Júlio Anselmo
Na entrevista ao Estadão de 1º de junho, Tatto expressou a opinião do PT ao dizer que junho de 2013 “foi o ovo da serpente, mas infelizmente uma parte do PT, do PSOL e do PSTU não viu o que ocorria e foi engolida pela extrema direita radical”.
Mas os fatos não são esses. Quem estava aliado à direita antes, durante e logo depois dos eventos de junho era o PT, e não o PSTU. Quem esteve com a ultradireita radical em junho de 2013 foi quem chamou a polícia para reprimir as manifestações.
Era o PT que estava aliado ao “centrão”, aos ruralistas do agronegócio, aos fundamentalistas religiosos e ao esgoto da política brasileira. Todos compunham a base aliada do seu governo. Não o PSTU. Até mesmo Bolsonaro, na época no PP, era da base aliada de Lula, assim como várias figuras da ultradireita de hoje.
Ultradireita foi reação a 2013
Os representantes do que viria a ser parte da ultradireita em 2018 não estavam nas ruas, não convocaram manifestações. Na verdade, faziam coro com todos os governos, exigindo ordem, prisão e repressão da polícia. O bolsonarismo é uma reação contra o Junho de 2013, contra tudo que aquilo significava. Não a favor.
Foram e são uma reação diante de uma explosão social. São expressões, pela direita, do esgotamento da Nova República. Por isso, retomaram o projeto de ditadura e clamaram por autoritarismo. São expressões de que a democracia burguesa brasileira não conseguiu nem sequer enterrar o entulho autoritário militarista da ditadura.
A nova direita neoliberal do Movimento Brasil Livre (MBL) e demais movimentos de direita pró-impeachment, assim como a Lava Jato, tampouco estiveram ou tinham ligações com as Jornadas de Junho.
Brotaram em um momento posterior, quando o que se expressava no país já não eram apenas os ventos das manifestações progressivas de 2013, mas também o hálito quente do reacionarismo, que começava a se alvoroçar perante a crise, a divisão e a disputa entre as frações burguesas, frente à crise econômica e ao desgaste da popularidade de Dilma.
Quem gestou o ovo da serpente?
Junho de 2013 não chocou o ovo da serpente da ultradireita. Ele foi gestado por anos de neoliberalismo, recolonização do país e desgaste do regime da Nova República. E teve grande contribuição dos governos do PT.
A decadência do país permitiu que esses setores, que estavam escondidos na vida política nacional, saíssem novamente à luz. Mesmo assim, o bolsonarismo só se tornou viável depois de, mais uma vez, o PT e as organizações que influencia traírem a continuidade da greve geral realizada em 2017, negando-se a derrotar Temer e suas reformas, apostando tudo nas eleições.
10 anos depois
Os desafios face ao governo Lula-Alckmin-Centrão e a oposição de ultradireita
Se alguma coisa foi comprovada nestes dez anos é que a polarização política e social no país é real. Muitos liberais ou setores que se dizem democratas concordam que o Junho de 2013 abriu uma ferida ainda não cicatrizada. Fazem isso meio que clamando pelo fim da polarização política, como se esse fosse um problema que depende meramente da vontade dos atores políticos.
As disputas políticas e as explosões sociais evidenciam uma realidade oculta na sociedade capitalista. Os interesses contraditórios das diferentes classes sociais emergem à medida em que os trabalhadores lutam por condições dignas de vida, enquanto a burguesia busca maximizar a exploração e a opressão, ao mesmo tempo que também disputa e compete entre si para obter a maior parcela dos lucros extraídos do trabalho árduo da classe trabalhadora ou por meio da exploração dos recursos do país.
Novo governo mantém os trabalhadores a reboque da burguesia
O PT voltou ao governo depois de Bolsonaro praticar ultraliberalismo e ameaçar com um regime autoritário. A mesma burguesia que agora apoiou Lula apoiou Bolsonaro lá atrás.
Mas Lula voltou à Presidência fazendo quase tudo do mesmo jeito. Está aprofundando sua aliança com a direita e a burguesia, a adaptação ao sistema capitalista, o reforço das instituições e a subserviência ao imperialismo.
O governo de colaboração de classes do PT mantém os trabalhadores desmobilizados, a reboque de um projeto e de um setor burguês composto por banqueiros, empresários e parte do agro, como demonstra o arcabouço fiscal recém-aprovado. Assim, cumpre o papel de aprofundar o próprio capitalismo de onde brota a ultradireita.
O problema da polarização é que, para ela acabar, algum lado tem que vencer. Acontece que a verdadeira polarização social, antagônica, não é entre o campo do governo Lula-Alckmin-Centrão, por um lado, versus o bolsonarismo por outro.
Trabalhadores precisam construir uma alternativa
Os diferentes setores burgueses disputam entre si, mas no fundamental possuem um acordo: explorar o restante da população e os setores oprimidos. Assim, a polarização aparece distorcida, pois todas as opções postas no tabuleiro atendem aos interesses da mesma classe social.
Os trabalhadores e trabalhadoras têm a necessidade fundamental de construírem uma alternativa oposta ao governo do PT e à ultradireita. Mas, para essa reorganização, pela esquerda, é preciso superar o PT e toda esquerda acomodada à ordem, ao sistema e às alianças com os capitalistas.
Além disso, a capitulação do PSOL ao governo do PT apenas reafirma que não há nada de novo surgindo nesse front. Na verdade, as ações do PT e do PSOL comprovam que essas organizações estão distantes do que os trabalhadores realmente precisam para enfrentar a polarização política, derrotar a burguesia e a ultradireita.
Retomar Junho contra os capitalistas
No capítulo 8 de A história da Revolução Russa, Trotsky, analisando a revolução de fevereiro de 1917, que iniciou o processo revolucionário, ecoou uma pergunta que muitos se faziam: quem dirigiu aquela revolução que parecia não ser dirigida por ninguém? E sua resposta foi categórica: “os operários de vanguarda, educados pelo Partido Bolchevique de Lênin nos anos anteriores”.
Hoje, perguntamos o mesmo: quem dirigiu o Junho de 2013? Poderíamos responder que foi a vanguarda da juventude trabalhadora, com empregos precários, deseducada para a luta política pelo partido do Lula.
Esse papel nefasto cumprido pelo PT há muito ajuda o capitalismo e também a ultradireita, à medida que mina a consciência e independência de classe, desmoraliza a classe trabalhadora, suas lutas e sua organização.
Muitos podem se perguntar o que sobrou do Junho de 2013. A explosão e a luta cega foram as primeiras formas de busca pela consciência política. Apesar das limitações desse processo, foi o ponto inicial para superar e romper com as expectativas e ilusões que a maioria da classe trabalhadora e da juventude depositava no projeto capitalista do PT.
Hoje, precisamos extrair lições dessa experiência histórica, especialmente diante do novo governo, a fim de elevar a luta dos trabalhadores a um novo patamar.
Superar o PT…
No entanto, é lamentável observar que a maioria da antiga oposição de esquerda, como o PSOL, chegou a uma conclusão equivocada. Concluíram que é preciso apoiar o novo governo Lula, defender suas medidas, ou seja, tomaram o lado de um dos campos burgueses da polarização.
Essa política aprofunda os erros do período anterior. Apoiar o governo dificulta a construção de uma alternativa dos trabalhadores, revolucionária e socialista, que supere o PT.
Essa é uma necessidade fundamental se quisermos de fato mudar o país no sentido da libertação da classe trabalhadora. Sem isso, estaremos desarmados até mesmo para enfrentar a ultradireita, que segue à espreita.
…para superar o sistema capitalista
Durante a última década, os trabalhadores e os jovens proporcionaram inúmeras demonstrações de suas aspirações. Houve greves, lutas, ocupações e mobilizações que evidenciaram que a disposição para a luta nunca foi um obstáculo.
No entanto, o problema reside na maneira como as principais organizações de esquerda lidaram com essas manifestações. Elas tendiam a canalizar essas energias para dentro do sistema e das estruturas institucionais, restringindo e moldando a luta dentro dos limites do capitalismo. Isso acabou sufocando e restringindo o potencial transformador dessas ações.
Diante do governo burguês do PT e dos perigos da ultradireita, os trabalhadores e trabalhadoras podem e devem retomar as grandes mobilizações. Este é o principal fermento para a possibilidade de construir uma alternativa revolucionária e socialista, independente dos dois campos burgueses que expressam a atual polarização política.
Oposição de esquerda
É preciso retomar o Junho contra os capitalistas e ruralistas, em defesa do meio ambiente e dos direitos dos trabalhadores, da juventude e dos setores oprimidos pelo racismo, pelo machismo, pela lgbtifobia e pela xenofobia.
É necessário apostar tudo na luta e na auto-organização do nosso povo, construindo uma oposição de esquerda ao governo do PT, que também enfrente a oposição de ultradireita para derrotá-la de vez. Fortalecendo um projeto que resolva a crise causada pela dominação capitalista e comece a construir uma sociedade socialista.