(Brasília - DF, 07/11/2018) Presidente da República, Michel Temer, e Jair Bolsonaro, Presidente da República eleito, durante declaração à imprensa.Foto: Rogério Melo/PR
Redação

Os desafios da classe trabalhadora para o próximo período

Neste primeiro dia do ano, o novo presidente do país, Jair Bolsonaro (PSL), está sendo oficialmente empossado em Brasília. Resultado de uma profunda crise social, econômica e política, e uma consequente polarização social, o início de seu governo vem embalado numa onda de otimismo.

Pesquisas recentes mostram que a maior parte da população ainda nutre grandes expectativas para o futuro. Segundo o Datafolha, 65% esperam uma melhora na economia no próximo período. Já o levantamento da XP Investimentos mostra um otimismo em relação à economia de 55%. Igualmente, o índice de aprovação das medidas tomadas aqui pela equipe de transição de Bolsonaro supera o número de eleitores que o elegeram.

É normal que, mesmo com a série de desencontros, trapalhadas e denúncias de corrupção que marcaram os últimos dois meses, o otimismo prevaleça diante de uma mudança no Governo Federal. Principalmente após quase três anos de recessão que fizeram o PIB retroceder quase 8% e deixou um exército de desempregados, com a explosão da informalidade e uma precarização cada vez maior do trabalho. Resultado direto da política aplicada por todos os governos desde a ditadura militar, passando por Collor, FHC, os governos do PT e de Temer, que governaram para os banqueiros e grandes empresários e que, em momentos de crise do sistema, mais uma vez jogam seus efeitos nas nossas costas.

O que vai acontecer em 2019?
O que hoje aparece como otimismo, assim como ocorreu no governo Dilma, deve se transformar em decepção num prazo não tão longo. Isso porque, infelizmente, a situação dos trabalhadores e da grande maioria da população não deve melhorar no próximo período. Pelo contrário. O desemprego, como mostrou o último levantamento do IBGE do dia 28 de dezembro, permanece na casa dos 12% (desemprego oficial, o número real é bem maior que isso), com o aumento recorde da informalidade.

Enquanto se prevê que o PIB (a soma do conjunto de todas as riquezas produzidas pelo país) de 2018 feche em pouco mais de 1%, as previsões mais otimistas para o ano que se inicia ficam em torno de 2,5%. Mesmo que isso ocorra, o que seria bem difícil, significa mais uma estagnação do que um crescimento de fato. Para o desemprego, prevê-se que demore 10 anos para que se chegue aos níveis pré-crise econômica. Ou seja, para a classe trabalhadora e a grande maioria da população, o que se espera para o próximo período é a continuidade de uma verdadeira guerra social com o aumento da pobreza e da miséria que vimos em 2018.

foto Fernando Frazão Agencia Brasil

Ataques aos direitos
Diante dessa situação, o governo Bolsonaro e a sua equipe econômica liderada pelo “superministro” Paulo Guedes preparam um conjunto de medidas que, se levadas a cabo, representarão um duro ataque aos direitos a fim de manter os lucros dos empresários, do agronegócio e, principalmente, dos banqueiros nacionais e internacionais.

A primeira medida, tratada como prioridade absoluta pelo governo e o mercado, é uma reforma da Previdência cujos termos serão oficialmente apresentados em fevereiro. Fala-se em aproveitar a reforma apresentada por Temer, que elevam a idade mínima para se aposentar, até a proposta original de Guedes de privatizar a médio prazo completamente a Previdência através de um sistema de capitalização, o que, no Chile onde foi implementado, causou uma verdadeira crise social com a maioria dos aposentados recebendo menos que um salário mínimo.

Junto a isso, discute-se uma flexibilização ainda maior dos direitos trabalhistas, com a adoção de uma carteira de trabalho “verde e amarela” que, concretamente, seria a oficialização do “bico”. Já para os empresários, mais desoneração e isenções.

Isso na prática significa o desmantelamento do frágil sistema de proteção social que o país ainda conta, resultado das lutas nos anos 80 parcialmente abarcados pela Constituição, e o consequente aumento da pobreza e da precarização. Ou seja, mais miséria e exploração em favor dos lucros dos patrões.

Entrega do país ao imperialismo
Outra faceta do novo governo que inicia é a sua inteira disposição em entregar o país ao capital internacional. A postura do governo Bolsonaro em favor da venda da Embraer à Boeing, acabando com uma das únicas empresas de tecnologia de ponta do país, é um exemplo do que virá. Paulo Guedes montou uma secretaria especial só para tratar das privatizações. Ele já defendeu a privatização de todas as estatais do país para angariar recursos da ordem de R$ 1 trilhão e pagar a dívida pública aos banqueiros. Como politicamente será difícil se desfazer de uma Petrobrás e um Banco do Brasil, a ideia é começar vendendo o que puder, que seriam mais de 100 estatais.

Ao contrário dos que defendem a privatização de forma falaciosa como forma de atrair investimentos e melhorar a eficiência, o que Guedes tem em mente é simplesmente entregar essas empresas aos banqueiros em troca do abatimento de parte dívida pública. O que, em menor proporção, FHC fez nos anos 1990. Em pouco tempo, os juros exorbitantes tratarão de fazer a dívida retornar ao que era antes das privatizações, e o Brasil continuará com a dívida, e sem as estatais.

A política econômica de Bolsonaro e Guedes é de aumento da submissão ao imperialismo e de aprofundamento da dependência do Brasil. Uma verdadeira recolonização fazendo o país descer um degrau na divisão internacional dos países, desindustrializando e reforçando ainda mais seu papel de mero fornecedor de commodities, como carne e soja.

Ataques aos indígenas e quilombolas
O que nos leva a um dos pontos mais falados por Bolsonaro no último período: seu comprometimento em acabar com as reservas indígenas e quilombolas. Não foi por menos que, na reforma ministerial desenhada durante a transição, a demarcação de reservas indígenas e quilombolas, antes sob responsabilidade da Funai e Incra, tenha ido parar no Ministério da Agricultura. O que cria a esdrúxula situação de que, quem vai determinar a demarcação de terras indígenas, quilombolas, além do licenciamento ambiental, será o presidente da UDR (União Democrática Ruralista), Nabhan Garcia, secretário de “assuntos fundiários” do ministério.

É o dirigente dos latifundiários dizendo que é ou não é terra indígena e quilombola. O que pode ou não ser licenciado de acordo com o meio ambiente. A intenção não poderia ser mais descarada: entregar as terras de povos indígenas e quilombolas à exploração das grandes mineradoras e ao agronegócio. Às custas do extermínio dos povos originários e quilombolas e do próprio meio ambiente.

E a corrupção?
Muito da expectativa que gira em torno do governo Bolsonaro se deve a um suposto compromisso no combate à corrupção, principalmente após a nomeação do juiz Sérgio Moro como o “superministro” da Justiça. Antes mesmo de assumir oficialmente, porém, Moro já mostrou que sua disposição em combater a corrupção, além de seletiva, já não é a mesma. O caixa 2 assumido por Onyx Lorenzoni (vindo da JBS), crime que Moro considerava “pior que corrupção”, foi amenizado diante do pedido de desculpas do político do DEM.

Onyx Lorenzoni e Paulo Guedes. Agência Brasil

Já o recente escândalo envolvendo o motorista do filho de Bolsonaro, o senador eleito Flávio Bolsonaro, mostrou que, não só a família Bolsonaro nada difere dos políticos corruptos tradicionais que infestam o Congresso Nacional, como terão a salvaguarda do governo e das instituições em encobrir seus malfeitos. Haja visto a rapidez com que o Ministério Público do Rio aceitou a desculpa esfarrapada de que Queiroz estava “gravemente doente” e por isso escapou de dois depoimentos sobre a movimentação de R$ 1,2 milhão em sua conta. Condição que não o impediu de conceder uma entrevista constrangedora ao SBT.

Foto Romerito Pontes

Os desafios diante do governo Bolsonaro
Estamos diante de um governo de extrema-direita apoiado e composto por um setor significativo dos Forças Armadas. Além da política econômica pró-imperialista e declaradamente contra os direitos, temos a ameaça de retrocesso nas liberdades democráticas, de organização, expressão e luta da classe trabalhadora. O que antes parecia como bravata, vai ganhando contornos mais concretos como a disposição em recrudescer a lei antiterrorismo aprovada por Dilma, a fim de incluir os movimentos sociais e mobilizações de oposição.

O apoio recebido por Bolsonaro nas eleições e a expectativa diante do novo governo, porém, não são um cheque em branco. Refletem o repúdio aos desgovernos do PT e Temer, ao PSDB, MDB e toda essa institucionalidade corrupta vigente, o cansaço diante da recessão e da degradação das condições de vida e um desejo de mudança. Embora Bolsonaro, longe de ser antissistema, como a maioria acredita e espera, é o que de pior há no sistema podre que está aí.  O desafio colocado para a classe trabalhadora no momento é o de organizar, por baixo e por cima, a classe, preparando a luta contra a reforma da Previdência nos bairros, sindicatos, entidades e exigindo das direções das centrais a organização de uma luta unificada, preparando as condições de uma Greve Geral, a exemplo do que vem exigindo a CSP-Conlutas.

Grande parte da esquerda, lamentavelmente, faz duas coisas que são as piores coisas que se podem fazer no momento. Primeiro, colocam sua luta pela liberdade de Lula como prioridade a ser encampada por todos. Segundo, estigmatizam grande parte da população como “fascista” ou ignorante. O PT e demais setores tem, evidentemente, total direito de levar adiante sua luta em defesa de Lula ou quem quer que seja. Mas é um grave erro colar isso à luta contra os ataques à Previdência e aos direitos, que é o que pode, realmente, unificar a classe trabalhadora e o conjunto da população pobre.

É preciso unidade para enfrentar essa reforma da Previdência que, como já provou a própria CPI do Senado em 2017, não é responsável pelo “rombo” no Orçamento. O verdadeiro culpado pela crise fiscal da União e dos estados é a dívida pública, que desvia grande parte dos recursos para um punhado de banqueiros internacionais. Neste sentido, restringir ainda mais a Previdência através de uma “reforma” como já defenderam Haddad, Jacques Wagner e como vem implementando na prática os governos petistas nos estados, deve ser rejeitado e denunciado. A única solução para resolver a crise passa pelo fim do pagamento da dívida.

O momento é de diálogo com os operários, os trabalhadores e a população, nas fábricas, nos bairros, nas escolas. De explicar o que está em jogo e a ameaça que existe pela frente. De organizar a luta em conjunto em defesa dos direitos e do emprego, assim como das liberdades de organização e luta contra esse governo e os patrões para quem ele governa. De frente única em defesa dos direitos e contra os ataques.

A classe trabalhadora não está derrotada e é na sua força que devemos depositar nossas esperanças neste novo ano que se inicia.

Por uma alternativa revolucionária
É necessário também construir uma organização revolucionária realmente disposta a romper com o sistema, para fazer uma verdadeira transformação social. Para que o Brasil possa ter soberania, acabar com a miséria, a fome, o desemprego e para que a classe operária, os trabalhadores, os pobres e oprimidos, a juventude e mesmo os pequenos empresários e produtores possam ter uma vida digna. Um país que não tenha mais explorados e exploradores. Um país em que os debaixo, os trabalhadores e amplíssima maioria do povo possam governar através de conselhos populares em benefício da maioria.

Porque até hoje, todos os governos governaram para os capitalistas, os bancos e as 100 maiores empresas multinacionais e nacionais, que controlam mais de 70% da economia do país. Bolsonaro, da mesma maneira que a Ditadura, Collor, FHC, Lula, Dilma e Temer vai, num momento de crise capitalista mundial, submeter ainda mais o Brasil aos países ricos e suas empresas e bancos e continuar desatando uma guerra social contra nós trabalhadores, tirando da Previdência, da saúde, da educação e dos gastos sociais para pagar juros a banqueiros e empresários trilionários.

O primeiro desafio deles é enfiar goela abaixo da nossa classe a reforma da Previdência e o ataque às aposentadorias em benefício dos banqueiros. O nosso primeiro desafio é organizar a luta para impedir esse ataque.