Rose Colombo, de Porto Alegre (RS)

Entrei naquela van rumo à Trinidad cheia de expectativas. Comigo estavam, além do guia da agência de viagens, um pequeno grupo de professoras mexicanas. Em plena costa do Caribe, a cidade é considerada a joia colonial de Cuba. Fundada em 1514 e tombada como patrimônio mundial por seu conjunto de casarios, igrejas e palacetes que preservam séculos de história do ciclo da cana no país. Confesso que me atirei a agendar os dois dias nessa viagem por puro interesse de tomar um banho de mar.

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A cidade me pareceu encantadora, com ares de interior. Visitei alguns museus, caminhei pelas ruas, mas já contava as horas para ir à praia. Pois não foi que o tal guia mudou o roteiro e disse que não daria tempo para ver tudo e resolveu deletar a praia? Não, não e não. Bem obediente até o momento, me despedi do grupo, marquei horário de encontro para voltarmos à Havana e me fui com sacola e toalha à luta. Descobri um “tuc-tuc” que levava até à Playa Ancón e rachei despesas com um simpático casal de australianos que se atirou no sol com sua pele cor de rosa enquanto eu me esbaldava na água. Retornei no horário combinado sob olhares meio desconfiados do guia. Vá que fosse eu uma espiã ianque! Brincadeirinhas à parte, existe uma estrutura tentacular de polícia política por bairro, bem sinistro. Havia um clima no ar, em toda parte…

Lá na Playa Ancón também vi famílias cubanas fazendo seus piqueniques sem ter acesso aos bares e restaurantes. Um mau sinal. Aliás, mais uma vez Trotsky tinha razão. Relendo “A Revolução Traída” escrito em 1936, se pode entender os paradoxos de Cuba hoje e como a manutenção e extensão de privilégios dos partidos stalinistas no poder levam à restauração do capitalismo. Existem limites econômicos intrínsecos à Cuba? É claro. O bloqueio dos EUA é um problema, desde a Revolução? Sim. Obviamente nada é linear e uma economia restrita como a cubana é exemplar da impossibilidade de construir o “socialismo num só país” (coisa que Marx nunca defendeu mas que virou política oficial de Moscou e seus satélites).

Assim, além do compromisso de “não exportar a revolução cubana à América Central”, o governo cubano vem, desde os anos 80, reestruturando o capitalismo na ilha. Há algum problema em reformar a Constituição e abrir a economia para setores privados? Não e sim. Na jovem e ainda revolucionária União Soviética, Lênin dizia que a URSS era “um Estado burguês sem burguesia”, em referência ao hibridismo entre economia estatal e privada. Mas há parâmetros que são inegociáveis para manter a natureza social de um estado de transição socialista – o monopólio estatal do comércio exterior, a planificação econômica e a propriedade estatal dos grandes meios de produção. Tudo isso ruiu em Cuba, infelizmente. Estudos recentes com dados sólidos mostram que os grandes conglomerados europeus e canadenses estão lá, associados à nova burguesia que surge dos quadros do velho e ditatorial PC. O povo na rua sabe que o socialismo se perdeu. E acredito que saberá reconstruí-lo, sob novas bases, democrático.

Agora aqui terminando meus relatos e ideias cubanas já sinto saudades. Quero lembrar-me das pessoas que cruzei, contando suas histórias e receios. Quero lembrar-me das ruas que andei. Das salas abertas dos vizinhos de Marguerita, com oferendas aos Orixas. Do meu banho de mar. Da Universidad de Havana, onde vi doutores varrendo a sala do seu Departamento. Do som vindo do Malecón e do piano de Chucho Valdés, naquele show maravilhoso na lendária casa de jazz La Zorra y el Cuervo. Cuba es mea también.