Waldemir Soares, da CSP-Conlutas
Waldemir Soares e Mané Bahia, da CSP-Conlutas
A região da Mata Sul pernambucana talvez seja a que mais expresse no momento o conflito fundiário entre camponeses e o agronegócio. Nos dias 27 e 28 de julho, famílias agricultoras da comunidade do Engenho Guerra, município de Jaqueira, foram surpreendidas com a expulsão e destruição de suas plantações.
Em meio à pandemia, a ação de remoção foi realizada em terras da falida usina sucroalcooleira Frei Caneca, contando com a presença de um oficial de justiça e da Polícia Militar, apoiando-se na decisão da 26ª Vara Federal de Pernambuco. O cumprimento da imissão acontece pela suposta posse do novo proprietário que arrematou em leilão as referidas áreas nos municípios de Jaqueira e Maraial, devido a processo judicial de execução fiscal. Os agricultores que manejam o plantio na área há mais de 20 anos sofreram tentativa de assassinato e coação física e moral para abandonar a posse e permitir assim o avanço da agropecuária.
O mesmo acontece com os posseiros do Lote 96, da Gleba Bacajá, em Anapu (PA), onde 54 famílias moram há mais de 11 anos e lutam contra o risco de despejo. São terras públicas pertencentes à União que já foram declaradas para fins de reforma agrária. A gleba foi alvo de grilagem por parte do fazendeiro Antonio Borges Peixoto, que usa documentos falsos, intimidações, ameaças, queima de casas e desmatamento ilegal para tomar posse do local. Em 20 de maio último, os agricultores foram informados da sentença dada pela Justiça do Pará determinando a reintegração de posse a favor de Peixoto.
“O Pará sempre foi marcado pela forte ação criminosa de fazendeiros, que não passam de grileiros, e pela violência no campo contra camponeses. Tudo com a omissão e conivência de governos e do Judiciário a favor dos poderosos”, explica o agricultor Erasmo Teófilo, presidente da Cooperativa de Agricultores da Volta Grande do Xingu. A missionária Dorothy Stang foi assassinada em Anapu em 2005, e o próprio Erasmo foi vítima de três atentados contra sua vida.
O Judiciário cumpre seu papel na garantia da propriedade e do lucro, e as decisões judiciais de Pernambuco e do Pará a favor da grilagem e do agronegócio contra os agricultores constituem mais um triste exemplo.
Vitória da mobilização
Na manhã do dia 2 de agosto, os agricultores realizaram um protesto na rodovia PE 126, na região de Jaqueira. A pressão surtiu efeito, e a 33ª. Vara Federal de Pernambuco suspendeu a emissão de posse das áreas da Usina Frei Caneca e arrematação da fazenda realizada em hasta pública. A luta segue.
OFENSIVA
O ataque do governo contra indígenas e camponeses
A participação exponencial do agronegócio na economia implica confronto direto com populações da terra, dos territórios, da natureza e das águas. No acesso ao território, os interesses do plantio de commodities e da geração de lucro do agronegócio se chocam diretamente com a necessidades da pequena agricultura familiar.
Por isso, a bancada ruralista está impondo uma agenda para a Câmara dos Deputados que dificulta a demarcação de terras indígenas (PL nº 490/2007), libera a mineração em territórios indígenas demarcados (PL nº 191/2020), regulariza e privatiza terras públicas federais (PL nº 2.633/2020). Trata-se de uma movimentação organizada contra direitos constitucionais de desconcentração de terras, garantias de territorialidade e preservação ambiental.
Terra para quem nela trabalha
Os camponeses em todo o Brasil reivindicam dos governos estaduais e federal a destinação das terras para o Programa Nacional de Reforma Agrária, que vem sendo desmontado em prol da concentração de terras e do agronegócio. Uma história que teve seu capítulo nos governos do PT, que trouxeram para o seu Ministério ruralistas como Roberto Rodrigues e a senadora Kátia Abreu.
Com Bolsonaro , o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi transformado em imobiliária para atender os interesses da grilagem de terras. O governo estimula a ação das milícias de fazendeiros e investe contra os movimentos sociais. Todos os processos de desapropriação foram suspensos e a Secretaria de Obtenção de Terras, extinta.
Apesar dos diferentes discursos, o governo Paulo Câmara, do PSB pernambucano, não é muito diferente. Fecha os olhos para diversas denúncias de agricultores contra a violência da polícia e da milícia armada do agronegócio.
ESTRATÉGIA
Lutar pela reforma agrária e pelo socialismo
A luta para garantir o amplo acesso à terra e território é pelo fim do capitalismo. E a tarefa imediata dos movimentos sociais é derrubar Bolsonaro e sua tropa de ruralistas. Mas não vamos conquistar nada com proposta de reformar esse sistema que promove a concentração de terras e a violência no campo. A grande propriedade fundiária está intimamente ligada aos negócios de toda a burguesia, dos capitalistas das cidades, estrangeiros e até com o sistema financeiro. Por isso, a luta pela terra se liga à necessidade de superar o capitalismo e construir uma sociedade socialista.
Reforma agrária radical sob controle dos trabalhadores. Demarcação das terras indígenas e quilombolas. Não ao Marco Temporal. Essas são as únicas reivindicações que podem garantir dignidade para as famílias de pequenos agricultores e fim da violência no campo.