Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Em 2018, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) teve o orgulho de apresentar a primeira chapa 100% negra para as eleições presidenciais, com Vera e Hertz Dias. Agora, para as eleições municipais de 2020, acreditamos que também estamos fazendo História ao termos 61% de negros e negras como candidatos (as) a prefeito (a); 41% como vices e 45% concorrendo ao cargo de vereador (a).

De imediato, vale destacar que, seguindo a tradição dos movimentos negros que se opõem à fragmentação dos (as) descendentes dos (as) africanos (as) trazidos para cá como escravos através do “tom de pele” – um dos mecanismos criados pelo mito da democracia racial na tentativa de “apagar” o impacto do racismo e nos dividir para enfraquecer nossas lutas – consideramos como “negros e negras” todos(as) que são registrados, no nascimento, ou classificados pelo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) como “pretos” ou “pardos”.

País afora, todas nossas candidaturas, independentemente da etnia-raça, orientação sexual ou identidade de gênero de nossos representantes, estarão a serviço da luta intransigente contra o governo Bolsonaro-Mourão e pela construção de uma alternativa socialista.

 “Contudo, o fato de nossa militância ter composto chapas com um ‘perfil negro’ tão acentuado nos causa orgulho exatamente porque, vivendo no país com a maior população negra fora do continente africano e que manteve por mais tempo o crime da escravidão, isto vai para muito além do que se chama ‘representatividade’: é expressão da essência do que iremos defender país afora. Vamos colocar nossa campanha a serviço da luta pela organização das trabalhadoras e dos trabalhadores, da juventude e  do povo pobre, buscando uma saída revolucionária para atender as necessidades dos mais explorados e historicamente oprimidos”, destacou Vera, operária negra e nordestina, candidata do PSTU à prefeitura de São Paulo.

Em defesa da vida, da renda e do combate ao desemprego

Uma necessidade ainda mais urgente em um país onde a pandemia já levou mais de 140 mil brasileiros à morte muito em função do descaso propositalmente genocida do governo Bolsonaro-Mourão e, também, dos governos municipais e estaduais, que, com maior ou menor grau de cinismo e hipocrisia, sempre colocaram em risco o isolamento social ou se recusaram a aplicar medidas de garantia efetiva de renda para permitir a prevenção dentre os setores mais vulneráveis.

Tudo isto em nome da saúde da economia e enquanto os mais ricos estão se tornando ainda mais ricos e a população pobre, negra e periférica, os que estão na linha de frente, nos serviços de saúde, na limpeza e serviços domésticos, no transporte público, na informalidade ou no desemprego lutam contra a barbárie.

E, como não poderia deixar de ser, negros e negras, mais uma vez, são afetados desproporcionalmente. Na cidade de São Paulo, por exemplo, como foi constatado pelo Instituto Pólis, com dados de 1º de março a 31 de julho, a taxa de mortalidade da população negra é de 172 mortes para cada 100 mil habitantes; um índice 60% maior do que o registrado na população branca da cidade, que ficou em 115/100 mil habitantes. Já país afora, segundo reportagem da CNN, publicada em 05/06/2020, a cada dez brancos que morrem vítimas com Covid-19, morrem 14 negros (pretos e pardos).

Gilvani

“Diante desta situação, o centro de nossa campanha será a defesa da vida, da renda e o combate ao desemprego. Iremos apresentar um programa de emergência, que começa pela exigência de quarentena geral, pra valer, com garantia de emprego e renda pra todo mundo. Mas, não vamos parar aí. A combinação da ganância cruel de um sistema que tenta nos coisificar e nos trata como ‘peças’ descartáveis é típica de uma burguesia que se fez rica com o dinheiro sujo da escravidão. Está por trás da miséria crescente; de tragédias como a de Brumadinho, das queimadas e da destruição do meio-ambiente; do genocídio da juventude negra, do extermínio dos povos indígenas e quilombolas; dos ataques à Educação, à Ciência e à Arte e tantas outras mazelas. E não acreditamos que seja possível ´reformar’ este sistema, de lhe dar uma ‘face humana’ e muito menos promover uma ‘revolucão solidária’ sem destruir suas estruturas. Por isso, com o mesmo empenho que iremos pedir votos, queremos disputar a consciência dos trabalhadores e da juventude para a necessidade de fazermos uma revolução socialista”, destacou a petroleira Gilvani Santos, candidata à prefeita em Aracaju (SE)

Contra o genocídio da juventude negra

A defesa da vida, particularmente no que se refere ao povo negro, é uma necessidade que vai para muito além da pandemia. A última edição do Atlas da Violência, publicado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou, por exemplo, que este é um país onde, somente em 2018, das 57.956 assassinadas, a enorme maioria (43,8 mil) era negra, tinha de de 15 a 29 anos (quase 31 mil) e uma mulher foi morta a cada duas horas (68% delas, negras).

Um país onde um negro tem 2,7 vezes mais chances de ser morto do que um não-negro e no qual, entre 2008 e 2018, a taxa de mortes de pessoas negras cresceu 11,5%, enquanto a de não negros caiu 12,9% no mesmo período (leia o artigo).

“Todos os dados demonstram que nós, negros e negras, vivemos sob um constante e doloroso processo de genocídio. Algo que é particularmente grave no Rio de Janeiro. Aqui, é a cidade onde mataram Marielle, mas também Ágatha, de 8 anos, Kauê Ribeiro (12), Kauan Rosário (11) e João Pedro (14), na vizinha São Gonçalo. Nosso estado é o 10º com a mais alta taxa de homicídios de pessoas negras. Somente em 2018, foram 4.705 irmãos e irmãs; o que significa 50,6/100 mil habitantes, bem acima da média nacional, dentre os negros, que é de 37,8/100 mil, e mais que o dobro da de não-negros no Estado, que ficou em 20,6/100 mil. Muitos deles, sabemos, foram vitimados pelas forças de repressão, sejam as fardadas ou as encapuzadas; as oficiais ou milicianas. Basta lembrar os números – subnotificados – do “Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019, que mostram que das 6.220 das pessoas mortas pela polícia no Brasil, em 2018, 4.690, ou 75,4%, eram negras. Por isso, para além de exigir a apuração destes crimes, a punição dos responsáveis, também defendemos que o população, organizada em seus conselhos populares, também discuta seu direito inquestionável de auto-defesa”, destacou o bancário Cyro Garcia, candidato a prefeito no Rio de Janeiro.

Cyro, que também é professor, ainda destacou esse clima de violência faz com que na rede escolar carioca, principalmente nas periferias e morros, se viva uma situação de “excepcionalidade” muito antes da pandemia: “aqui, as operações policiais, além de assassinarem nossas crianças, matam a perspectiva de futuro da juventude da classe trabalhadora, já que, freqüentemente provocam o fechamento das escolas”, completou o candidato.

Fora Bolsonaro-Mourão e todos aqueles que governam para os ricos e corruptos

A combinação entre a mais grave crise econômica do capitalismo deste do início do século 20 e a pandemia escancararam que, sob esse sistema e a elite corrupta e gananciosa que o dirige, não há, de fato, perspectiva de futuro para a enorme maioria da humanidade.

O verdadeiro caráter do capitalismo pode ser sintetizado pela manchete de um de seus mais renomados “porta-vozes”, a revista “Forbes”, que, em 22/07/2020, estampou a manchete “Ricos estão ficando mais ricos durante a pandemia”,  algo exemplificado por números absurdos: de março pra cá, 467 bilionários norte-americanos aumentaram suas fortunas em US$ 731 bilhões, enquanto mais de 50 milhões pessoas perderam seus empregos e únicas fontes de renda. Algo que, aqui, tem uma única diferença: a concentração de renda é ainda maior, o que fez com que apenas 42 bilionários do país tenham acumulado mais de R$ 180 bilhões em suas fortunas no auge da COVID-19.

O fato é que, em dólares ou em reais, a crise é usada pelo governo e os grandes empresários para aumentarem ainda mais a exploração. E, aqui, o governo ainda está se aproveitando da situação para “passar a boiada” na forma de privatizações, ataques aos direitos trabalhistas, ao meio-ambiente, à ciência, à arte, à cultura e aos direitos democráticos.

“O governo Bolsonaro-Mourão, assim como Trump, nos Estados Unidos, é apenas a face mais degenerada de um sistema há muito doente. Por isso, nossa campanha começa pelo ‘Fora Bolsonaro e Mourão’, cujo governo, genocida e racista, machista, LGBTfóbico e xenófobo é uma expressão particularmente autoritária da velha democracia dos ricos, sempre a serviço dos mesmos banqueiros, empresários e latifundiários. Um sistema que não dá reformar ou humanizar. Precisa ser destruído e substituído por outro, onde quem realmente produz as riquezas e conhece as necessidades do povo, a própria classe trabalhadora, possa decidir as prioridades e onde deve ser aplicados os recursos. Queremos governar as cidades também por isso: pra transformá-las em trincheiras de luta e oposição a Bolsonaro e todos que lucram com a miséria e o sofrimento da maioria. E o povo negro tem muito pra contribuir nesta história. Afinal, carregamos no sangue a garra de Zumbi e dos quilombolas”, disse o professor Wanderson Rocha, candidato a prefeito em Belo Horizonte (MG).

Aquilombar “os de baixo”

Durante a campanha, iremos discutir todos os aspectos que têm a ver com as cidades: do saneamento básico à educação; da moradia ao transporte; do acesso à renda aos impostos. E lutaremos pelo voto de cada trabalhador e jovem, discutindo que, pra conquistarmos, de fato, qualquer coisa, é preciso colocar a cidade nas mãos dos trabalhadores e do povo pobre. Que é preciso um governo socialista. E que isso começa pela organização de comitês ou conselhos populares que controlem a cidade, que decidam sobre o que fazer com 100% do dinheiro do orçamento público e fiscalizem sua aplicação.

“Diferentemente dos que querem manter ou aprofundar a lógica excludente e opressiva deste sistema ou dos que pregam a possibilidade de reformá-lo, o centro de nossa campanha é apresentar uma alternativa socialista. Por isso, também estará a serviço da organização do nosso povo. Queremos discutir a necessidade de aquilombar “os debaixo” em conselhos populares, comitês de autodefesa, comissões nos locais de trabalho e estudo, associações de moradores nas quebradas e quilombos e todas as formas possíveis. Quilombos tais como era Palmares, onde negros(as), trabalhadores pobres, independentemente de suas etnias, religiões, orientação sexual, identidade de gênero, origem etc., possam se unir e lutar pela construção de um mundo mais igualitário, livre e justa”, destacou Hertz Dias, candidato a prefeito em São Luís do Maranhão.

Aquilombar “os de baixo” também significa unificar aqueles e aquelas que a burguesia tenta, permanentemente, dividir através da propagação de preconceitos e distintas formas de opressão. Por isso, também nos orgulhamos de que 43% de nossas candidaturas às prefeituras sejam de mulheres (40%, dentre vereadores/as); 10% sejam LGBTs e 4% indígenas. Gente que trabalha como operários nas indústrias ou em setores como os da educação, transportes públicos, saúde e funcionalismo público ou são jovens estudantes e moradores das periferias. Gente que sabe que não há como lutar contra a exploração sem combater a opressão.

“Nós mulheres negras sofremos duramente, tanto com o racismo quanto com o machismo e ainda há aquelas que são vitimadas pela LGBTfobia. Mas, além disso, temos sido localizadas, historicamente, nos trabalhos mais pesados e precarizados. Como trabalhadora dos Correios, conheço muito bem esta realidade. Mas é também como parte desta categoria que está dado uma lição de luta, numa greve heróica, que se enfrenta contra os projetos de privatização, terceirização e superexploração dos trabalhadores, contra o governo Bolsonaro-Mourão, que também posso falar da nossa força, do sangue quilombola que corre em nossas veias. Somos herdeiras de Rainha Nzinga, de Angola; de Dandara, dos Palmares; da rebelde malê Luiza Mahin; de Teresa de Benguela, chefiou o Quilombo do Quariterêre. Mulheres que, hoje, estão na linha de frente na luta contra a pandemia, sejam nos serviços de limpeza, na saúde ou no comércio, seja em suas comunidades, ocupações, aldeias e quilombos, onde a ausência de políticas públicas já teria causado muito mais mortes se não fosse sua luta cotidiana pra preservar a vida dos seus.”, comentou Raquel, candidata à prefeita em São José dos Campos (SP).

As candidaturas negras do PSTU

Será esta garra e disposição, de raça e classe, que levaremos pra campanha nas próximas semanas, ao lado de nossos companheiros e companheiras brancos, indígenas, orientais ou de qualquer outra etnia, mas com muito orgulho de nossa tradição e ancestralidade negras.  Nas capitais, são negros e negras os seguintes nomes:

Nordeste:  Gervásio Santos (Teresina/PI), Gilvani Santos (Aracajú/SE), Hertz Dias (São Luís/MA) e Rama Dantas (João Pessoa/PB)

Norte: Geneci Gonçalves (Porto Velho/RO), Gianfranco Gusmão (Macapá/AP), Gilberto Vasconcelos da Silva (Manaus/AM)

Sudeste: Cyro Garcia (Rio de Janeiro/RJ), Vera (São Paulos/SP), Wanderson Rocha (Belo Horizonte/MG)

Além disso, também são negras nossas candidaturas majoritárias em importantes cidades de médio e grande porte, como Cláudio Donizetti (São Bernardo/SP), Ivanci Vieira dos Santos (Diadema/SP), Luis Xavier (Santos/SP), Raquel de Paula (São José/SP), Josi Paixão (Osasco/SP), Dayse Oliveira (São Gonçalo/RJ), Patrícia Ramos (Mariana/MG), Gilberto Cunha (Uberlândia/MG), Rair Anício (Ipatinga/MG), Ana Célia (Ceará Mirim/RN), Ednaldo Sacramento (Alagoinhas/BA), Arthur Bispo (Passo Fundo/RS), Ederson da Silva (Criciúma/SC), dentre outros.

VEJA o especial Eleições 2020