Brasilia DF 04 01 2019 ministra de Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. .Valter Campanato/Ag. Brasil
Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

Érika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

Milhares de mulheres participaram nesta segunda-feira, 25 de novembro, de manifestações pelo dia internacional de luta contra a violência às mulheres. Em vários países como na Argentina, Colômbia, Chile, França, Portugal, Estado Espanhol e Bélgica, as manifestações foram multitudinárias. Em outros, como no Brasil, embora a intensidade das ações tenha sido menor, nem por isso foram menos importantes. Em São Paulo, por exemplo, o MML (Movimento Mulheres em Luta) e a CSP-Conlutas, organizaram, junto com ativistas de sindicatos e outros movimentos, como o Luta Popular, o Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal (Sintrajud-SP), Sindicato dos Servidores Federais (Sindsef-SP) e o Sindicato dos Metroviários de São Paulo, uma agitação na principal e mais movimentada estação de metrô da cidade, a Estação da Sé, além de uma roda de  conversa sobre violência, como parte do lançamento da campanha nacional contra a violência às mulheres. O PSTU apoiou e esteve presente nesse evento.

Porém, no mesmo dia em que as mulheres protestavam contra a violência e o machismo, a Ministra da Mulher, Damares Alves, convocou uma coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, mas, ao chegar ao local da entrevista, aparentando-se abalada, se calou e abandonou a coletiva sem responder às perguntas dos repórteres. Cerca de meia hora depois, a assessoria de imprensa da ministra informou que o episódio foi uma encenação. De acordo com a assessoria, o “objetivo era mostrar como o silêncio da mulher incomoda”. “Se uma mulher perde a voz, todas perdem”, afirmou a ministra.

Incômodo mesmo causou esse lamentável teatro de Damares, incômodo e indignação, aliás. Ocorre se que se aquela que deveria ser a porta-voz das mulheres no governo se cala diante da imprensa, a mensagem que passa é de que, nesse governo, as mulheres não têm voz ou mesmo vez. Pode-se objetar, evidentemente, que se tratou apenas de uma atuação para chamar a atenção para o tema da violência às mulheres já que pouco depois a ministra participou de evento no qual discursou energicamente por cerca de 20 minutos, defendeu o presidente, dizendo que seu governo é composto por mulheres, assegurando que este lhe deu carta-branca para o desenvolvimento de ações para a melhoria da situação da mulher na sociedade e falando sobre a campanha “Salve uma Mulher”.

Sim, pode-se objetar, mas a verdade é que a performance de Damares falou muito mais sobre esse governo e sua real falta de compromisso com as mulheres do que o discurso da ministra. Seu silêncio e consternação aparente são o retrato desse quase um ano de governo, onde prevaleceu o machismo e o ataque aos direitos das mulheres, frente às minguadas políticas de enfrentamento à violência.

A violência contra a mulher é um dos mais graves problemas sociais do Brasil. A cada 4 minutos uma mulher é vítima de espancamento, a cada 11 minutos um estupro é registrado. A violência física, sexual, psicológica, patrimonial, entre outras, têm sua máxima expressão no feminicídio. 13 mulheres são assassinadas por dia no Brasil, o país é o 5º que mais mata mulheres. A maioria absoluta dessas mortes e agressões ocorre dentro de casa e o autor é quase sempre um conhecido da vítima, um marido ou ex-marido, companheiro ou namorado, um pai ou irmão agressor. Trata-se, portanto, de um tema que tem por trás, além da vida de milhares de mulheres, uma complexa relação de opressão e machismo, a tal ponto naturalizados na sociedade e que envolve outras questões, culturais, relações de dependência emocional e/ou econômica, combinação de machismo e racismo, etc.

O Estado não pode simplesmente virar as costas para essa situação a que as mulheres estão submetidas, não pode agir como se essa fosse uma questão exclusivamente privada das pessoas, é fundamental desenvolver ações de prevenção à violência, atendimento às vítimas e seus filhos, responsabilização aos agressores, além de outras medidas que tenham como centro a promoção da igualdade e autonomia das mulheres. Essas ações devem ser pautadas, ademais, levando em consideração a combinação das múltiplas opressões e os setores mais vulneráveis da sociedade. Essa é uma das pautas centrais que emerge das manifestações e protestos de mulheres contra a violência machista: políticas públicas de enfrentamento à violência e de promoção da igualdade.

Ocorre que o sistema capitalista já demonstrou o seu fracasso em libertar as mulheres da opressão e da violência e garantir a igualdade de direitos. Esse sistema baseado na opressão e exploração condena as mulheres trabalhadoras, cada vez mais ao desemprego e a fome, à dupla jornada, a falta de creches e escolas para seus filhos, a permanecerem em relacionamentos abusivos por falta de condições financeiras de abandonar seus parceiros agressores, à morte ou sequelas por abortos clandestinos, e um longo etc. Mas no caso do governo Bolsonaro a situação é ainda mais grave, seu mandato tem sido marcado não apenas por uma completa falta de políticas para as mulheres e por enormes ataques aos direitos da classe que afetam de forma muito mais contundentes as mulheres trabalhadoras, mas sobretudo por um discurso de ódio aos setores oprimidos, de reforço ao machismo e banalização da violência, sendo que a ministra Damares Alves é uma peça chave e ao mesmo tempo expressão dessa política reacionária e ultraconservadora.

São inúmeras as “pérolas” de Bolsonaro e Damares. A ministra diz, por exemplo, que Bolsonaro tem um governo de mulheres, contudo são apenas 2 ministras num universo de 22 ministros, mas para o presidente está tudo bem, “tudo equilibrado”! Em outra declaração ele disse que ouve todos os ministros “até a Damares”! Também já fez apologia ao turismo sexual convidando “quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade”! E ofendeu Brigitte Macron por sua aparência, além de tantas outras polêmicas mais. Damares, por sua vez, não fica atrás, assumiu anunciando uma nova era onde “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”! Reforçando o estereótipo de gênero e declarando que as escolas vão ensinar que meninas e meninos não são iguais, pois elas são delicadas e, diferentes deles, não “aguentam apanhar”! Disse ainda que é a culpa das meninas do Marajó serem estupradas é delas mesmas por andarem sem calcinha! Elogiou a deputada Tabata Amaral dizendo que era linda e “só de você já estar aqui, não precisava nem abrir a boca”! E defendeu que para ela mulher tem que ser submissa ao homem, só para citar alguns exemplos.

E o mais grave é que, quando nos aprofundamos nas políticas de governo para as mulheres, vemos que a prática é condizente com o discurso. Damares disse que este governo tem dado sinais de que não vai permitir que a mulher seja vítima de violência como nos anos passados, mas o gasto federal com programas de combate a violência contra as mulheres foi praticamente nulo esse ano. Os valores reservados no orçamento de 2019 para o programa de promoção da autonomia e enfrentamento da violência contra a mulher, por exemplo, foram os menores desde que o programa foi criado em 2012 e seis vezes menores que 2015. Até agora, Damares não gastou um centavo com a Casa da Mulher Brasileira. Apesar do orçamento de mais de R$ 13 milhões, a ministra não desembolsou recursos para o programa de atendimento a mulheres vítimas de violência e sequer os repasses para manutenção, cuja verba reservada no orçamento era de 1,3 milhão de reais também não foram feitos.

Aliás, no início do mês, Bolsonaro publicou um decreto onde, além de excluir a palavra “gênero” dos projetos de combate violência contra mulher, também retira a obrigatoriedade do governo federal auxiliar técnica e financeiramente na manutenção das Casas da Mulher Brasileira. No primeiro semestre deste ano, Damares Alves, já havia afirmado que não daria continuidade às Casas por não ter recursos para investir. Para o orçamento de 2020 o governo cortou 43,2% das verbas destinadas aos direitos da cidadania, que engloba as políticas para mulheres, negros, indígenas e pessoas com deficiência. Ou seja, se já está ruim esse ano, no próximo a tendência é piorar.

Não por acaso os dados da violência contra a mulher explodiram, somente nos primeiros seis meses de 2019, o Ligue 180 recebeu 46.510 denúncias de violência, um aumento de mais de 10% em relação ao mesmo período do ano anterior, já os registros de feminicídios aumentaram 211%. Esse é o resultado direto da política de Bolsonaro para as mulheres da qual a ministra Damares é cumplice.

Não podemos compactuar com essa situação, é um fato que sem derrotar esse sistema capitalista decadente não há possibilidade de igualdade real para as mulheres, mas é um fato também que sob o governo Bolsonaro vai se aprofundando a barbárie e a violência contra as mulheres, nesse sentido é fundamental derrotar Bolsonaro e seu projeto, sendo que a luta contra a violência às mulheres e por direitos deve ser parte e estar a serviço disso também, mas ao mesmo tempo ela deve ser tomada por toda a classe trabalhadora, mulheres e homens e não apenas pelas mulheres. É nesse marco que se insere a campanha nacional contra a violência às mulheres, que o MML e a CSP-Conlutas estão desenvolvendo e da qual o PSTU é parte.

Basta de machismo e opressão! Pelo fim da violência e dos feminicídios! Derrotar Bolsonaro e seus ataques aos direitos dos trabalhadores e das mulheres trabalhadoras!