Soraya Misleh, de São Paulo

Noventa e cinco por cento dos presos políticos palestinos enfrentam algum tipo de tortura no cárcere sionista. Essas denúncias não são de hoje. A recaptura de quatro dos seis palestinos que alcançaram a liberdade em 6 de setembro usando como armas colheres para cavar um túnel e escapar de Gilboa expõe ao mundo a barbárie do regime sionista a todo o povo e sobretudo aos lutadores pela liberdade. Desde o Brasil, é premente que as organizações solidárias ao povo palestino não silenciem.

Nesta semana, forte campanha tomou o twitter com a hashtag Zakariaisundertorture (Zakaria sob tortura). A ação tem denunciado que Zakaria al-Zubaidi, um dos quatro, fora transferido para o Rambon Hospital em Haifa, Palestina ocupada desde 1948, e estaria lutando pela vida na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Desde a recaptura, nem Cruz Vermelha, nem organizações palestinas de direitos humanos, família ou advogados puderam vê-los ou falar com eles.

Segundo os relatos, em 48 horas ininterruptas de interrogatórios, Zakaria foi submetido a eletrochoque, privação de sono e teve ossos quebrados. Os sionistas negam, mas não o apresentam às organizações. E se recusam a informar sobre as condições dos presos políticos.

A página Gaza Now no twitter informou que todos os quatro estão enfrentando tortura brutal. Mahmoud al-Ardah também estaria com a saúde deteriorada.

Depois da explosão de denúncias, Khaled Mahajna, advogado de Mohammed Al-Ardah, outro do grupo dos seis, pôde finalmente vê-lo. Confirmou que ele foi severamente espancado pela inteligência israelense, enfrentou privação de sono e não pôde fazer ablução para as orações islâmicas. “Eu vi meu país e estava olhando para minha mãe”, teria dito Mohammed sobre o breve período em liberdade, denotando a disposição reservada aos heróis palestinos, cuja bravura foi saudada pelos que vivem sob ocupação e na diáspora. Não à toa: revelaram ao mundo que os sionistas podem ser desafiados – e vencidos. Este é o sentimento que permanece, apesar da captura de quatro dos seis heróis, que teria sido possível mediante traição de colaboracionistas. Os quatro, segundo relatos, recusam-se a fornecer qualquer informação ao serviço de inteligência sionista – mesmo às custas de suas vidas.

A história de Zakaria

Zakaria al-Zubaidi nasceu em 1976 no campo de refugiados de Jenin, Palestina ocupada em 1967. Ele seguiu os passos do avô, Muhammad Jahjah, que escapou da prisão sionista de Shata na grande revolta carcerária de 1958, juntamente com 66 presos políticos palestinos. Segundo divulgado pela jornalista Amira Hass no jornal israelense Haaretz em 10 de setembro último, o detalhe teria sido lembrado por seu tio, Jamal Zubeidi.

Tanto Jahjah quanto o pai de Jamal foram expulsos de Qaysaria em 1948, durante a Nakba (catástrofe com a formação do Estado racista de Israel mediante limpeza étnica planejada). Jahjah se estabeleceu no campo de refugiados de Jenin, quando a Palestina ainda estava sob controle da Jordânia. Antes da ocupação militar israelense de 1967, teve que deixar sua terra rumo à Jordânia, onde passou a atuar na organização Fatah. Três anos depois, ao setembro negro, tornou-se deslocado mais uma vez, indo para a Síria e depois para a Alemanha, onde faleceu em um acidente de automóvel.

Sua filha Samira ficou em Jenin, onde se casou com o irmão de Jamal. Tiveram sete filhos, um deles Zakaria. Seu pai morreu de câncer após se recusar a receber tratamento em troca de informações à inteligência israelense.

Em 2002, durante o massacre israelense no campo de refugiados, Samira foi assassinada. Zakaria teve que enterrar a mãe e logo depois um irmão. A contínua Nakba o levou a seguir os passos do avô. Passou a liderar as Brigadas de Mártires de Al-Aqsa, ligadas à Fatah, em 1988, e seguia a propugnar pelo levante popular. Foi preso diversas vezes, por seguir na resistência contra a criminosa colonização sionista. Sobreviveu a quatro tentativas de assassinato pelas forças de ocupação.

A última prisão aconteceu em 2019, até, juntamente com os outros cinco prisioneiros – todos os demais da organização Jihad Islâmica –, alcançar sua liberdade na ação cinematográfica.

A invencibilidade de Israel foi definitivamente arranhada – e por nada menos do que colheres, aos olhos do mundo. Agora é hora de dar mais um passo rumo à derrocada do sionismo, ao expor também no Brasil sua cara feia de torturador, genocida, colonizador e racista.

A luta nos cárceres israelenses atinge novo patamar, com cerca de 1.400 palestinos ameaçam greve de fome. Ao todo, por volta de 5 mil estão presos por resistirem, entre os quais mais de 200 crianças e 40 mulheres. Do conjunto, em torno de 500 estão em detenção administrativa, a qual, sem qualquer acusação formal ou julgamento, é renovada periodicamente.

Colheres da resistência

Pelo simbolismo da ação dos seis, manifestantes ao redor do mundo têm levado a atos colheres. É o caso de protesto nos Estados Unidos organizado pelo Movimento da Juventude Palestina (PYM). Realizado no último dia 12 de setembro, como noticiado pelo portal Monitor do Oriente, despejou centenas de colheres em frente à Embaixada de Israel em Washington, exigindo liberdade a todos os presos políticos palestinos, além de sanções ao Estado sionista.

Agora é a vez de os brasileiros e palestinos em São Paulo levantarem suas colheres em ato público convocado para o próximo dia 18, no espaço aberto do Al Janiah, a partir das 16h. Além dessa casa palestina, a iniciativa é chamada pela Frente em Defesa do Povo Palestino, Samidoun Brasil – Rede de Solidariedade aos Prisioneiros Palestinos e AlKarama – Movimento de Mulheres Palestinas. Antes do ato público, no qual as organizações presentes poderão expressar sua solidariedade, será exibido o filme 3.000 Noites, do acervo do Instituto da Cultura Árabe (ICArabe), relativo ao tema.

O protesto marca ainda os 39 anos do massacre de Sabra e Chatila, quando foram assassinados brutalmente milhares de palestinos nesses campos no Líbano por milícias falangistas do país, conforme arquitetado em reunião com o então ministro da Defesa de Israel Ariel Sharon, não à toa apelidado de “carniceiro”.

Ao se somarem ao ato no próximo sábado, as organizações brasileiras e pessoas solidárias enviarão mensagem efusiva aos palestinos de que não estão sozinhos neste momento em que mais uma vez se levantam, a partir de Jenin, Gaza e dos cárceres sionistas, por justiça e liberdade.