Imagens de violência no Rio de Janeiro chocaram o país no último dia 15. Não eram tiroteios, nem assassinatos. A selvageria vestia uniforme, na estação de trem de Madureira, no subúrbio. As cenas mostram um trem superlotado cujas portas não fechavam. Funcionários na plataforma empurram os passageiros para dentro.
Socos atingem quem está do lado de dentro. Distribuem chicotadas a esmo, como quem arruma o gado ou como quem arrasta escravos num navio negreiro. Um PM observa. O trem sai com as portas ainda abertas, carregando a revolta e a humilhação dos passageiros.

As imagens da TV Globo circularam pela internet. A SuperVia, concessionária de transporte ferroviário estadual informou que “os quatro agentes de controle que se excederam na plataforma da estação de Madureira hoje de manhã foram demitidos”.
A empresa procurou tratar o problema como se fosse um simples excesso dos quatro. Como se a empresa não fosse a verdadeira responsável pelos ataques. As agressões são comuns. “O trem é superlotado mesmo quando não tem greve. Esses vigias se sentem poderosos e acham que podem bater, fazer de tudo”, disse a faxineira Nair Lopes, 69, em entrevista à Folha de S. Paulo.

A empresa, porém, além de tratar como um caso isolado, não se contentou e atacou a população. O diretor de marketing da empresa, que deve ir de carro trabalhar, afirmou: “Quem segura as portas é marginal e num momento desses não dá para chegar nas pessoas e ‘por favor, o senhor gostaria de sair da porta?’”, numa tentativa boçal de defender as agressões. Na mesma entrevista, revelou que além de apanhar, os trabalhadores estão sendo presos. “Segurar as portas é crime e este ano já foram 200 para a cadeia”, afirmou.

O fato aconteceu em meio a uma greve, que havia começado dia 13. A principal reivindicação dos trabalhadores não foi salário. “O motivo da greve é a segurança dos trabalhadores ferroviários e dos próprios passageiros”, disse o presidente do Sindicatos dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Central do Brasil, Valmir Lemos.

A exibição dos ataques pela Rede Globo, em meio à greve, pode ter tido como objetivo desmoralizar o movimento dos trabalhadores e ocultar os problemas graves de segurança dos quais a empresa não fala. Passada a greve, o inferno nos trens desaparecerá da pauta da emissora do Jardim Botânico.

Condições subumanas
A nota divulgada pela Supervia é uma peça de sarcasmo. “Todos os agentes de controle são treinados para tratar com respeito e dignidade os passageiros”. É um cuspe na cara das cerca de 500 mil pessoas que embarcam nos trens da SuperVia diariamente. A maioria (65%) pertence à classe C, segundo pesquisa da própria empresa, e tem entre 25 e 44 anos. Pertencem à classe trabalhadora e são, em sua maior parte, negros e negras. É o açoite moderno.

As principais reclamações são de superlotação e atrasos. Mas há o tratamento dos seguranças e também são comuns os acidentes, como colisões de trens. Em 2007, um grave acidente deixou oito mortos e 111 feridos.

Não são só os fluminenses que sofrem com a péssima qualidade do transporte. Em São Paulo, no ano passado, passageiros foram presos ao protestar contra uma pane nos trens. Em São Paulo, também surge a figura do “empurrador”, funcionários que ficam na plataforma de luvas, garantindo o fechamento das portas, ainda sem a violência usada nos trens do Rio.

Reestatização
Em 1998, quando foi privatizada por US$ 280 milhões, menos do que valia, apenas US$ 30 milhões foram repassados ao Estado. O restante deveria ser investido. O que explica, então, que ainda hoje esses problemas aconteçam? Que o sistema nao dê conta de atender à população, obrigando-a a viajar em condições subumanas?
Nao deve ser por falta de dinheiro. A tarifa unitária de trem está custando R$ 2,45 no Rio. Isso dá uma receita de cerca de R$ 1,2 milhão por dia à empresa. Se considerarmos apenas 22 dias do mês, os dias úteis, a receita chega a R$ 26,4 milhões ao mês. Este cálculo é muito rebaixado. Nao estamos considerando os serviços de integração, de publicidade, de aluguéis, subsídios e nem os usuários de fim-de-semana.

Os problemas nos trens nao foram resolvidos nem a distância entre as partidas. Ao contrário, se agravaram. O único investimento que está sendo feito é nos bolsos de meia dúzia de empresários do consórcio SuperVia. O consórcio tem a concessão do transporte ferroviário até 2023, podendo renovar até 2058.
Não seria de se duvidar, inclusive, que os funcionários recebam treinamento para fazer caber gente de qualquer forma nos trens. É a lógica de “nenhum usuário a menos de lucro”.

As privatizações só trouxeram insegurança, aperto e atrasos para a vida dos trabalhadores. Para os empresários, lucros e mais lucros. Por isso, é preciso reestatizar, sem indenização e em todo o país, as empresas de transporte público. Só assim, sob controle dos trabalhadores, será possível ter um serviço de qualidade e barato.

Revolta na estação das barcas
Diego Cruz, da redação

No dia 8 de abril, cerca de duas mil pessoas presenciaram o colapso das barcas que ligam o Rio de Janeiro a Niterói e Paquetá. Longas filas se estendiam, fazendo com os passageiros tivessem de esperar até uma hora para embarcar. “Era isso ou aguentar até três horas no engarrafamento da ponte”, diz Pedro Leite, 26, que acompanhou o sufoco. Passageiros passaram mal.

“Pula, Pula”, começou o coro perto das catracas. A revolta começou. “Lá de fora, vi um banco de madeira sendo arrancado e voando pelo ar”, conta Pedro. O banco, assim como pedras e objetos, foi lançado contra o vidro que separa a área de embarque e que só é aberto quando uma embarcação está pronta para sair.

As catracas foram bloqueadas, e a população espremida invadiu o terminal. Uma barca que chegava com passageiros de Niterói simplesmente não atracou. A PM interveio com violência, jogando spray de pimenta e lançando cachorros contra a população. Diante da repressão, os manifestantes protestaram: “a PM é a vergonha do Brasil”.

Privatização no centro do problema
Milhares de pessoas passam pelas barcas diariamente. Administrada pela concessionária privada Barcas S/A, o serviço está cada vez mais precário. As vítimas desse sistema privatizado são, como sempre, os trabalhadores.

As promessas realizadas na época da privatização não foram cumpridas. A barca da madrugada foi interrompida por vários anos. Retornou com um intervalo maior e foi interrompida novamente, substituída pelos ônibus.
Os trabalhadores são obrigados a se submeter diariamente às precárias condições do transporte ao trabalho, uma espécie de navio negreiro moderno.

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