Carta aberta ao Presidente do Brasil
BATAY OUVRIYE
Porto-Principe, HAITI Quarta-feira 28 de maio de 2008.
Senhor Presidente,
O senhor deve ter se dado conta que sua visita de hoje, 28 de maio do 2008, não recebeu as boas-vindas como aquela de 2006 quando, acompanhado da “seleção”, enlouquecia meio-mundo, tratando de nos fazer pensar que a lua é um queijo. Na realidade, caíram as mascaras. Primeiro pelo rotundo fracasso da Minustah no que toca aos objetivos de maio de 2004, do mesmo Conselho de Segurança da ONU. Depois, porque ninguém mais acredita na “desinteressada ajuda” dessa missão. Nós, de imediato entendemos o que faz parte desta “benevolência”. A vinda do filho do vice-presidente José Alencar, proprietário da mais importante indústria textil do Brasil, para localizar as zonas francas e verificar com seus próprios olhos nossa famosa “mão de obra barata”, acabou por abrir-nos os olhos. Hoje, quando novamente capitalistas nos visitam, seguramente ávidos em apostar neste “ouro vivo”, os objetivos vão ficando mais precisos.
Mas há mais. O povo inteiro viu o comportamento tanto dos altos responsáveis pela missão, cobrando um dinheirão – neste país tão desprovido de tudo -, como dos militares: a repressão nos bairros populares demonstra, tal qual a arrogância dos chefes no comando ou a atitude dos soldados nos tanques, com a metralhadora sempre apontada para nós, que, se aproveitando da situação de dominação instalada, acometem violações e outras ações que não tem nome. Ou o terror semeado durante os últimos acontecimentos. O fundo e a forma já não deixam mais nenhuma dúvida: trata-se obviamente de uma tutela armada, de uma ocupação, que a suposta “ajuda sul-sul” (que não é mais que uma solidariedade entre classes dominantes de país a país sob a direção das multinacionais de rapina) já não consegue mais enganar. Como tudo isto chegou tão longe? Como a mais extraordinária revolução do continente pôde dar a luz a tão profunda humilhação? Como governos resultantes das lutas dos trabalhadores e das mobilizações populares puderam chegar a jogar conscientemente o papel tão degradante de executor dos planos imperialistas?
Tratamos de explicar no texto “Toda a roupagem da mentira”, que expõe a lógica de tal sentença, e os reais objetivos do projeto imperialista-burguês de exploração ilimitada e o papel que toca a você, recusa a sua “ajuda” tal como a concebe, repudia totalmente a presença das suas tropas armadas e termina preconizando que outra cooperação é possível”. Uma cooperação que unificaria todos os operários, todos os trabalhadores e todos os povos, naturalmente, fundamentalmente irmãos; na agricultura, na medicina, na construção das suas cidades, no riso franco, nas danças e cantos libertários, na produção e no intercâmbio coletivo.”
Assim, senhor presidente, considerando que a presença das forças de ocupação da ONU no Haiti constitui uma gigantesca bofetada no povo haitiano e em nossos ancestrais que lutaram para nos deixar um território livre de toda dominação estrangeira: em nome desta luta contra a dominação, em nome do direito a autodeterminação do povo haitiano, em nome do direito a vida de toda a gente morta nos bairros populares pelas balas criminosas dos seus soldados, mas também com o mesmo sentimento que o ajudou a declarar como não grata a quarta frota norte-americana nos portos do seu país; e, considerando a necessidade de estabelecer uma cooperação horizontal entre os povos do sul onde não existiria exploração, requeremos, Sr. Presidente, que proceda a imediata retirada de suas tropas armadas do nosso país.
Yannick ETIENNE – Batay Ouvriye
Camille CHALMERS – Plateforme Haitienne pour um Droit Alternatif
Marc-Arthur FILS-AIME – Institut Culturel Karl Leveque
Guy NUMA – Mouvman Demokratik Popile
PS. Queríamos entregar esta carta em suas próprias mãos, mas a Polícia Nacional, que está sob o comando dos seus militares, nos proibiu categoricamente toda e qualquer aproximação bem como qualquer livre manifestação de opinião.