Didier Dominique, sindicalista haitiano e integrante da organização Batay Ouvriye, participou do 2º Congresso Nacional da Conlutas durante os dias 3 e 4 de Junho, em Santos (SP). Em entrevista ao site da Conlutas, Dominique relatou um pouco da situação precária enfrentada pelos haitianos pós-terremoto, a violência das tropas dos EUA e da Minustah (força de segurança da ONU liderada pelo Brasil) e a força dos trabalhadores do seu país, que resistem e lutam por seus direitos.
Dominique também agradece aos trabalhadores brasileiros pelas doações e a solidariedade prestada aos haitianos. “Quero agradecer totalmente os trabalhadores do Brasil. Não somente por nos mandar dinheiro, mas principalmente por fazer isso de uma maneira tão sincera e total”, disse. Confira.
Como se encontra o Haiti após terremoto?
Didier – A situação haitiana depois do território é péssima, é um drama. Muita gente morta; muitas que sobreviveram, perderam familiares. Casas destruídas. Os acampamentos, onde vivem as pessoas que perderam as suas casas, estão em condições péssimas, há muita promiscuidade, faltam áreas de estar e banheiro; e com tudo isso, a vida é extremamente difícil. Agora em Junho, a situação vai se tornar mais difícil porque é a época de chuva; em Outubro, é época de ciclones e furacões.
Estamos prevendo uma outra catástrofe. Outra preocupação é o plano econômico, encabeçado pelo ex-presidente dos Estados Unidos (EUA), Bill Clinton, para o Haiti. O plano consiste em fazer zonas francas (de indústrias têxteis) para supostamente dar trabalho aos haitianos. No entanto é, na verdade, para explorar a mão-de-obra haitiana, a mais barata do mundo, que agora cobra US$ 3 ao dia depois de uma difícil luta travada para aumentar o salário mínimo. O salário mínimo passou de US$ 1,80 hora/dia a US$ 3, mas é pouquíssimo e não dá para comer, sustentar os filhos e as famílias. Um pouco antes do terremoto, Clinton havia ido ao país para implementar o plano de zona franca. Com o terremoto, duas coisas muito terríveis aconteceram: uma delas é a entrada, além da Minustah (força de segurança da ONU liderada pelo Brasil), das forças armadas dos EUA com 20 mil homens, porta-aviões – o que significa aviões, bombardeio – para controlar a situação antagônica e explosiva que existe hoje em dia no Haiti.
A presença das forças militares norte-americanas é uma dominação adicional e muito dura, terrível, para o povo. A segunda questão é que Clinton, depois do terremoto, está encabeçando uma comissão, junto com o primeiro-ministro haitiano, para a recopnstrução do país. O ex-presidente dos EUA, que foi enviado pelo atual presidente Barack Obama, disse claramente que os bilhões de dólares que vão gastar no Haiti é para a reconstrução das cidades ao redor das zonas francasa serem instaladas. Ou seja, as cidades vizinhas e a capital, Porto Príncipe, que foram destruídas pelo terremoto serão reconstruídas mais facilmente. Assim, o plano de exploração da mão-de-obra haitiana vai se acelerando. Mesmo assim, os trabalhadores começam a se mobilizar novamente. Nos dias 28 de Abril, 1º de Maio e 18 de Maio realizamos algumas maobilizações, com brigadas de agitação e progapanda. Protestos espontâneos estão brotando de novo porque a gente não pode mais e não aceita este plano de exploração. Estas empresas têxteis estão no Haiti há 40 anos e a população sabe que não levam à nada. Sobretudo com um salário de miséria que não dá para viver.
Qual foi o papel da Minustah após o terremoto?
Didier – Para começar, a Minustah, foi quase igual ao governo haitiano. A princípio, ficou totalmente paralisada porque seus políticos também foram afetados pelo terremoto. O hotel onde eles ficavam caiu totalmente e morreram quase todos. Durante semanas, o controle da dominação e da repressão, bem como do aeroporto, porto e terrítório foi feito pelos norte-americanos. Duas a três semanas depois, a Minustah se refez e fazer seu papel de sempre: de controle, de dominação e de repressão nas fábricas e nos bairros. Junto com a ONG brasileira Viva Rio, a Minustah está nos bairros desarmando e perseguindo os resistentes. Recentemente, os militares brasileiros da Minustah entraram em uma faculdade de tecnologia em que os estudantes protestavam contra a ocupação das tropas no Haiti. Os militares lançaram gás lacrimogêneo e bateram nos estudantes. Os manifestantes foram na TV depois e a população viu todas as marcas dos golpes que os militares brasileiros lhes deram. O principal político da Minustah, Edmond Mulet, teve que apresentar desculpas dias depois porque não se pode, nem por forças militares nacionais ou internacionais, entrar nas universidades, sobretudo do Estado. No entanto, não cremos que estas desculpas sejam verdadeiras porque, toda vez que terão que reprimir, vão fazer de novo. O pior é que está faculdade fica ao lado de um acampamento de sobreviventes do terremoto no centro da cidade. Os gases lacrimogêneo afetaram muitos bebês e idosos; alguns chegaram a desmaiar.
O que mudou com a presença das tropas dos EUA no Haiti?
Didier – Mudou a questão qualitativa. Agora, os norte-americanos estão diretamente no Haiti. Sempre pensamos que atrás da Minustah estava a decisão política norte-americana; agora está claramente posta. E neste sentido é um passo a mais. Por isso é que agora falamos em “ocupação tutela”. E esta comissão para a reconstrução, de haitianos e estrangeiros, que está encabeçada por Clinton o tornou governador do Haiti.
O que fez com os EUA fossem com mais peso para o Haiti?
Didier – Logo após o terremoto não havia nenhuma força, nem da polícia nacional e tampouco da Minustah, que podia assegurar o controle da situação. Porque todos que estavam no Haiti tinham sofrido revés. Por isso é que precisava de uma força exterior, que não tenha sofrido com a catástrofe, para ter o controle. Para que eles possam implementar o plano econômico das zonas francas, é determinante esta presença internacional, especialmente dos próprios militares norte-americanos. No entanto, a presença deles não tem agradado os alidos, ocorrendo conflitos entre os militares norte-americanos e franceses; militares norte-americanos e russos; militares norte-americanos e brasileiros. Em um momento, o general brasileiro queria ir embora porque ele estava no comando da Minustah e aí vem os norte-americanos dar ordens. Embora outros países estejam no comando da Minustah, são os EUA que têm o comando real.
Após o terremoto, como os trabalhadores haitianos estão se organizando e com que motivos?
Didier – Há vários motivos. Primeiro, pelas reivindicações cotidianas, democráticas, por salário, melhores condições de trabalho, por transporte, saúde, educação; reivindicações em geral. Eles têm lutado nas fábricas, nos bairros, nos acampamentos. Mas eles também têm lutado em relação à situação política. Para controlá-los melhor, o presidente do Haiti, René Preval, barrou o comando dos EUA ao aprovar diversas leis. Entre elas, a que deixou o Haiti em estado de urgência; antes, estava em estado de sítio. De qualquer forma, não pode haver manifestações; o direito democrático pelo qual se lutou por 20 anos tem sido ignorado. Preval também fez uma lei para tentar estender o seu mandato. Supostamente, teria que haver eleições no final do ano e ter novo presidente em fevereiro. No entanto, Preval quer impor seu mandato até maio de 2011. Por isso que os trabalhadores e a população estão se levantando contra ele. Porém, supostos nacionalistas e os partidos de “oposição” burguesa à Preval também participam das mobilizações organizadas pela população, causando confusão. Nós da Batay Ouvriye (organização Batalha Operária) protestamos não somente contra Preval, mas contra a ocupação tutela e abaixo o plano econômico neoliberal que está sendo imposto aos haitianos. Eles, os nacionalistas burgueses, estão somente contra o governo de Preval, mas não contra o plano e nem contra a ocupação. Temos que superar esta confusão gerada para desviar os trabalhadores de suas lutas, mas não é fácil.
Muitos sindicatos e trabalhadores brasileiros ligados à Conlutas fizeram doações à Batay Ouvriye. A ajuda foi importante?
Didier – A ajuda não foi importante, foi fundamental. Sem esta solidariedade financeira e moral, de irmãos trabalhadores que nos mandaram mensagens, assim como a delegação da Conlutas que foi visitar o Haiti, tudo isso nos ajudou a superar a tragédia e a nos levantarmos de novo. Durante a visita ao Haiti, a delegação da Conlutas foi à imprensa local, dando apoio aos trabalhadores. O dinheiro doado foi usado para ajudar os trabalhadores que perderam suas casas e famliares, ajudar a encontrar os mortos e depois enterrar, se comunicar, porque era o caos total. O transporte no Haiti, por exemplo, custa hoje quatro vezes mais do que antes. Um transporte que valia 100 gourdes (moeda local) agora vale 400 gourdes. A gasolina subiu. Se locomover, no Haiti, se transformou num desafio. Para podermos funcionar dentro disto, nos ajudou a ajuda financeira. Quero agradecer totalmente os trabalhadores do Brasil. Não somente por nos mandar dinheiro, mas principalmente por fazer isso de uma maneira tão sincera e total.
FONTE: www.conlutas.org.br