Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

Nesse 28 de setembro as mulheres trabalhadoras brasileiras tem uma importante tarefa: reforçar as manifestações em defesa da legalização do aborto e pelo direito das mulheres à autodeterminação e à justiça reprodutiva, isto é, pelo direito de decidir sobre serem ou não mães e o momento para isso.

A legalização do aborto é fundamental para assegurar às mulheres trabalhadoras e pobres o direito de decidir sem correr o risco de morrer ou sofrerem sequela por sua decisão, visto que para as mulheres burguesas esse risco é mínimo, pois podem pagar por assistência médica adequada em clínicas particulares de alto padrão ou viajar para algum país onde a prática é legalizada e retornar em segurança.

Portanto, ao contrário do que querem fazer crer os setores que defendem a proibição, a criminalização não impede as mulheres de abortar, mas gera condições inseguras às mulheres trabalhadoras e pobres, que não tem as mesmas condições financeiras das mulheres ricas para ter acesso a esses serviços de qualidade.

Uma questão de saúde pública…

A experiência dos países onde o aborto foi legalizado e assegurado de forma gratuita, demonstra que, a legalização, acompanhada de políticas públicas de educação sexual, planejamento reprodutivo e disponibilização de métodos contraceptivos eficientes, não apenas salva vidas, por permitir que as mulheres que optam por interromper uma gravidez não desejada o façam em segurança, como reduzem as taxas de gravidez não planejadas e inclusive do próprio aborto.

Isso significa que a melhor forma de evitar o aborto é legalizar, e não proibir como muitos pensam. Por isso acreditamos que, ainda que a descriminalização seja um passo importante, esta não é suficiente, pois seguirá reproduzindo o modelo atual, onde as mulheres com dinheiro para pagar por atendimento de qualidade o farão, enquanto as mulheres pobres continuarão recorrendo a métodos precários.

Pensar o aborto como uma questão de saúde pública é pensar tanto em como evitar que milhares de mortes e sequelas por aborto que ocorrem todos os anos sigam acontecendo, como também pensar em evitar a própria gravidez não planejada, para que as mulheres não tenham que recorrer ao aborto, caso não queiram seguir com a gestação. Para isso é preciso uma política global de saúde sexual e de saúde reprodutiva para as mulheres, que passe por educação sexual para decidir, métodos contraceptivos para evitar e aborto legal, seguro e gratuito para não morrer.

… e de justiça social

Já que são as mulheres trabalhadoras e pobres, especialmente as mulheres negras e indígenas, as principais vítimas do aborto inseguro, podemos afirmar, sem medo de errar, que aborto também é uma questão de classe.

Muitas (se não a maioria) das mulheres que abortam não o fazem porque não desejam serem mães ou porque não querem mais um filho, mas por não terem condições econômicas para isso. Há quem acredite que onde come um, come dois, mas não é bem assim, num país onde quase metade das mulheres vivem em situação vulnerabilidade social e de insegurança alimentar, ou seja, que não sabe se terão o que comer no dia seguinte, uma boca a mais representa muita coisa.

A desigualdade social produzida pela divisão da sociedade em classes e pelo capitalismo cada vez mais decadente, combinada com a desigualdade de gênero e raça produzida pelo machismo e pelo racismo alimentada pelo sistema capitalista, faz das mulheres trabalhadoras, principalmente as mulheres negras, as que mais sofrem com o desemprego, a desigualdade de oportunidades, a informalidade e os baixos salários, o que por sua vez é agravada pela violência.

Se por um lado a maternidade deve ser uma escolha e não uma imposição, essa escolha deve ser baseada em condições concretas de vida. Para que a mulher possa decidir, precisa ter opções, e ter que escolher entre a pobreza e a miséria, ou entre estar empregada hoje e perder o emprego amanhã pela discriminação às mulheres mães, entre seguir trabalhando e ter de abandonar o emprego para cuidar do filho pequeno porque não tem onde deixá-lo ou ainda ter de permanecer num lar violento por depender economicamente de um marido ou companheiro agressor não é ter opções.

Há que se discutir também a hipocrisia do Estado que criminaliza as mulheres que abortam, impondo às mulheres pobres condições inseguras para interromper uma gravidez indesejada, vulnerabilizando-as ainda mais, ao mesmo tempo que não assegura as condições para a maternidade e/ou tem políticas públicas de saúde reprodutiva que permita às mulheres o planejamento reprodutivo.

Nesse sentido a luta pela legalização do aborto não deve ser uma questão só das mulheres mas da classe de conjunto, sendo que as trabalhadoras e trabalhadores e suas organizações, como sindicatos, movimentos sociais, etc devem assumir essa pauta e fortalecer essa luta, pois são as mulheres da nossa classe que estão morrendo ou sendo presas por isso.

Fortalecer organização e a luta pela legalização do aborto

No último dia 22 de setembro, a ação movida pelo PSOL que pede a descriminalização do aborto até 12 semanas foi a voto no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo que a relatora da ação a ministra Rosa Weber votou a favor da matéria, argumentando que a criminalização fere direitos fundamentais das mulheres, como a autodeterminação pessoal, a liberdade e a intimidade. Um posicionamento em favor do direito das mulheres, que reforça a luta pela legalização.

Contudo, é pouco provável que a matéria avance na corte por enquanto, pois dos 10 ministros do STF que ainda faltam votar, apenas Luís Roberto Barroso e Edson Fachin já se manifestaram pela descriminalização. O julgamento inclusive foi suspenso por pedido de destaque de Barroso, que sucederá Weber na presidência do STF após sua aposentadoria em 2 de outubro. Com isso, o debate deverá prosseguir em sessão presencial do Plenário, ainda sem data definida.

Não devemos depositar esperanças no STF, tampouco no governo Lula, que mantém silêncio sobre o tema, sendo que sua ministra da mulher Cida Gonçalves já declarou que defende a legislação atual, ou seja, que o aborto siga sendo criminalizado exceto em caso de estupro, risco de morte para a gestante e feto anecéfalo (sem cérebro). Por outro lado, o Congresso, reagindo ao voto de Rosa Weber, acelera projetos de lei na Câmara e no Senado que pretendem proibir o aborto em qualquer situação.

A ofensiva ideológicas de setores conservadores, apoiados principalmente nas igrejas evangélicas e católica tem conseguido, por enquanto garantir a rejeição à legalização do aborto por parte da opinião pública, mas isso não significa que essa situação não possa mudar a partir de uma forte campanha do aborto como uma questão de saúde pública e de direito das mulheres, assim como vem ocorrendo em outros países, como Mexico, Argentina e Colômbia, que conquistaram a descriminalização/legalização.

Nesse 28 de setembro, em várias cidades, estão ocorrendo manifestações da frente nacional pela legalização do aborto, da qual somos parte, junto com vários outros setores que defendem essa pauta. Esse dia deve ser um pontapé para fortalecer a luta em defesa do aborto seguro e gratuito para salvar a vida das mulheres trabalhadoras e pobres, principais vítimas da criminalização. Devemos exigir também que o governo Lula se posicione firmemente e impulsione, a partir do poder executivo, uma campanha nacional pela legalização do aborto, pois o silencio do governo só contribui para reforçar a estratégia conservadora contra o aborto.

É pela vida das mulheres, pelo direito de decidir sem correr o risco de morrer. Educação sexual e contraceptivos para não engravidar, aborto legal e seguro para não morrer!