Brasília (DF) - Protestos de Junho de 2013, dez anos depois. Manifestações em Brasília (DF). - Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Júlio Anselmo

Há uma visão amplamente divulgada, principalmente pelo PT, mas também repercutida por parte da grande imprensa, que atribui a responsabilidade por toda a crise política pós-2013 no Brasil ao Junho de 2013, incluindo a ascensão de Bolsonaro e do movimento de ultradireita. Jornalistas ligados ao PT, como Joaquim de Carvalho, do Brasil 247, chegaram a afirmar que “junho de 2013 foi um evento que desgraçou o Brasil”.

É incorreto afirmar que as jornadas de junho de 2013 foram a causa única que explica todos os eventos subsequentes, incluindo a ascensão do bolsonarismo, como sintetizado por Júlia Dualibi, do portal G1: talvez, se não tivesse acontecido junho de 2013, não tivesse acontecido a tentativa [de golpe de 8 de janeiro de 2023]”.

Afinal, poderíamos estender isso indefinidamente no tempo sem que isso explicasse coisa alguma. Poderia ser dito que, se não tivesse acontecido as Diretas Já, também não aconteceria 8 de janeiro de 2023 ou alargar ainda mais no tempo até a proclamação da República, e assim por diante. Entraríamos em uma regressão infinita que não explicaria nada.

Essa relação simplista, de causa e consequência, não consegue explicar a realidade. É inegável que o Junho de 2013 possui uma conexão com os eventos políticos e sociais que ocorreram no país nos últimos dez anos. No entanto, o verdadeiro desafio da análise reside em identificar, de forma precisa, qual o conteúdo da relação entre o Junho de 2013 e os eventos subsequentes. Mas, para isso, é preciso investigar os fatos e o que os atores políticos e sociais fizeram antes, durante e depois de junho de 2013.

O país de um futuro que nunca chegou

O que explodiu em junho de 2013 foi a indignação diante de um “país do futuro” que nunca chegou. O Brasil cresceu, mas foi para baixo. Desenvolveu-se relativamente, mas aumentando sua dependência. Cresceu no plano econômico, mas se desindustrializando.  Desde a Constituição de 1988, o país se redemocratizou, mas manteve o capitalismo e o poder da burguesia.

Mais de trinta anos se passaram desde a queda da ditadura. Nesse período, governos se alternaram, uns mais de direita, outros mais de esquerda. Mas onde foi parar o país? O que vimos foi o aprofundamento da decadência econômica, social e também política.

A democracia dos ricos da Nova República, que já era limitada, foi aos poucos se tornando cada vez mais antidemocrática. A brutalidade policial, a corrupção e a política do toma-lá-dá-cá não pararam de crescer. O controle do poder econômico sobre os parlamentares e os políticos da ordem ditou as regras do jogo.

O fim da ditadura foi uma conquista, mas, ao longo de três décadas, mostrou-se bastante insuficiente para mudar o país, pois a estrutura capitalista se manteve, alimentando a desigualdade; o racismo; o genocídio negro, quilombola e indígena; a violência; o preconceito; o machismo; a lgbtifobia e  a precariedade da vida dos trabalhadores.

Por isso, com o Junho de 2013, foi colocado em xeque não apenas o PT, que estava no governo federal, mas todos os partidos da ordem que surgiram após a redemocratização e toda a estrutura política montada desde então.

E o PT?

O que os governos do PT fizeram diante das mobilizações de junho?

O PT foi pego de surpresa e ficou atônito. Fernando Haddad, então prefeito de São Paulo, resistiu até mesmo em atender a reivindicação de cancelar o aumento de R$ 0,20 nas tarifas. Mas o problema era maior que isso.

O PT, que nasceu das lutas operárias dos anos 1980, chegou em 2013 como administrador dos negócios da burguesia: banqueiros, ruralistas e empreiteiras.

Inteiramente dependente do Estado burguês, serviu ao propósito tanto de estabilizar o regime democrático burguês quanto de endossar o projeto econômico de mero exportador de commodities (matérias-primas) relegado pelo imperialismo.

Foi um dos agentes do retrocesso da base produtiva do país. Aceitou uma localização rebaixada na divisão mundial do trabalho imposta pelo imperialismo. Desnacionalizou, privatizou e desindustrializou o país. Os ricos, sócios do imperialismo, ficaram mais ricos.

Enquanto a economia crescia, os mais pobres tiveram algumas concessões. Mas num nivelamento por baixo, sem jamais tocar na desigualdade de forma efetiva.

Se não bastasse, pisoteou bandeiras históricas dos movimentos negro, LGBTI+ e de mulheres, seja através de concessões pífias, seja promovendo ataques diretos, como as leis Antiterror e Antidrogas, que intensificaram o encarceramento e o genocídio da juventude negra ou as alianças com setores fundamentalistas religiosos e conservadores, que resultaram no abandono de medidas efetivas contra a lgbtifobia, a negação do direito ao aborto e o aumento do feminicídio.

Tudo isso acumulou uma série de descontentamento entre os trabalhadores e em uma juventude mais escolarizada que seus pais, mas que recebe menos e não tem nenhuma perspectiva de um futuro melhor.

Desculpas

Como justificativa para sua política capitalista, o PT sempre usou o problema da falta de correlação de forças. Ou seja, não teriam força social para implementar as mudanças em defesa dos trabalhadores e trabalhadoras que diziam defender.

Assim, estariam justificadas sua política destinada a “garantir a governabilidade” e a defesa das “medidas possíveis” dentro dos limites do capitalismo. Por isso, seu projeto se limitou a coisas como apoiar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) da burguesia, ao mesmo tempo que promovia o Bolsa Família, um neoliberalismo com renda mínima.

Contudo, não há maior capacidade de se impor uma correlação de forças favorável aos trabalhadores do que uma mobilização social que colocou milhões nas ruas, pondo todo o país de ponta-cabeça. Essa foi a possibilidade aberta pelo Junho de 2013.

As pautas e as reivindicações poderiam ser difusas no início. Mas logo foram ficando mais nítidas, assim como foi se revelando a insatisfação popular como pano de fundo de tudo aquilo.

Sem choque com o capital

Eis que diante das talvez maiores manifestações da nossa História, o que fez o PT? Enfrentou as manifestações em defesa dos capitalistas. Não deu um passo na direção da garantia dos direitos sociais e dos serviços públicos de qualidade que estavam sendo cobrados na rua.

Assumiu essa postura porque isso se chocaria com os interesses capitalistas. O problema não era falta de correlação de forças, mas sim o programa do PT, forjado para atender à burguesia e não aos anseios do povo.

Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, em 1º/6/2023, Jilmar Tatto, deputado do PT, disse que as manifestações representaram um divisor de águas histórico porque tudo aquilo motivou o processo político que culminou com a queda de Dilma”.

O que ele não disse foi que, no calor das manifestações de 2013 e 2014, para ser reeleita, a presidente Dilma teve que fazer um discurso mais à esquerda, contra Aécio Neves e o neoliberalismo, prometendo que jamais atacaria os direitos dos trabalhadores.

Contudo, após vencer as eleições, Dilma cometeu um estelionato eleitoral contra os trabalhadores e a juventude para, mais uma vez, atender às exigências do mercado. Ou seja, dos capitalistas de sempre.

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