Bernardo Cerdeira, de São Paulo (SP)

A eleição para os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, que será no dia 1º de fevereiro, abriu uma polêmica entre os partidos de esquerda, em particular no PT e na bancada do PSOL. A discussão se deu sobre a decisão de apoiar a candidatura de Baleia Rossi (MDB), apoiado por PSDB, PDT, PSB e PCdoB, opositor do candidato de Bolsonaro, deputado Arthur Lira, da coalizão PP, PSD, PL, Republicanos e outros. A proposta foi aprovada pela bancada do PT por uma diferença de apenas quatro votos (27 a 23), contra os que defendiam uma candidatura própria do partido.

Segundo a maioria, a decisão se justificava porque Baleia teria firmado compromissos com os partidos de oposição – “em defesa da democracia, da independência do Poder Legislativo e de uma agenda legislativa que contemple direitos essenciais da população” –, tais como projetos que garantam o enfrentamento à pandemia com acesso universal à vacina e uma renda emergencial e/ou a ampliação do Bolsa Família.

O líder da bancada, Ênio Verri (PT-PR), e a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disseram que o objetivo de apoiar a candidatura de Baleia Rossi é “enfrentar a agenda de retrocessos pautada pelo governo de extrema direita no campo dos direitos humanos e dos direitos constitucionais”. A aliança também seria “necessária para derrotar as pretensões de Jair Bolsonaro de controlar a Câmara dos Deputados”.

É significativo que não tenha havido polêmica sobre a decisão escandalosa (e contraditória com esses argumentos em relação à eleição da Câmara) do próprio PT de apoiar Rodrigo Pacheco (DEM), o candidato do governo para a eleição para presidente do Senado.

No PSOL, houve empate na votação deste tema no interior da bancada (5 a 5). A proposta de apoiar Baleia veio do deputado Marcelo Freixo (RJ) e dos deputados do Movimento de Esquerda Socialista (MES), uma das correntes do partido. Diante do impasse, a executiva nacional decidiu lançar a candidatura da deputada Luíza Erundina (SP). No entanto, já anunciou que no segundo turno apoiará o candidato de oposição a Bolsonaro (ou seja, Baleia Rossi). Mesmo assim, a decisão da executiva nacional do partido vem provocando um debate com ataques públicos mútuos entre as duas posições.

Como se justifica o apoio a semelhante candidato?

Além de ser o candidato de um partido de direita, neoliberal, inimigo dos trabalhadores e extremamente corrupto, Baleia foi um dos articuladores do processo de impeachment de Dilma Rousseff, caracterizado como um golpe pelo PT. Como se justifica então o apoio a essa figura?

Em artigo, José Dirceu, ainda hoje uma importante referência política do PT, apoiou a decisão da bancada. Queremos discutir seus argumentos porque, em nossa opinião, representam bem a fundamentação dessa posição. Os argumentos de Marcelo Freixo são basicamente os mesmos.

O primeiro argumento de José Dirceu é que “Bolsonaro é de extrema direita, autoritário e obscurantista”, mas “há uma oposição de direita às suas políticas externa, ambiental, cultural, educacional e científica, sua agenda fundamentalista e suas ameaças à democracia. Não fosse o STF, o Congresso Nacional e a oposição de esquerda, Bolsonaro já seria ditador. Foram essas instituições que impediram a privatização da Previdência, evitaram a consolidação do Estado policial do pacote anticrime de Moro, garantiram os direitos da mulher, dos educadores, da trabalhadora rural, o BPC”.

Na verdade, esse argumento é um raciocínio falso que tenta aparentar ser verdadeiro. Exagera um fato muito parcial: o projeto político de Maia e de seu bloco no Congresso não é o mesmo projeto ditatorial de Bolsonaro, mas isso está muito longe de significar que esse bloco é oposição ao governo. Se compararmos cada uma das posições desse bloco às políticas de Bolsonaro, entenderemos como José Dirceu distorce e encobre a verdade.

Segundo ele, por exemplo, a suposta oposição de direita teria “impedido a privatização da Previdência”. Contudo, a verdade é que Rodrigo Maia e os deputados de direita foram os principais apoiadores e garantidores da reforma da Previdência que destruiu os direitos dos aposentados, impôs a idade mínima de 65 anos, eliminou a aposentadoria por tempo de serviço e, dessa forma, beneficiou a Previdência privada bancada pelo sistema financeiro.

Maia e seus comandados apenas cortaram alguns aspectos mais gritantes da reforma que foram colocados pelo governo somente para serem retirados na negociação. Dessa forma, facilitaram a aprovação da medida. Bolsonaro, Guedes e Maia trabalharam em comum acordo para aprovar uma reforma que só retirou direitos históricos dos trabalhadores.

O pior é que José Dirceu oculta e omite o principal papel de Rodrigo Maia como presidente da Câmara, que é o de sustentar o governo de Jair Bolsonaro. Esse papel fica evidente quando Maia senta sobre mais de 60 pedidos de impeachment de Bolsonaro baseados em crimes de responsabilidade muito explícitos e se recusa a colocá-los para exame dos parlamentares. Sob a capa de garantidor da estabilidade, Maia e essa falsa “direita democrática” na verdade têm sido um dos principais pilares, junto com as FFAA e o STF, que garantem a sustentabilidade do governo de Bolsonaro.

Outra mentira é a afirmação de que o PT não perderia sua independência ao compor essa aliança com partidos de direita. Segundo Dirceu: “Não vamos perder nossa identidade ou independência por participar das mesas e votar nas eleições internas nas casas legislativas. Nossa oposição ao programa econômico neoliberal e nossa disputa com a direita liberal continuarão.”

Esse argumento tenta encobrir o verdadeiro problema. Ninguém afirma que o PT perde sua independência por “participar das mesas e votar nas eleições internas” do parlamento. O problema está no fato de que o PT participa de uma aliança política com partidos burgueses e apoia e fortalece um candidato burguês de direita. Com isso perde, sim, sua independência.

Os últimos argumentos de José Dirceu são uma justificativa muito usada pelos que defendem alianças com a burguesia: a necessidade de uma frente contra esse governo autoritário. Ele pergunta: “Existe uma agenda democrática no país ou não? (…) nas esquerdas (…) muitos se comportam como se vivêssemos em um governo como outro qualquer, desconsiderando seu caráter militar, autoritário, obscurantista e negacionista (…). Parecem desconhecer que viemos de várias derrotas e estamos na defensiva e num descenso das lutas sociais e populares…”

Sem dúvida, Bolsonaro tem um projeto autoritário e gostaria de impor um regime militar. Se houvesse uma ameaça de um autogolpe de Bolsonaro, apoiado pelas Forças Armadas, para, por exemplo, fechar ou coagir o Congresso, seria válido fazer uma unidade temporária com todos os deputados que se opusessem a esse golpe. Mas não existe nenhuma ameaça desse tipo no horizonte. Não há uma correlação de forças para Bolsonaro impor seu projeto. Agitar esse argumento não passa de uma manobra para dizer “somos muito fracos e não temos alternativa a não ser apoiar uma ala da direita”.

A conciliação permanente com a burguesia

A política de compor uma aliança com o MDB e o DEM (Rodrigo Maia) e o setor “democrático” da burguesia na verdade é uma política de alcance mais longo: visa as eleições presidenciais de 2022 e além. Seu objetivo é repetir a aliança que foi a base parlamentar e de governo de Lula e Dilma. José Dirceu é explícito quando explica que “a posição do PT unifica os partidos de esquerda – à exceção do PSOL até este momento –, cria as bases para consolidar nossa aliança no Parlamento e abre caminho para uma Frente Popular à semelhança da Frente Ampla Uruguaia ou da experiência portuguesa da Geringonça. Ou pelo menos este deve ser nosso objetivo”.

Os dirigentes do PT, do PCdoB e do PSOL se esquivam da constatação de um fato incômodo. No Brasil, há uma experiência de treze anos de governo de uma frente ampla, ou frente amplíssima, nos governos de Lula e Dilma, composta justamente pelo MDB de Baleia Rossi, que ia até o PP de Arthur Lira. Essa aliança terminou num desastre de governo e corrupção. Repetir essa política não vai produzir um resultado diferente, e uma frente ampla um pouco menos ampla não muda o caráter nefasto de uma aliança com a burguesia.

O que deveriam fazer partidos comprometidos com a classe trabalhadora?

Um partido realmente comprometido com os interesses dos trabalhadores deveria ter como preocupação e atividade prática principal a organização das lutas dos trabalhadores em defesa dos seus direitos e, principalmente, lutar para derrubar o governo genocida de Bolsonaro, preparando-os dessa forma para que conquistem o poder político por meio de um governo socialista dos trabalhadores. O caminho para derrotar Bolsonaro passa pela mobilização popular, das greves às manifestações de rua.

A atividade parlamentar seria fundamental, na medida em que estivesse a serviço da organização e da preparação da mobilização em defesa dos direitos e contra o governo Bolsonaro. Os parlamentares, além de apoiar e estimular essas lutas, deveriam fortalecer a confiança dos trabalhadores e dos oprimidos em suas próprias forças.

O papel político dos representantes de verdadeiros partidos dos trabalhadores seria assumir a denúncia e o combate permanente não só ao governo Bolsonaro, como também a seus cúmplices no Congresso e ao STF, que garantem, por ação ou por omissão, a sustentação do genocida. Esse papel deveria culminar com a apresentação de um polo de independência da classe trabalhadora diante da burguesia.

O PT, o PCdoB e a ala do PSOL que apoia Baleia fazem o contrário. Ajudam a lançar confusão entre os trabalhadores, os setores populares e inclusive de classe média, ao apresentar inimigos de classe como Rodrigo Maia e Baleia Rossi como se fossem aliados. Em vez de reforçar os movimentos populares e uma alternativa de esquerda, fortalecem uma variante supostamente civilizada da direita. Dessa forma, não defendem nem os interesses imediatos dos trabalhadores nem seus objetivos históricos. Não é mera questão tática. É uma política criminosa e um papel vergonhoso.