UERJ, portão 5. Imagem: reprodução/Google Street View

De acordo com matéria publicada no UOL, onze secretarias ou órgãos do governo transferiram, só em 2022, R$593 milhões para projetos sem transparência na UERJ, sem que haja dados nítidos disponíveis ao público sobre quem são as pessoas que recebem nem o valor atualizado das remunerações. Parte desse dinheiro teria sido utilizado para pagamentos em dinheiro na boca do caixa, e um desses projetos, o “Observatório Social da Operação Segurança Presente”, contratou várias pessoas ligadas ao deputado estadual Rodrigo Bacellar (PL), ex-secretário de governo do Estado, cujo reduto é em Campos dos Goytacazes, no norte do Estado.

Em um estado em que quase todos os ex-governadores vivos estão ou estiveram presos, essa parece uma notícia banal. Não é a primeira nem a segunda vez que o próprio Castro se vê às voltas com esse tipo de denúncia. A própria conversão dele, de vice-governador desconhecido de um aventureiro que ninguém previa ser eleito em 2018 para um governador bem-relacionado e um dos favoritos à reeleição em 2022, se deu exatamente porque Wilson Witzel acabou deposto após ser delatado por seu secretário de saúde, Edmar José Alves dos Santos, ex-diretor do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), preso acusado de desviar dinheiro de aparelhos de respiração mecânica em plena pandemia. Depois de Witzel, Pezão, Cabral, Garotinho e Rosinha Garotinho, Castro parece ser apenas mais um no ciclo de governantes corruptos do Rio.

A universidade é das mais renomadas do país e geralmente tem seu nome associado ao ensino, pesquisa e extensão de altíssima qualidade; às cotas raciais, ações afirmativas tão bem-sucedidas (ainda que limitadas e incapazes de impedir casos de racismo dentro da própria universidade) que foram seguidas depois por boa parte das demais instituições de ensino superior do país; a um complexo de saúde que inclui o já citado HUPE e a Policlínica Piquet Carneiro, responsáveis por milhares de atendimentos e referências do SUS para coisas tão diversas como transplante renal, processo transexualizador, cirurgias de câncer de próstata e como linha de frente no combate à pandemia de Covid-19.

Muitos alunos e trabalhadores da UERJ têm orgulho de desenvolver atividades na universidade. Se confirmadas, as informações na matéria serão uma mancha no nome da instituição, por pessoas e políticos que estão na contramão da história e missão dessa importante instituição.

No entanto, para vários membros da comunidade da UERJ, nada disso é exatamente novidade: muitas coisas alegadas na matéria já foram questionadas e denunciadas muitas vezes e de forma bastante aberta dentro da instituição, por mais que o governo Castro e as reitorias se fizessem de desentendidos.

Terceirização disfarçada e precarização do trabalho:

Talvez o aspecto mais gritante disso, e que não é mencionado na matéria do UOL, seja o uso dessas verbas para terceirizar disfarçadamente parte da universidade, especialmente no complexo de saúde. Desde cerca de 2010, qualquer pessoa que tenha frequentado um pouco o HUPE, a PPC, ou o recém-inaugurado Hospital Universitário Reitor Hesio Cordeiro (HURHC), que a UERJ recentemente inaugurou em Cabo Frio, sabe que há neles uma quantidade gigantesca de “projetos”: trabalhadores precários contratados muitas vezes sem processo seletivo público e considerados “bolsistas”, que ganham muito menos que servidores e que nem assinam um contrato que prove seu vínculo, podendo ser dispensados a qualquer momento sem justificativa nem indenização.

Os “projetos” frequentemente são a maioria da equipe de setores inteiros. Embora não tenham contracheque, o pagamento que recebem tem descontado um valor que supostamente é para o INSS; ao conferir, no entanto, esses trabalhadores descobrem que nada foi de fato transferido para a Previdência. É comum que os “projetos” fiquem às vezes meses sem pagamento, sem nenhuma explicação – e isso é muito frequente no início do ano, em que geralmente demora três meses para os salários serem pagos. E exatamente como os cargos fantasmas da CEPERJ, esses trabalhadores não têm seus nomes publicados no Diário Oficial e geralmente não aparecem em buscas no SEI (Sistema Eletrônico de Informações) após 2021; no entanto, a maioria deles não são funcionários fantasmas, mas estão muito presentes e são essenciais para o funcionamento dos serviços. Alguns poucos “projetos”, “coincidentemente” os que recebem os mais altos salários, são pessoas que já são servidores da casa (geralmente chefes e assessores) e acumulam os dois rendimentos, sendo responsáveis no papel às vezes pela coordenação de mais quatro ou cinco setores além de sua jornada como servidores – o que provoca suspeitas por parte de muitos de que na verdade seriam funcionários fantasmas nesses setores.

Isso já é grave, mas fica pior, porque a UERJ tem concursos abertos com largos bancos de aprovados para muitas vagas que são ocupadas pelos “projetos”. Há bancos para enfermagem, laboratório, biólogos, administrativos, várias especialidades médicas, entre outros, e uma quantidade incontável de vacâncias para serem preenchidas, pois, mesmo com os “projetos”, ainda falta mão de obra para atender às necessidades dos pacientes e estudantes. Porque é que a reitoria da universidade não convoca esses concursados, com salários dignos e mais direitos?

Distribuição de privilégios, acobertamento de assédio e recompensa por corrupção

Fica ainda mais estranho quando se olham os nomes dos servidores que coordenam vários desses “projetos”. Um bom exemplo é o próprio Observatório Social da Operação Segurança Presente. Além dos indicados pelo deputado Bacellar já apontados pelo UOL, uma rápida olhada nos nomes dos supervisores e coordenadores mostra várias figuras familiares a quem transita na UERJ. Um é Bruno Garcia Redondo, advogado da “Procuradoria” da UERJ que acumula também os cargos de chefe de gabinete da reitoria e “Coordenador de Relações Institucionais” do Observatório. Os advogados da “Procuradoria” são famosos na universidade por receber como gratificação uma “verba de representação” atualmente fixada em 255% de seu próprio salário, assunto muito polêmico na universidade.

São famosos também por serem responsáveis por inquéritos disciplinares contra poderosos que nunca punem ninguém, como o contra o já mencionado ex-secretário Edmar Santos, professor do Departamento de Cirurgia Geral da UERJ, que, mesmo sendo corrupto confesso, não sofreu nenhuma punição da universidade e voltou a dar aulas normalmente na Faculdade de Ciências Médicas. As empresas terceirizadas Verde, de limpeza, e Magna, de segurança, que Edmar admitiu que lhe pagavam propina ainda antes de se tornar secretário de Witzel, quando era diretor do HUPE, também continuam desenvolvendo suas atividades na universidade normalmente.

Outro nome notório no Observatório do Segurança Presente é o de Oswaldo Munteal Filho, professor do departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e diretor do Sintuperj (Sindicato dos Trabalhadores em Universidades Públicas do Estado do Rio de Janeiro). Oswaldo, que aparece no Observatório tanto como “Coordenador Geral do Projeto” quanto como “Coordenador Acadêmico do Projeto”, foi transferido para a Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PR-3) em agosto de 2021. Isso ocorreu após o coletivo “Por Todas As Outras” lançar uma nota denunciando que Oswaldo teria como costume uma série de atitudes profundamente machistas e desrespeitosas, que inclusive poderiam ser tipificadas como assédio moral e sexual, contra dezenas de alunas, professoras e funcionárias, há mais de 25 anos, fato não apurado pela reitoria.

A relação entre a expansão da UERJ e a aliança informal entre o PT e Castro

No final do ano passado, publicamos uma matéria de Cyro Garcia sobre a expansão súbita que a UERJ estava tendo, com, entre outras coisas, a criação de um hospital universitário acompanhado de graduações em Cabo Frio, um polo em Maricá, um novo campus no bairro periférico do Vaz Lobo, e a incorporação da antiga Universidade Estadual da Zona Oeste (UEZO). O texto afirmava que todas essas notícias eram muito positivas, mas abria uma série de questões bastante incômodas, para o debate, como quais seriam as condições de funcionamento nessa expansão, de onde estaria vindo esse dinheiro, e por que é que o então reitor da UERJ, Ricardo Lodi, era acompanhado com tanta frequência no anúncio dessas unidades pelo governador Castro e pelo o presidente da ALERJ, André Ceciliano (PT).

Passado quase um ano, algumas das respostas se tornam evidentes. O hospital de Cabo Frio demorou meses para começar a funcionar e, quando isso aconteceu, foi oferecendo uma quantidade muito menor e diferente de atendimentos do que divulgado na inauguração por Castro – e os trabalhadores são quase todos “projetos”. A UEZO foi de fato incorporada, mas segue com o mesmo funcionamento precário de antes. As unidades de Maricá e Vaz Lobo, assim como as parcerias com Itaguaí e Volta Redonda, não saíram do papel.

O que saiu, sim, do papel, foi a candidatura de Lodi a deputado federal pelo PT. Com a Concha Acústica lotada para um evento oficial da universidade intitulado “Encontro Internacional Democracia e Igualdade”, Lodi anuncia sua renúncia para disputar a eleição para o Congresso. “Coincidentemente”, alguns dos vários participantes do encontro eram Cláudio Castro, Lula, Dilma e André Ceciliano. E agora, com a reportagem do UOL denunciando o uso por parte de Castro da UERJ para fazer campanha eleitoral, rachadinha e contratar funcionários fantasmas, cada vez mais fica mais clara que a anunciada expansão da UERJ, com superexploração de trabalhadores precarizados, distribuição de privilégios e acobertamento de pessoas denunciadas por corrupção e assédio, foi usada como plataforma eleitoral para reeleger um dos governadores mais violentos da história do Estado, com a anuência de dirigentes de um partido que se diz de esquerda e dos trabalhadores.

A nota lançada pela UERJ, da mesma forma que a da Fundação CEPERJ, não responde nada. Onde estão os nomes e os valores de remuneração dos “projetos”? Quanto ganha cada coordenador do Observatório e dos demais “projetos”? Por que esses dados seguem sendo ocultados e omitidos do Portal da “Transparência” da UERJ? Por que é que quatro assessores de um ex-secretário de Castro receberam ao menos R$ 205 mil em 2021? A cúpula da UERJ tem algo a esconder?

Defendemos a abertura de todos os livros da UERJ, e dos demais órgãos do Estado, para fiscalização, não apenas de órgãos como o Ministério Público, mas também de seus trabalhadores, estudantes e toda a população!

Exigimos, se confirmadas as suspeitas, punição para corruptos e também corruptores, inclusive com prisão, perda do cargo, e devolução do dinheiro desviado. Todo o pessoal “fantasma”, que não exerça realmente atividades na universidade, deve ser demitido e deve devolver o dinheiro recebido, mas os trabalhadores ultra precários de “projetos” que estão de fato atuando como terceirizados clandestinos precisam não apenas ter seus empregos protegidos, como ter reconhecidos e pagos os direitos que a lei exige para qualquer trabalhador. Defendemos o fim das contratações precárias e a convocação em massa dos aprovados em concursos, assim como a abertura de novos concursos para preencher as necessidades do quadro.

Para não haver dúvidas: a UERJ é um patrimônio científico e cultural do Estado do Rio e do Brasil, e não pode ser maculada pelas sujeiras desses corruptos e sugadores do dinheiro público. Da mesma forma, seus trabalhadores técnico-administrativos e docentes, que honestamente constroem a universidade e suas políticas públicas, não podem ser confundidos com aqueles que a utilizam para fins suspeitos e privados. Chega de uso político escuso da UERJ!