semicondutores, máquinaria, aeroespacial, química, etc…), a burguesia nacional e o Estado brasileiro submetem-se a ser meros fornecedores de matérias-primas, ou quando no máximo, montagem de produtos para grandes multinacionais. Condena o país a distanciar-se cada vez mais das atividades produtivas de maior valor agregado e a um processo de decadência num poço sem fundo.

Por isso, a voracidade contra os bens do Estado, das estatais até gerenciamento de UPA’s, escolas públicas, serviços terceirizados na administração pública. Avança também contra a Amazônia, o que resta do cerrado, do Pantanal, das serras de Minas.

Vejamos casos da Petrobrás, por exemplo, com o aumento dos preços dos combustíveis a empresa repassou R$ 196 bilhões aos acionistas, em 2022, 47% destes foram para investidores estrangeiros.

Manifestação – Trabalhadores do setor elétrico protestam contra privatização da Eletrobras Foto: Pedro França/Agência Senado

Reestatização imediata da Eletrobrás e do sistema elétrico privatizado!

O projeto social-liberal do governo Lula agora repete-se na forma de uma tragédia ainda maior, porque estamos vindo de quatro anos de governo Bolsonaro.

Durante os 13 anos de governos de conciliação de classes do PT (Lula e Dilma), nenhuma estatal foi reestatizada. Ao contrário, as empresas privatizadas continuaram gozando de subsídios e incentivos, como a Vale e a Embraer, além da realização dos leilões do pré-sal, portos, aeroportos e rodovias. O projeto de privatização da Eletrobrás foi aprovado pelo Congresso Nacional em julho de 2022, capitaneado por Lira, Pacheco, e os partidos do Centrão, antes base aliada de Temer, Bolsonaro e, agora de Lula. O que mostra não existir contradições quanto ao resultado final do projeto econômico. A rusga do governo contra o processo de privatização da Eletrobrás não é exatamente para reverter todo o processo, mas para garantir assento proporcional da União na administração da empresa. Isso para impor uma forma parecida ao modelo de controle existente na Petrobrás. O Estado, portanto, continuaria sócio dessa oligarquia financeira.

A reestatização da Eletrobrás, e das empresas privatizadas, são necessárias não porque o controle e a gestão do Estado capitalista beneficiariam a população, mas porque impediriam que a situação piorasse ainda mais, e houvesse a destruição e o saque do setor de energia elétrica ao estilo 3G na Light e Americanas. Um projeto de desenvolvimento nacional passa exatamente pela ruptura com os interesses dessa oligarquia financeira nacional e com o imperialismo, seja qual for, rompendo a lógica do lucro do mercado capitalista, e passando a se basear nas necessidades da população trabalhadora, sendo possível somente com o controle operário das maiores empresas do país. Por suas alianças, o governo Lula-Alckmin é incapaz de expropriar as ações em posse dos abutres da 3G, ou da BlackRock, que atuam nesse setor. Fica a cargo da classe trabalhadora cumprir essa demanda vital para o desenvolvimento do país.

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