Entrada dos candidatos para o primeiro dia de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro(UERJ), na zona norte do Rio. Tania Rego/Ag Brasil
Mandi Coelho, da Rebeldia, Juventude da Revolução Socialista

Tendo ocorrido no dia seguinte ao Dia da Consciência Negra, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2021 foi um dos mais brancos da História. Houve uma diminuição de 52% de estudantes “pretos” e “pardos” (usando os critérios do IBGE) que realizariam a prova. Este Enem também foi muito elitizado. Em agosto, o SEMESP (entidade que representa as empresas donas de instituições de ensino superior) identificou que houve uma redução de 77,4% nos inscritos com renda familiar até três salários mínimos.

A prova de domingo também foi a com menor participação de estudantes, desde 2005. Dado chocante, já que foi somente em 2004 que o Exame passou a valer como um mecanismo de entrada no ensino superior. Bolsonaro fez a participação retroceder quase ao nível da época em que a prova era apenas um indicador da qualidade do ensino médio.

Crises e escândalos interferem no Exame

Além disso, poucos dias antes da realização da prova, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão que organiza o Enem, foi atravessado por um escândalo. 37 servidores, sendo 32 diretamente ligados à realização do Enem, pediram exoneração de seus cargos.

Mergulhados num cenário de assédio e tentativa de censura do conteúdo da prova por parte do governo, os servidores reclamavam da “fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima do Inep”, ou seja, da incapacidade de Danilo Dupas, presidente de Inep, indicado pelo Ministro da Educação Milton Ribeiro e alinhado com Bolsonaro.

Os estudantes estavam muito angustiados com todo esse caos no Inep e, também, com a possibilidade de censura por parte de Bolsonaro que, por exemplo, havia pedido ao ministro Milton Ribeiro que, nas questões, o golpe ditatorial de 64 fosse chamado “Revolução de 64”. E ainda anunciou que o Enem estava ficando com a cara do governo.

Na prova de domingo tudo ocorreu bem e as questões da prova demonstraram que o governo não conseguiu interferir ideologicamente como gostaria. No entanto, a cada ano que passa, o Enem está mais sucateado e Bolsonaro é o responsável direto por isso.

A tragédia se repete, mas se aprofunda

A situação atual é resultado de três anos de ataques ao Enem, ao próprio Inep e à educação pública como um todo. O primeiro Enem sob o governo Bolsonaro, em 2019, na época do então ministro Abraham Weintraub, já prenunciava o caos, tendo sido marcado pelo vazamento de questões, erros na correção da prova de seis mil candidatos, denúncias de favorecimento na licitação da escolha da gráfica que imprimiria a prova e a tentativa de implementar o projeto do ENEM Digital, que visa desmontar o Exame como ele é hoje.

A cruzada ideológica do governo também já era evidente. Bolsonaro montou uma comissão para avaliar as questões, contra um suposto uso do Exame para “doutrinação” através da “ideologia de gênero”, “marxismo cultural” etc. Desde então, já havia toda uma polêmica ao redor de questões sobre a ditadura militar. Não à toa, em todos os anos de seu governo, não houve uma só questão sobre o tema. E o banco de questões não tem sido renovado desde 2018.

A destruição do Inep também se prenunciava. Só enquanto Weintraub foi ministro (entre 2019 e 2020), o Instituto teve quatro presidentes diferentes. No Enem 2020, já sob o comando de Ribeiro, mais escândalos: o presidente do Inep, em plena pandemia, quando faltava oxigênio em Manaus, disse que as cidades que não fizessem a prova ficariam de fora do Enem. Isso depois de um diretor do Inep morrer de Covid.

Tendo acontecido em meio à pandemia, o Exame do ano passado registrou o maior índice de abstenção em sua história e, também, foi marcado por uma declaração de Milton Ribeiro que afirmou que o Enem não existia para “corrigir desigualdades” e, ainda, culpou a mídia pela abstenção na prova.

Agora, em 2021, além de tentar escamotear as demissões e ameaças de censura, Ribeiro disse que a abstenção foi culpa dos professores que não voltaram à sala de aula.

Não dá mais

Chega de intromissão ideológica e desigualdade social na educação

A verdade é que o desmonte do Enem e do Inep faz parte do projeto geral de Bolsonaro para a Educação: privatização, retrocesso, obscurantismo e intromissão ideológica. Não é por acaso que, anos após anos, haja uma redução do número de estudantes negros, pobres e trabalhadores fazendo a prova e que a abstenção esteja aumentando.

A pandemia aprofundou absurdamente o fosso da desigualdade na educação. A desigualdade social, evidentemente, já era um problema no país, muito antes da pandemia. Se uma parcela de estudantes pobres não teve acesso a um bom ensino, de forma remota, não é porque professores, em plena pandemia, não foram para as salas de aula difundir o vírus; mas, sim, porque o acesso que os filhos dos ricos e dos pobres têm à educação é muito desigual. Um abismo que se alastrou com a dependência da tecnologia digital para ter acesso às aulas.

O Enem é em si um mecanismo que perpetua a vantagem de ricos sobre trabalhadores. É um filtro social e racial, como os vestibulares. Há uma contradição, contudo, sintetizada numa frase: “se é ruim com ele, pior sem ele”. Devemos lutar contra o projeto de Bolsonaro e defender o Enem, o Inep e a Educação. Mas, também, não podemos abandonar nosso norte, que é acabar com a educação capitalista como ela é hoje.