23 de setembro é celebrado internacionalmente como o Dia da Visibilidade Bissexual | Foto: Getty Images

Debbie Leite, da Secretaria Nacional LGBTI do PSTU

É comum assumir que um homem que sente atração por outros homens é gay, assim como uma mulher que sente atração por outras mulheres é lésbica. Já se um homem e uma mulher sentem atração um pelo outro, é comum assumir que são heterossexuais. Mas e quando a orientação sexual permite a atração por mais de um gênero?

O dia 23 de setembro é celebrado internacionalmente como o dia da Visibilidade Bissexual. Essa é uma orientação que, apesar de compor nossa sigla (LGBTI+) há décadas, e cada vez mais pessoas jovens se declararem assim, ainda é frequentemente esquecida ou desconsiderada.

Nesse artigo, buscaremos entender a bissexualidade, quais são as demandas específicas das pessoas bissexuais sob o sistema capitalista, e pensar qual o movimento que precisamos construir para nossa libertação sexual.

O que é a bissexualidade?

Por “bissexual” entendemos a pessoa que sente atração por múltiplos gêneros, ao invés de exclusivamente gostar de “um ou outro”.

Em “InvisiBilidade: Cultura, Ciência e História Secreta da Bissexualidade”[1], a pesquisadora Julia Shaw retoma a origem do termo. Pode parecer surpreendente, mas seu uso na língua inglesa para se referir à sexualidade humana é quase tão antigo quanto o termo “heterossexual”, sendo utilizado pela primeira vez provavelmente em 1892.

Na mesma obra, explica-se: “Na etimologia de Kertbenny para ‘heterossexual’, ‘hétero’ vem do grego heteros, que significa outro, enquanto homos significa mesmo, e ambos são fundidos com a palavra em latim sexus. Pouco depois disso, bi, ou dois, começou a ser usado para se referir a pessoas que tinham desejos homossexuais e heterossexuais. Um modo pelo qual pesquisadores bissexuais costumam falar disso é que o bi em bissexual significa dois, mas o dois não é homens e mulheres, e sim de mesmo e outro.” Isso significa, pessoas bi podem sentir atração tanto por homens, quanto mulheres, e também por pessoas não-binárias [2].

Já aqui, queremos desfazer um mito: a bissexualidade não é uma “fase” que uma pessoa passa quando está indecisa entre gostar de homens ou de mulheres. Também não cabe dizer que os bissexuais são a soma de outras duas orientações. Essa é uma orientação sexual específica e completa, que uma pessoa pode ter durante toda a sua vida.

Hoje, podemos identificar que o maior grupo demográfico que se identifica por fora de heterossexualidade são os jovens. Segundo a pesquisa do IBGE em 2019 [3] os jovens entre 18 e 29 anos foram o maior grupo que se declarou como homossexual ou bissexual, e isso sem nem contar os menores de 18 anos. Isso não é porque essas orientações são uma “moda” ou um sinal de imaturidade, mas porque, conforme as lutas do movimento LGBTI+ arrancam vitórias, e ganhamos maior visibilidade, as gerações mais novas adquirem uma nova consciência e sentem que “sair do armário” é uma possibilidade.

O mesmo estudo do IBGE revela como a classe é um fator importante que separa as LGBTIs. Os dados apontam que mais pessoas se declararam como homo ou bissexuais nos setores com maior renda e maior nível de instrução. Isso não quer dizer que há menos LGBTIs nos setores mas explorados da sociedade, apenas que a combinação da opressão com a exploração torna mais difícil para essas pessoas falarem abertamente sobre suas identidades. Quanto menor a renda, maior foi a proporção de pessoas que não sabiam ou se recusaram a responder sobre sua orientação sexual.

Bissexuais: nossa luta tem história

É verdade que hoje a bissexualidade vem conquistando mais atenção, mas ela não é um fenômeno novo.

Além do termo existir desde o final do século XIX, podemos retomar como exemplo a pesquisa de Alfred Kinsey na década de 1940. Essa classificava a sexualidade dos participantes entre 0 (completamente heterossexual) e 6 (completamente homossexual), deixando espaço para cinco possibilidades de atração combinada entre diferentes gêneros. Hoje podemos criticar essa escala como uma simplificação, mas vale destacar que já nessa época ela mostrava que era possível que pessoas sentissem desejo sexual não exclusivamente por um ou outro gênero.

Quando o movimento de combate à opressão baseada na orientação sexual ou identidade de gênero começou a se organizar, bissexuais estiveram presentes desde os primeiros passos. Em “InvisiBilidade”, a autora relembra, por exemplo, a atuação de Brenda Howard, reconhecida como uma das fundadoras das Paradas do Orgulho que se organizaram após a Revolta de Stonewall, e era declaradamente bissexual.

Isso nos lembra que lutadores e lutadoras bi sempre fizeram parte da história do nosso movimento, ainda que muitas vezes isso não tenha sido reconhecido.

Um relato interessante pode ser encontrado na quarta edição da revista Anything That Moves [4] publicada em 1992. Sob o título “É oficial: A Marcha Sobre Washington por Direitos Iguais e Libertação para Lésbicas, Gays e Bis (sim!) em 25 de Abril”, a ativista reconta o caminho para a incorporação oficial do “Bi” no título de um importante evento do movimento dos Estados Unidos. Apesar da marcha acontecer desde 1987, quando já contava com a participação de um grupo articulado de homens e mulheres bissexuais, a incorporação no chamado foi uma batalha. Em uma carta buscando ganhar votos para essa proposta, lia-se:

“Homens Gays, Lésbicas e pessoas Bissexuais estão todos sob ataque. Há força em nossos números. Bissexuais tem sido uma parte importante da comunidade e do movimento gay/lésbico por décadas. É hora de reconhecer suas contribuições e encorajar mais bissexuais a sair publicamente em apoio aos direitos das lésbicas, gays e bissexuais.”[5] É importante notar, no entanto, que essa vitória foi incompleta: ainda demoraria mais para que as pessoas Trans também fossem incluídas no chamado.[6]

Já o surgimento do dia 23 de setembro como o dia da Visibilidade Bissexual veio a partir de uma conferência em 1999, com o reconhecimento de que, apesar de a origem da opressão ser a mesma sobre todas as pessoas que sentem atração não-heterossexual, a bifobia tem características próprias.

Faces da bifobia: hiperssexualização e violência

Uma das expressões específicas da opressão contra bissexuais é a ideia de que, por sentirem atração a múltiplos gêneros, pessoas bi são “promíscuas”.

Esse estereótipo adquiriu mais força e crueldade durante a crise da aids, entre as décadas de 1980 e 1990. Apesar do fato de que qualquer um pode contrair HIV, e muitas pessoas heterossexuais foram e são atingidas pela doença, a falta de recursos e educação sexual deixava setores oprimidos mais vulneráveis, e uma campanha ideológica propagandeava a epidemia como se fosse uma punição sobre os homossexuais por seu comportamento “moralmente depravado”. Era uma verdadeira política de negligência por parte dos governos combinada com discurso de ódio.

Os homens bissexuais, em especial, foram acusados de serem uma ponte de transmissão do vírus para o “mundo heterossexual”. Novamente, a revista Anything That Moves traz testemunhos importantes. Uma carta a sua quinta edição afirma que “bissexuais estão sendo constantemente retratados como transmissores conscientes e intencionais da Aids”, além de ressaltar que o problema era ainda mais agudo quanto a bissexuais não-brancos, e que a propagação desses estereótipos negativos deixaria “mais e mais difícil para as pessoas ‘saírem do armário’ como bi” [7].

A denúncia também aparece em um artigo da primeira edição da revista, intitulado “Dez anos adentro da epidemia da aids: bissexuais batalham a invisibilidade”. O autor afirma: “bissexuais têm sido retratados como a ponte entre os ‘bonzinhos’ e os ‘malvados'” e “bissexuais sempre foram percebidos como ‘em cima do muro’ entre um modelo de sexualidade heterossexual e um homossexual. A epidemia da aids certamente fez muito para empurrar diversos bissexuais para dentro do armário heterossexual”.[8]

Ambas as publicações citadas mencionam como parte do problema a falta de políticas de conscientização e educação sobre a aids que contemplassem especificamente pessoas bi. Nesse caso, a invisibilização teve consequências letais, além de dar espaço para ideologias bifóbicas.

Essas ideias ainda existem, e se refletem nos índices assustadores de violência, principalmente de caráter sexual, como assédio e estupro.

Em dados citados em “InvisiBilidade”, todas as pesquisas encontradas que faziam um recorte entre mulheres heterossexuais, lésbicas e bissexuais, encontraram que as bi foram as principais impactadas por esse tipo de violência. Uma pesquisa de 2010 mostrou que quase 1 em cada 10 mulheres heterossexuais foram estupradas por um parceiro em algum momento da vida, enquanto entre as mulheres bi esse número subia para 1 em cada 5. Já em outro estudo, dos Estados Unidos em 2019, 63% das mulheres bi relataram ser vítima de estupro em algum momento da vida, e as mulheres bi tinham 7,3 vezes mais chances de terem sido agredidas repetidamente do que mulheres heterossexuais [9].

Os dados sobre a violência sofrida pela população LGBTI+ costumam ser insuficientes, afetados pela subnotificação, e raramente tem recortes específicos quanto a pessoas bi. Isso é mais um reflexo do apagamento. Contudo, já é possível identificar que a combinação do machismo com a bifobia aumenta a objetificação sexual e resulta em maior violência contra as mulheres bi.

As pessoas bissexuais, em especial, sofrem discriminação não apenas por sentirem desejos não-heterossexuais, mas também por sentirem atração por gêneros múltiplos, o que é visto como uma ameaça à monogamia. Para esclarecer: pessoas bissexuais podem e muitas vezes estão em relacionamentos monogâmicos. Ter “relacionamentos exclusivos” ou não é uma escolha de cada um independente de sua orientação, mas socialmente a possibilidade de atração por mais de um gênero é interpretada como um questionamento ao ideal monogâmico. Não é por acaso que muitas vezes a bifobia vem nas acusações de infidelidade e promiscuidade.

É necessário ressaltar que isso não afeta todas as classes sociais da mesma forma. Assim como durante a crise da aids, a população pobre foi atingida com mais força e encontrou maior dificuldade no acesso aos serviços de saúde, bissexuais vítimas de violência hoje tem mais dificuldade em conseguir o acolhimento necessário a depender de sua situação socioeconômica. Ainda, as LGBTIs da classe trabalhadora enfrentam o desemprego, o subemprego e o medo de demissão e retaliações quando se assumem em seus locais de trabalho.

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As consequências da invisibilidade

Um tema citado repetidamente aqui, e sempre que discutimos bissexualidade, é o apagamento. Ainda hoje, muitos duvidam que essa é uma orientação real, acusam as pessoas bi de estarem mentindo, suspeitando que “na verdade” são homossexuais com medo de se assumir, ou heterossexuais passando por uma fase de curiosidade.

O questionamento sobre a existência e a veracidade dessa orientação traz consequências. Entre elas, pode ser mais difícil para as pessoas bi falarem sobre suas identidades, por medo de que mesmo seus amigos e familiares não vão acreditar nelas. Em uma pesquisa americana de 2019, encontrou-se que pessoas bi contam sobre sua sexualidade para as pessoas importantes em suas vidas com menor frequência do que homens gays ou mulheres lésbicas [10]. Isso, por sua vez, pode aumentar uma sensação de solidão e isolamento, que contribui para o adoecimento psicológico.

O mesmo questionamento é escancarado no caso das pessoas que buscam por asilo político. Isso é, possas que vêm de países onde comportamento homossexual é punido por lei, e buscam refúgio em países onde não há leis desse tipo. Duas pesquisas acadêmicas realizadas em 2009 [11] e 2018 [12] revelam que tal processo é especialmente complicado e tem menores chances de sucesso para pessoas bissexuais.

Os estudos relatam o processo humilhante em que as pessoas que buscam asilo têm que provar para uma bancada de juízes que são bissexuais e que por isso estão em perigo em seu país de origem. Uma das pesquisas citadas exemplifica o problema com um caso de 2009, nos Estados Unidos, onde a decisão final “negou asilo a um homem bissexual porque determinou que ele não podia provar sua bissexualidade ou que ele sofria perseguição em Uganda. O Juiz da Imigração determinou que apesar de Sempagala alegar ser bissexual, ele era ‘capaz de esconder’ seu relacionamento com um homem, era ‘atualmente casado com uma mulher e não havia participado em relações com o mesmo sexo desde que saiu de Uganda'”.

São citados outros casos similares, como uma mulher bissexual cujo pedido por asilo na Austrália foi negado, sob a justificativa de que ela tinha um namorado. Também na Austrália, a decisão sobre um homem bissexual pedindo asilo afirma: “O Tribunal aceita que o Candidato pode ter aproveitado brincadeira sexual com outros homens quando era adolescente …Contudo, o Tribunal não está preparado para aceitar evidência diante deste de que isso foi qualquer coisa além de uma fase transitória e jovial”.

Percebe-se que mesmo países que não tem legislação explícita contra comportamentos homossexuais, o Estado não é um aliado para as pessoas bi e se utiliza do apagamento dessa identidade para puni-las. As ideias de que uma pessoa poderia simplesmente escolher não ser bissexual, que poderia   viver escondendo uma parte de quem ela é, que o relacionamento atual de uma pessoa bi determina que ela “na verdade” é hétero ou gay, ou que sua bissexualidade é apenas uma fase, são utilizadas para negar auxílio a pessoas que tem suas vidas sob ameaça.

Nosso dever é nos colocar ao lado das LGBTIs do mundo inteiro contra a criminalização de suas identidades. Ao mesmo tempo, precisamos mais do que “tolerância” pela lei, e exigimos políticas efetivas de combate à opressão – como criminalização da LGBTIfobia, atendimento adequado de saúde física e psicológica, e educação sobre orientação sexual e gênero nas escolas. Em todas essas políticas, devemos garantir que a bissexualidade não seja excluída.

O PSTU na Parada LGBTI de São Paulo 2023 no ‘Bloco de Esquerda’, com independência dos governos e dos patrões

Bifobia, família e capitalismo

Os conservadores mais dedicados a barrar qualquer avanço nos direitos LGBTIs costumam apelar para um argumento: a defesa da Família. Quando dizem isso, evidentemente, se referem a um modelo específico de família, heterossexual e monogâmica, um casal composto por um homem e uma mulher que se relacionam sexualmente exclusivamente entre si, tem filhos, e ensinam a eles que meninos tem um papel e meninas tem outro. Afirmam que isso é “natural”, e pessoas que sentem atração pelo mesmo gênero, ou que exibem comportamentos e expressões de gênero desviantes da norma, ameaçam a ordem natural das coisas.

Mas afinal de contas, isso é mesmo uma determinação da natureza?

Enquanto marxistas, nós acreditamos que nossos modelos de relacionamento e organização social, inclusive a familiar, são determinados historicamente. Isso significa que, ao longo do tempo e ao redor do mundo, seres humanos se relacionaram sexualmente, afetivamente, e organizaram a criação dos filhos de formas distintas, que correspondiam ao tipo de sociedade em que estavam. O que é visto como “aceitável” ou “inaceitável” nesse terreno mudou diversas vezes, e pode mudar novamente.

Em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”[13], Friedrich Engels, socialista que elaborou sempre ao lado de Karl Marx, explora de onde vem a organização da “família nuclear” que deu origem à que vemos hoje. Segundo essa elaboração, a monogamia nem sempre existiu. Uma vez que as sociedades passaram a produzir mais bens que podiam ser passados de uma geração à outra, e esses bens estavam ligados aos homens, eles queriam assegurar que seus descendentes biológicos recebessem a herança. O direito de herança a partir da linhagem masculina impôs a monogamia às mulheres, o que está relacionado também a origem da opressão contra a mulher, que passou a ser forçada a um local de submissão dentro da estrutura familiar.

Nas palavras do autor: “A monogamia nasceu da concentração de grandes riquezas nas mesmas mãos – as de um homem – e do desejo de transmitir essas riquezas por herança, aos filhos deste homem, excluídos os filhos de qualquer outro. Para isso era necessária a monogamia da mulher, mas não a do homem” (o que explica também por que a percepção de “promiscuidade” é punida muito mais severamente nas mulheres).

Já no sistema capitalista, em que vivemos hoje, a família enquanto instituição cumpre dois importantes papéis: a reprodução da força de trabalho (é aí que são geradas, alimentadas e criadas as novas gerações de trabalhadores) e de reprodução ideológica (também é aí que muitas vezes aprendemos que papel de mulher é esse, de homem é aquele, e que o comportamento desviante é primeiramente punido). O sistema, então, tem uma necessidade de defender esse modelo familiar, e persegue aqueles que o desafiam.

Em “Capitalismo e Identidade Gay”, John D’Emilio explica: “Ideologicamente, o capitalismo leva as pessoas a famílias heterossexuais; cada geração chega à maioridade tendo internalizado um modelo heterossexista de intimidade e relações pessoais. Materialmente, o capitalismo enfraqueceu os laços que mantinham as famílias unidas, e assim seus membros tiveram experiência com uma crescente instabilidade no lugar em que se esperava encontrar felicidade e segurança emocional. Portanto, enquanto o capitalismo derrubou as fundações materiais da vida em família, lésbicas, gays e feministas heterossexuais tornaram-se bodes expiatórios para a instabilidade social do sistema.”[14]

Tudo isso serve muito bem a quem está no topo desse sistema. O capitalista protege seu ideal único de família, usa as ideologias LGBTIfóbicas para dividir os trabalhadores e enfraquecer nossas lutas, e ainda lucra colocando pessoas LGBTI+ em postos de trabalho piores e mais explorados.

O que queremos demonstrar é que, se a heterossexualidade é vista hoje como o “ideal” não por uma determinação da natureza, mas sim da sociedade, então é possível mudar a sociedade e abrir espaço também para vivências homossexuais e bissexuais!

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Combater a bifobia com independência de classe!

Como vimos, a opressão contra pessoas bissexuais tem traços específicos, e muitas vezes pode se expressar de formas distintas da homofobia ou lesbofobia. Contudo, ao contrário de alguns setores ligados à corrente de pensamento chamada pós-modernismo, nós não acreditamos que o caminho seja forjar um movimento em separado. Tampouco localizamos as opressões meramente no âmbito individual. A opressão contra pessoas que desviam das normas de orientação sexual e gênero tem uma só origem, e nossa luta se fortalece em unidade.

Essa unidade, porém, tem um limite claro: o de classe. Se é o sistema capitalista que não só se beneficia da opressão, como se utiliza dela para explorar cada vez mais, enriquecer e se manter no poder com isso, nossos aliados não são os ricos e poderosos. Não são as empresas que se pintam de “amigas das LGBTIs” enquanto lucram com a exploração do trabalhador, ou os governos que querem parecer aliados, mas vendem nossos direitos para agradar os banqueiros que financiaram suas campanhas.

Hoje, no Brasil, isso significa que ao mesmo tempo que enfrentamos nossos inimigos declarados, como foi o governo Bolsonaro e ainda é a ultradireita, também não esperamos que as respostas que precisamos virão do governo Lula. Afinal, o PT historicamente formou alianças com os setores mais conservadores da política em nome da suposta “governabilidade”, barrando por exemplo a implementação do debate anti-homofobia nas escolas. Enquanto escrevemos esse artigo, a ultradireita está tentando acabar com o direito ao casamento homoafetivo – quem pode enfrentar esse ataque não é o governo que em muitos lugares se aliou exatamente a esses conservadores, mas sim a luta dos debaixo.

É com a unidade das LGBTIs e de toda a classe trabalhadora que queremos lutar por todos os direitos que nos são negados. Contra todas as formas de violência motivada pela bifobia, em especial contra o assédio sexual e o estupro que sofrem as mulheres bi. Por uma atenção adequada no atendimento de saúde pública, incluindo a saúde sexual e psicológica. Por ações que tornem a educação mais inclusiva. Assim como para que em nenhum lugar do mundo persistam leis criminalizado, perseguido ou matando pessoas por sua orientação sexual.

Também por isso, denunciamos as correntes stalinistas. Apesar de utilizarem a bandeira do comunismo, o stalinismo é a continuidade daqueles que traíram a Revolução Russa, que quando estiveram na burocracia do Estado perseguiram pessoas LGBTI+, e que hoje ainda justificam a perseguição a ativistas LGBTIs em Cuba.

Por outro lado, nós queremos ainda mais do que sermos “tolerados” pela sociedade. Devemos assegurar nossa sobrevivência, mas também sonhamos com a possibilidade de viver plenamente, expressando livremente nossa identidade, afeto e atração sexual sem medo. Isso só será possível em um mundo que, diferente do capitalismo, não seja governado pela exploração e pela desigualdade! A liberdade da classe trabalhadora, em uma sociedade socialista, é o que pode trazer também a liberdade sexual – não só para as pessoas bissexuais, mas para gays e lésbicas, travestis e transexuais, todas as mulheres e todos que sofrem hoje com a opressão.

Faça parte!

Quer saber mais sobre o movimento LGBTI+s e as propostas do socialismo? Deixamos o convite, em especial para os trabalhadores e a juventude bissexuais, a conhecer o PSTU. Clique AQUI.

 

NOTAS:

[1] Shaw, Julia. InvisiBilidade: cultura, ciência e a história secreta da bissexualidade. Editora Cultrix, 2023

[2] Por “não-bináries” nos referimos a pessoas que não se identificam como homens nem mulheres, que entendem seu gênero como algo para fora dessas duas categorias.

[3] https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/33785-em-pesquisa-inedita-do-ibge-2-9-milhoes-de-adultos-se-declararam-homossexuais-ou-bissexuais-em-2019

[4] Anything That Moves, no. 4, 1992.

O título da revista pode ser traduzido para “qualquer coisa que se mova”. Inicialmente faz referência ao esteriótipo de que pessoas bissexuais fariam sexo com “qualquer coisa que se mova”, porém há um trocadilho com o verbo “mover-se” para se referir ao movimento político. Em nota explicativa, a revista afirma ser sobre “qualquer coisa que nos mova” nesse sentido político.

Todos os artigos mencionados da revista estão disponíveis em: https://anythingthatmovesarchive.carrd.co/

[5] Tradução nossa.

[6] Leia mais sobre a Visibilidade Trans: https://www.pstu.org.br/dia-nacional-da-visibilidade-trans-entendendo-genero-e-transexualidade-sob-uma-perspectiva-marxista-e-revolucionaria/

[7] Anything That Moves, no. 5, 1993. Tradução nossa.

[8] Anything That Moves, no. 1, 1991. Tradução nossa.

[9] Dados citados no 4º capítulo da referência [1].

[10] https://www.pewresearch.org/short-reads/2019/06/18/bisexual-adults-are-far-less-likely-than-gay-men-and-lesbians-to-be-out-to-the-people-in-their-lives/

[11] Rehaag, S. “Bisexual people need not apply: A comparative appraisal of refugee law and policy in Canada, the United States, and Australia.” International Journal of Human Rights, 2009.

[12] Gross, J. “Neither here nor there: The bisexual struggle for American asylum.” Hastings Law Journal, 2018.

[13] ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado.

[14] D’EMILIO, John. Capitalismo e Identidade Gay.