Diante dos salários de US$ 18 mensais, as demissões em massa, o desmonte da saúde e da educação e o perigo de uma brutal repressãoOs trabalhadores, a juventude e o povo cubano – que protagonizaram a primeira e única revolução socialista vitoriosa na América – vivem hoje uma situação desesperadora. Eles passam fome porque não conseguem sobreviver com um salário de 18 dólares mensais. E essa situação tende a se agravar de forma qualitativa, pois o governo anunciou, para os próximos meses, novos ataques ao seu nível de vida, entre eles a demissão de um milhão e trezentos mil trabalhadores estatais.

Uma parte dos trabalhadores cubanos consegue sobreviver à custa de algum familiar que lhe envia dinheiro do exterior. Mas a maioria não tem essa ajuda. Por isso, são obrigados a se humilhar diante dos turistas (dois milhões e meio em 2010), a assediá-los pedindo gorjetas por qualquer tipo de serviço (real ou inventado), a vender os famosos charutos cubanos roubados, a pedir um sabão, um xampu ou uma simples bala, ao mesmo tempo em que crescem, de forma impressionante, dois flagelos que tinham desaparecido com a revolução: a mendicância e a prostituição.
Até agora, diferentemente do que ocorreu nos países do Leste Europeu, quando os partidos comunistas restauraram o capitalismo, em Cuba não houve grandes mobilizações contra o governo. O prestígio da direção cubana, por haver estado, no passado, à frente da revolução contra o capitalismo e o imperialismo, foi um importante freio à ação das massas contra o governo e contra o Partido Comunista.

Mas a paciência dos cubanos parece estar chegando ao fim. Atualmente, o descontentamento com a situação e com o governo dos irmãos Castro é generalizado e não está descartado que, a curto ou médio prazo, aconteça em Cuba uma explosão similar à que ocorreu nos países do Leste Europeu no fim da década de 1980, ou às que estamos presenciando agora nos países árabes.

O governo e o Partido Comunista Cubano sabem desse perigo, por isso não permitem que chegue, por meio da televisão ou da rádio (ambas controladas pelo governo), qualquer tipo de informação sobre o que as massas estão fazendo nos países árabes. Além disso, é necessário lembrar que o povo cubano não tem acesso à internet e que em Cuba não existem jornais nem revistas (a não ser os do Partido Comunista).

No entanto, diante de tanta exploração e humilhação, é muito difícil que a censura do governo para impedir que os cubanos saibam o que está ocorrendo no resto do mundo tenha sucesso. De uma forma ou de outra, mais cedo ou mais tarde, os trabalhadores cubanos vão se rebelar contra essa situação, e quando isso acontecer, uma nova e grande ameaça vai se colocar sobre suas cabeças: a repressão.

Dizer a verdade, por mais dura que seja
Há milhares de trabalhadores, camponeses e estudantes que consideram Cuba e a sua direção, em especial Fidel Castro, como uma referência para todos aqueles que lutam pelo socialismo. Também são muitos os críticos à direção cubana, mas que consideram que em Cuba, ao contrário do que ocorreu nos outros ex-Estados operários (URSS, China e Leste Europeu), o capitalismo não foi restaurado.

Para esses milhares de companheiros, chegar à conclusão de que o capitalismo foi restaurado em Cuba seria uma grande desmoralização. Mas temos a obrigação de dizer a verdade para os trabalhadores, camponeses, estudantes e intelectuais de todo o mundo, por mais dura que ela seja. Porque só a verdade é revolucionária, e há duas grandes verdades que explicam o drama vivido pelos trabalhadores e pelo povo cubano: a primeira é que a fome, o desemprego, os salários miseráveis, os mendigos e as prostitutas não são mais que as consequências de algo que já aconteceu na nossa querida Cuba: a volta do capitalismo. E a segunda verdade, que não pode continuar sendo ocultada, é que o odiado capitalismo não foi restaurado nem pelos gusanos (1), nem por uma invasão ianque. Em Cuba, assim como na ex-URSS ou na China, o capitalismo foi restaurado, em nome do socialismo, pelo governo e pela direção do Partido Comunista.

Em 1959, as forças guerrilheiras, comandadas por Fidel Castro, Camilo Cienfuegos e Che Guevara, derrotaram as forças do ditador Batista. Pouco tempo depois, a Revolução Cubana enfrentou todos os capitalistas, nacionais e estrangeiros, e pôs os seus recursos econômicos a serviço do desenvolvimento do país. Para isso, foram tomadas três importantes medidas no terreno econômico: a expropriação e nacionalização de todos os meios de produção (fábricas, terras, comércio, bancos etc.), o monopólio do comércio exterior e a planificação centralizada da economia.

Foi com base nessas medidas que os trabalhadores conseguiram uma série de conquistas, a maioria das quais não existia nem existe em outros países do continente (nem sequer nos EUA): o pleno emprego, moradia para todos, saúde pública gratuita e de alta qualidade (também para todos), o fim do analfabetismo, o fim da prostituição, altos índices de escolaridade (até hoje, 50% dos trabalhadores cubanos completam 12 anos de estudos) e, finalmente, os cubanos conquistaram o orgulho de ser um povo que foi capaz de mostrar, para os trabalhadores de todo o continente, que é possível enfrentar e derrotar o capitalismo e o imperialismo.

No entanto, essas três medidas foram eliminadas no início dos anos 1990 pelo governo e pela direção do Partido Comunista, a tal ponto que a própria Constituição foi alterada para permitir a propriedade privada dos meios de produção. Assim, os “direitos” do capital, que tinham sido eliminados com a revolução, foram restabelecidos, e com a volta do capitalismo, as velhas mazelas do período do governo Batista voltaram.

Os defensores do governo cubano dizem que o capitalismo não foi restaurado, que foi permitido simplesmente a atuação de empresas estrangeiras no país, mas respeitando as leis cubanas e que, além disso, a maioria das empresas é do Estado, que continua sendo “socialista”.

É verdade que as empresas estrangeiras são obrigadas a respeitar as leis cubanas, mas também é verdade que novas leis foram aprovadas, entre elas a Lei de Investimentos Estrangeiros, para possibilitar que as multinacionais tenham muito mais direitos do que teriam em qualquer outro país do mundo. Por outro lado, as empresas que existem no país, sejam estatais, mistas ou de capital cubano ou estrangeiro, não trabalham para uma economia socialista (para um plano econômico central), mas para o mercado nacional e internacional. Também é necessário esclarecer que os cubanos que trabalham nas empresas internacionais não têm a proteção do Estado “socialista” cubano. Ao contrário, o trabalhador cubano não recebe o mesmo salário que essas empresas pagam em outras partes do mundo. Os cubanos só ganham os seus miseráveis 18 dólares mensais, sendo que a maioria dessas empresas é de propriedade mista (associadas com o Estado) Qual é, portanto, o papel do Estado cubano? Não só garantir os direitos do capital internacional para explorar cruelmente os trabalhadores cubanos, mas também ser sócio nessa exploração, que é qualitativamente superior àquela imposta na maioria dos países da América Latina e do mundo.

Cuba, o país das desigualdades
Os cubanos vivem no pior dos mundos. Trabalham, assim como os seus irmãos dos outros países, para uma economia de mercado, mas, em função dos seus salários, praticamente não têm acesso a esse mercado.

Talvez a cena mais triste para quem visita a Ilha seja ver as belas crianças cubanas sem brinquedos. Não com poucos brinquedos. Sem brinquedos. É que os brinquedos são proibidos. São artigos demasiado supérfluos para um pai ou uma mãe que ganham 18 dólares mensais.

Os salários dos trabalhadores cubanos, comparados com os dos trabalhadores do resto do mundo, sempre foram baixos, mas, como produto das medidas econômicas tomadas depois da revolução, o salário social era muito alto. O povo gastava muito pouco com a alimentação porque os trabalhadores comiam gratuitamente nas empresas e as crianças nas escolas, e os produtos básicos para a alimentação (e também para a limpeza) eram entregues pelo governo, a preços simbólicos, por meio da caderneta de abastecimento.

Hoje a realidade é oposta. Com a restauração da economia de mercado, os salários são mais baixos que antes e uma grande parte do salário social já desapareceu ou tende a desaparecer. Na maioria das empresas os refeitórios foram fechados, os novos planos do governo pretendem acabar com o período integral nas escolas e, finalmente, a maioria dos produtos que faziam parte da caderneta de abastecimento foi eliminada, ao mesmo tempo em que se anuncia o fim da própria caderneta.

Como produto da revolução, foi feita uma profunda reforma urbana que garantiu moradia a baixo custo para todos os cubanos. A partir daí, era responsabilidade do governo cuidar da manutenção das fachadas e responsabilidade dos moradores garantirem a manutenção da parte interna. No entanto, há pelo menos duas décadas, nem o governo garante a manutenção das fachadas e nem os moradores dos bairros operários e populares, com os seus 18 dólares de salário, têm condições para garantir a manutenção interna. O resultado são bairros inteiros onde as casas estão cheias de vidros quebrados, goteiras, infiltração de água, paredes e andares semidestruídos, instalações elétricas expostas e em péssimas condições, buracos no lugar onde algum dia houve uma porta ou uma janela, inclusive casas mais antigas, que são demolidas pela falta de manutenção.

Mas nem tudo é miséria em Cuba. Existem bairros cheios de antigas mansões, muito bem conservadas, onde vivem os novos burgueses, os burocratas do governo e os representantes das empresas estrangeiras. Também existem vilas militares com casas muito boas, tão bem conservadas que, apesar de antigas, parecem que foram recém construídas.

A partir da revolução, Cuba transformou-se no país mais igualitário da América, mas hoje é exatamente o contrário. A desigualdade social é tão chocante que cria uma mistura de surpresa, indignação e até mal-estar nos revolucionários que visitam a ilha. É triste escutar da boca de muitas pessoas desse admirado povo cubano, culto, alegre e musical, frases tão chocantes como estas: “Quando nos vestimos não comemos, e quando comemos não nos vestimos”. Ou ainda: “nós, cubanos, dizemos que somos como os palhaços: rimos por fora e choramos por dentro.”

A “democracia” em Cuba
Os defensores do governo cubano, de fora de Cuba, dizem que nesse país há democracia. Afirmam que é verdade que não há democracia para os gusanos, mas que há democracia para os trabalhadores e para o povo.

Em Cuba ninguém diz isso porque se arriscaria, no melhor dos casos, a receber como resposta uma sonora gargalhada. Quem diz que em Cuba há democracia para os trabalhadores tem que dizer: que organismo dos trabalhadores votou o salário de 18 dólares? Que organismo votou que um milhão e trezentos mil trabalhadores tinham que ser demitidos?

Mas sobre esse tema da democracia operária também é necessário dizer a verdade, por mais dura que ela seja. E a verdade é que nunca houve democracia para os trabalhadores e o povo cubano, nem mesmo na “época dourada” da revolução, quando estavam expropriando os capitalistas e o imperialismo, e isso explica muito do que está acontecendo atualmente.

O que existia e existe em Cuba é um regime idêntico ao que existia na ex-URSS e ao que existe na China: um regime baseado em um partido único, o Partido Comunista, apoiado nas Forças Armadas. Mas, na realidade, seria errado afirmar que o Partido Comunista dirigia ou dirige Cuba. Quem está à frente do Estado cubano é um pequeno grupo em torno de Fidel e de Raúl Castro, porque, para que o Partido Comunista pudesse dirigir, deveria ter algum tipo de democracia interna, e isso não existe. O PC Cubano praticamente não realiza congressos. Agora, em abril, vão realizar um após 16 anos, mas, na verdade, esse “Congresso” será uma reunião de burocratas, pois os delegados, segundo informa o Granma, serão eleitos por uma plenária de secretários-gerais.

A restauração do capitalismo na ilha, combinada com a total falta de democracia, teve como resultado a existência de uma ditadura muito similar às piores e mais sanguinárias ditaduras do mundo. Na realidade, em alguns aspectos é uma ditadura muito pior que aquelas. Por exemplo, durante a ditadura de Mubarak, no Egito, havia alguns partidos legais de oposição, havia vários jornais submetidos à censura, mas havia. Havia pleno acesso à Internet e havia alguns poucos sindicatos independentes. Tudo isso é impensável em Cuba.

Seria possível argumentar, contra o que dizemos, que naquelas ditaduras, de Mubarak no Egito, Pinochet no Chile ou de Videla na Argentina, havia milhares de presos políticos, de sequestrados, torturados e assassinados, e que isso não existe em Cuba. É verdade. Mas o que vai acontecer em Cuba quando surgirem greves, mobilizações, grupos guerrilheiros e confrontos com a polícia, como ocorreu naqueles países? Vai se retirar do poder? Ou vai reprimir violentamente as ações das massas quando questionarem seus privilégios?

Post author Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT – QI)
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