O Supremo Tribunal Federal (STF) vai retomar o julgamento do Marco Temporal no dia 20 de setembro. O julgamento foi suspenso no último dia 31 após, depois o plenário alcançar placar de 4 votos a 2 contra a tese. Os ministros bolsonaristas Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor.

A tese do Marco Temporal é defendida por grandes proprietários de terras, grileiros e empresários do agronegócio. Consiste na ideia de que os povos tradicionais só têm direito a territórios já ocupados até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Uma farsa a serviço do agro

Quem conhece um tiquinho da História do Brasil sabe que a tese do Marco Temporal é uma farsa. Muitos indígenas, de fato, não ocupavam o seu território ancestral na data da promulgação da Constituição, e a razão para isso é bastante óbvia: em 1988, os indígenas há muito já haviam sido expulsos e impedidos de estarem em suas terras. Impedidos por jagunços armados por latifundiários ou mesmo pelas “autoridades” do Estado brasileiro, que simplesmente removeram os indígenas de terras cobiçadas pelos fazendeiros.

A aprovação do Marco Temporal vai representar o maior ataque aos direitos constitucionais indígenas em nossa história recente. Vai legitimar as invasões, as expulsões e a violência que vitimam os povos indígenas. Vai representar um novo ciclo de genocídio indígena.

Tese avança no Senado

Ao mesmo tempo, no Congresso o Marco Temporal avança empurrado pela Bancada Ruralista e com pouca resistência do governo Lula. Basta lembrar que, na Câmara dos Deputados, o projeto recebeu 99 votos favoráveis de deputados de partidos que ocupam ministérios no atual governo. Dentre eles, parlamentares do MDB, União Brasil, PSB, PSD e PDT.

No Senado, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) aprovou um projeto de lei (PL 2.903/2023) e vai agora para análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). O texto proíbe a ampliação das terras indígenas já demarcadas e declara nulas as demarcações que não atendam aos seus preceitos. Também estabelece novas regras para dificultar a demarcação de terras indígenas, dentre elas a suspeição (ou seja, questionamento legal da “imparcialidade”) dos antropólogos, peritos e especialistas que atuarem no procedimento.

O PL prevê, ainda, a exploração econômica das terras indígenas (inclusive a mineração) e autoriza a União a utilizar as terras indígenas para a instalação de bases militares, construção de rodovias, instalação de redes de comunicação etc., sem que seja necessário consultar a comunidade ocupante ou os órgãos indigenistas – uma clara violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Por fim, o libera o cultivo de organismos transgênicos em terras indígenas.

Atenção!

‘Solução’ de Alexandre de Moraes é armadilha

As organizações dos movimentos indígenas alertam corretamente para uma armadilha que está sendo preparada. Trata-se da solução articulada por Alexandre de Moraes, que votou contra o Marco Temporal, mas apresentou uma “tese meio termo’’, na qual supõe a existência de proprietários rurais de “boa fé”.

Através desta manobra, o magistrado defendeu a garantia do direito de indenização integral às pessoas que possuem títulos de propriedades em terras indígenas, em caso de desapropriação.

Na prática, essa tese é um golpe contra os direitos constitucionais indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional. A indenização aos supostos proprietários de terras desconsidera totalmente o processo de grilagem. Os títulos de propriedade são uma ficção criada por muitos ruralistas, pois a maioria dos invasores de terras consegue apresentar uma certidão fraudulenta de propriedade da terra registrada em algum cartório oficial.

No Brasil ruralista, o que vigora são as ações de verdadeiras máfias de fraude cartorial, que envolvem funcionários corruptos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), donos de cartórios, políticos, juízes e autoridades de distintas esferas. A indenização seria um prêmio para aqueles que foram responsáveis pela expulsão dos indígenas de seus territórios.

Por outro lado, a proposta de Moraes inviabiliza a demarcação dos territórios indígenas, pelo custo dos pagamentos das indenizações e por tornar o processo ainda mais lento e complexo. Um exemplo concreto ocorre com a titulação dos territórios quilombolas, em tese assegurada pela Constituição. Segundo a legislação, a titulação dos territórios quilombolas prevê a indenização, o que contribui para o fato de que apenas 5% dos quilombolas vivam em territórios demarcados, segundo o censo do IBGE de 2023.

São Paulo (SP), 30/05/2023 – Interdição da rodovia Bandeirantes pelos indígenas do Jaraguá contra a PL 490 do marco temporal. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Nosso marco é ancestral

Direitos indígenas não são moeda de troca!

A proposta de Alexandre de Moraes é favorável aos interesses dos grandes proprietários rurais. Não por acaso, o agro aplaude Moraes e ensaia a estratégia de impulsionar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para garantir as indenizações e outras medidas em favor dos ruralistas.

Embora Lula se coloque contra a tese, seu governo, na prática, vem rifando os direitos indígenas em negociações com Arthur Lira, o Centrão e a Bancada Ruralista. É preciso pressionar e exigir que o governo Lula efetivamente combata o Marco Temporal e pare de rifar os direitos dos povos indígenas.

Não se pode depositar confiança alguma no poder judiciário e no governo. Ao movimento indígena só resta confiar nas suas próprias forças, na mobilização e na aliança com os demais setores oprimidos e com a classe trabalhadora, para derrotar o Marco Temporal, assegurando seus direitos conquistados com muita luta e sangue.