Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

No último dia 11, a Ford anunciou a sua saída do Brasil e o fechamento de todas as plantas no país. Com isso, 5 mil trabalhadores diretos perderão seus empregos em plena pandemia. A montadora anunciou o fechamento das fábricas em Taubaté (SP), Camaçari (BA) e Horizonte (CE).

Em comunicado público, a direção da companhia disse que o fechamento das fábricas faz parte de um processo de reestruturação mundial. Na verdade, o objetivo é manter a alta taxa de lucro da montadora, mesmo que isso signifique a demissão de milhares de operários, concentrando a produção em outros países da América do Sul.

O Opinião Socialista conversou com Luis Carlos Prates, o Mancha, operário da General Motors (GM) e membro da Secretaria Nacional da CSP-Conlutas, que localiza o fechamento da Ford no marco da crise econômica e sanitária, bem como no processo de desindustrialização pelo qual passa o Brasil.

A Ford pegou de surpresa os trabalhadores com o anúncio do fechamento das fábricas no Brasil em meio à pandemia. Qual o impacto disso?

Mancha – São mais de 5 mil trabalhadores diretos que perderam seus empregos, em meio à pandemia. De acordo com o estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), as 5 mil demissões significam uma perda potencial de mais de 118.864 mil postos de trabalho, somando diretos, indiretos e induzidos. Essas demissões podem resultar em perda potencial de massa salarial da ordem de R$ 2,5 bilhões/ano, considerando-se os empregos diretos e indiretos. Além disso, haverá queda de arrecadação de tributos e contribuições em torno de R$ 3 bilhões ao ano.

Em comunicado público, a Ford disse que o fechamento das fábricas faz parte de um processo de reestruturação mundial. O que isso significa?

Ao tomar a decisão de fechar as fábricas no Brasil, a Ford segue a lógica dos monopólios capitalistas, que buscam fazer reestruturação demitindo funcionários e fechando fábricas. Obedecem à lógica de maximizar cada vez mais os seus lucros, e quem paga essa conta são os trabalhadores. Para as multinacionais, não importa se sua reestruturação vai eliminar a economia de cidades inteiras, como Camaçari (BA). Não importa se vai chegar a milhares de desempregados. O que importa é seguir alcançando lucros. Por isso, não podemos assistir o que essa empresa está fazendo, é preciso resistir. É preciso uma postura firme dos sindicatos, das centrais sindicais e das autoridades com uma ampla campanha nacional para evitar que milhares de trabalhadores sejam jogados na rua da amargura.

A direção das montadoras, a grande mídia e o governo dizem que o fechamento das fábricas é reflexo da falta de medidas que reduzam o “custo Brasil”. Como você avalia isso?

Isso é uma mentira. É um falso discurso que o governo e os empresários fazem, com o apoio da grande mídia, para impor as reformas neoliberais que retiram direitos dos trabalhadores, como aconteceu com a reforma da Previdência e a trabalhista. Eles alegam que as reformas são necessárias para gerar empregos, mas o que temos visto é o aumento do desemprego e o fechamento de fábricas. O que aumentou foi a precarização do trabalho. Então, o problema não são os custos trabalhistas. Querem tirar mais direitos, rebaixar mais salários para poder manter as empresas. Mas essa lógica de redução de custos do trabalho, além de não gerar mais emprego, não garante mais investimentos e manutenção dessas empresas no país. Se fosse assim, a Ford e a Sony não teriam encerrado suas atividades no Brasil.

Bolsonaro falou que a saída das empresas do Brasil também está relacionada à falta de isenções de impostos. Qual a sua opinião?

Outra grande mentira. Tudo o que Bolsonaro e os presidentes que o antecederam, assim como os governos estaduais e as prefeituras onde as fábricas estão instaladas, têm ofertado isenções de impostos. Somente a Ford tem isenção fiscal até 2024, o que é um absurdo. Porque isso é dinheiro que sai da educação, dinheiro que deveria ser utilizado na moradia e, inclusive, para combater a pandemia, dinheiro que sai dos cofres públicos, que sai daquele trabalhador que está agora sem receber auxílio emergencial, e vai para os cofres das grandes montadoras. Depois essas empresas pegam esses recursos e mandam como remessa de lucros para o exterior. Essa lógica perversa tem que acabar.

Além das isenções, essas empresas também recebem dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é um banco público.

Sim, é verdade. O que deixa evidente como o Estado é um balcão de negócios da burguesia. A Ford, por exemplo, está entre as quatro montadoras mais contempladas por recursos do BNDES em período recente. Entre 2002 e 2018, a montadora teve acesso a R$ 5,5 bilhões de crédito. Entre 2016 e 2019, o setor automotivo como um todo foi contemplado com incentivos tributários federais no montante de R$ 15,4 bilhões, além da política de desoneração da folha de pagamentos. Segundo a Secretaria da Receita Federal, os gastos tributários do setor automobilístico passaram de R$ 2,81 bilhões em 2011 para R$ 6,45 bilhões em 2020. Dinheiro público que deveria estar sendo investido nas áreas sociais e no combate à pandemia.

A Ford, também, era contemplada por um programa de “incentivos” do estado da Bahia, que previa redução de 100% do imposto de importação sobre bens de capital, 90% sobre insumos e até 50% sobre importação de veículos; redução de 45% do IPI na aquisição de insumos; isenção de frete para renovação da marinha mercante; isenção de IOF nas operações de câmbio para pagamento de bens importados; isenção de imposto de renda sobre os lucros, crédito presumido de IPI como o ressarcimento de contribuições como PIS e Cofins. Como podemos ver, o problema não é falta de “programa de incentivos” como diz Bolsonaro. É interesse para manutenção de lucros, isso sim.

O fechamento da Ford traz à tona a discussão sobre o processo de desindustrialização no país. Como você vê isso?

A desindustrialização já vem de algum tempo e é parte desse sistema capitalista globalizado, predatório, que impede o desenvolvimento de uma indústria nacional, resultado de políticas governamentais que privatizaram e desnacionalizaram indústrias e empresas de setores estratégicos. O país se torna um mero exportador de grãos e minérios. Nos anos 1980, o país já teve o oitavo parque industrial do mundo e o peso da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) era de 33%. Em 2019, o setor que abrange a indústria de plástico, alimentos, bebidas, metalurgia, têxtil, entre outras, representou apenas 11% da atividade econômica. O setor automotivo vem perdendo posição em relação aos demais países centrais. Segundo dados da Unido, em 2018, o Brasil ocupava a nona posição no valor adicionado da indústria de transformação (VAT) mundial e, em 2018, caiu para a décima sexta posição. A política econômica implementada por Bolsonaro aprofunda o papel do Brasil como exportador de bens primários e importador de artigos industriais.

Na sua opinião, é possível reverter as demissões?

Depois de décadas lucrando com a venda de automóveis (só em 2020, a Ford licenciou 139.897 veículos, o que representou 6,8% do total de veículos licenciados no Brasil), com os benefícios fiscais recebidos dos governos e financiamento público recebido do BNDES, a Ford simplesmente dá as costas para os trabalhadores. Não podemos permitir que eles percam seus empregos, enquanto o lucro da montadora seja preservado. É necessária uma grande mobilização em defesa dos empregos, cobrando dos governos uma atitude frente ao descaso da montadora. É preciso agir. Se a empresa já recebeu R$ 20 bilhões em incentivos fiscais e agora quer ir embora do país, tem que devolver tudo, e para isso tem que deixar a fábrica aqui para que os trabalhadores possam tocar a empresa.

É necessário que haja uma ação do Governo Federal e dos governos estaduais para garantir a produção de automóveis e assim garantir os empregos. Defendemos a estatização das fábricas e que sejam controladas pelos próprios trabalhadores. Essa é a única maneira de garantir o emprego, os direitos e, de certa forma, o mercado e também a soberania nacional. Não pode ser que o governo Bolsonaro assista quieto ou zombando, saia dizendo que quem não dá lucro fecha porque perdeu a concorrência. Então, a saída é a estatização da empresa sob controle dos trabalhadores.

 

FORD

Sindicato convoca luta contra as demissões e pela estatização da montadora

Desde que foi divulgado o fechamento das fábricas da Ford, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SP), filiado à CSP-Conlutas, iniciou uma campanha de solidariedade aos operários demitidos e convocou uma campanha nacional pela estatização da multinacional.

“Embora não tenhamos a representatividade sobre os trabalhadores da Ford no Brasil, defendemos que as entidades que desempenham esse papel organizem mobilizações, inclusive com a ocupação da fábrica, para pressionar a montadora a não sair do país. O drama dos funcionários da Ford também leva preocupação para outros trabalhadores das demais categorias. Daí a importância de construirmos uma corrente de solidariedade e um processo de luta unitário”, defende Weller Gonçalves, presidente do sindicato.

No dia 21 de janeiro, foram realizadas atividades por todo o país, como parte do Dia Nacional de Luta contra o Fechamento da Ford, organizado de forma unitária pelas centrais sindicais, com o lema “Todos pelo emprego. Contra o fechamento da Ford”.

“Esta é uma luta em defesa dos empregos, que tem de unir todos os trabalhadores e a população em geral. É preciso haver uma forte pressão popular sobre os governos e a própria Ford para que se reverta essa medida cruel tomada pela multinacional”, afirma Weller.

Estatização

Outra bandeira levantada pelo Sindicato é a estatização da Ford sob controle dos trabalhadores, como forma de preservar os empregos.

“Com essa medida, empregos seriam preservados e o Brasil teria o retorno de tanto dinheiro público injetado na montadora. Para que isso seja possível, é preciso aprovação pelo Congresso Nacional. Vamos exigir que deputados e senadores atuem em favor dessa medida. Estatização, já!”, conclui Weller.

 

NÚMEROS

– Fechamento da Ford vai provocar desemprego de 118 mil, entre trabalhadores diretos, indiretos, comércio e serviços.

– R$ 5,5 bilhões foi o valor dos créditos do BNDES à Ford entre 2002 e 2018.

– R$ 15,4 bilhões foi o valor dos incentivos tributários federais concedidos ao setor automotivo.

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