É preciso defender as liberdades democráticas diante do projeto de ditadura, exploração e entrega do país de Bolsonaro
O vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, o “02” do clã Bolsonaro, deu a senha no último dia 9 de setembro. “Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”, escreveu em seu Twitter. Espécie de porta-voz não oficial do pai nas redes sociais e estrategista de sua política de comunicação, em alguns poucos caracteres Carlos Bolsonaro resumiu a estratégia da família: uma ditadura.
O próprio presidente já havia deixado as indiretas de lado numa entrevista à Folha de S.Paulo dias antes quando, ao reclamar de uma suposta perseguição por parte da imprensa, disse: “Se eu levantar a borduna, todo mundo vai atrás de mim e eu não fiz isso ainda.” A expressão, algo como “chutar o balde”, é uma evidente ameaça de Bolsonaro pai às liberdades democráticas, mas, numa época em que barbaridades são ditas aos borbotões todos os dias, passou meio despercebido.
A verdade é que não é surpresa para ninguém que Bolsonaro e família sempre defenderam a ditadura militar, os torturadores, a expulsão ou o fuzilamento de opositores e coisas do gênero. Algo que não encontra respaldo na ampla maioria de seus eleitores. Foi por isso que muitos acreditaram que, uma vez eleito, Bolsonaro seria domesticado, deixando as bravatas na campanha eleitoral. Porém quase dez meses de governo mostraram que Bolsonaro e o seu clã só não arruinaram por completo as liberdades democráticas devido à correlação de forças.
Derrotar o projeto autoritário de Bolsonaro
Após a aprovação da reforma da Previdência na Câmara, conquistada com a liberação de R$ 4 bilhões em emendas parlamentares, Bolsonaro se sentiu fortalecido para colocar as manguinhas de fora. Endureceu seu discurso pró-ditadura, os ataques à oposição, a censura no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Seu ministro Sérgio Moro baixou a Portaria 666, que prevê deportações sumárias e arbitrárias, entre outras medidas, como a intervenção na Comissão de Desaparecidos e a censura na Agência Nacional do Cinema (Ancine).
Isso mostra que o limite de Bolsonaro para avançar sobre as liberdades democráticas é até onde ele conseguir ir, usando a tática do “se colar, colou”. Coerente com isso, vai normalizando a defesa da ditadura e a revisão da história quando, por exemplo, atacou o pai do atual presidente da OAB, Fernando Santa Cruz. Por isso, a luta contra seu projeto econômico é também uma luta em defesa das liberdades democráticas. Cada ataque que ele consegue impor, é um passo de seu projeto autoritário. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que lutamos contra a guerra social imposta aos pobres e aos trabalhadores, é fundamental denunciar os atentados às liberdades democráticas, impedindo que se banalizem.
O projeto de ditadura, exploração e entrega de Bolsonaro pode e deve ser derrotado.
O que está por trás dos ataques às liberdades democráticas
O recente avanço autoritário de Bolsonaro, ao mesmo tempo em que expressa uma concepção e um projeto político de país, reflete um desgaste e uma forte crise do próprio governo.
As denúncias de corrupção e as investigações que se abatem contra seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), fazem com que o presidente invista contra o comando da Polícia Federal, tentando colocar um nome de sua confiança que passe um pano nessa história. Da mesma forma, ele já desmontou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), justo o órgão responsável por revelar as movimentações suspeitas na conta do filho. Já atacou também a Receita Federal e acaba de colocar um aliado na Procuradoria Geral da República (PGR), que é responsável por, entre outras coisas, fazer denúncias contra o presidente.
Um acordão com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, garantiu a suspensão das investigações contra Flávio. Está tudo dominado para que a roubalheira do clã Bolsonaro permaneça impune, assim como as perigosas ligações com as milícias.
Isso, porém, não passa em brancas nuvens. A crise na PF coloca o cada vez mais desmoralizado Sérgio Moro num cai-não-cai. O acordão com o STF, por sua vez, tem como contrapartida a não realização da chamada “CPI da Lava Toga” contra membros do Judiciário. O problema é que isso é uma das principais bandeiras do setor “lavajatista” da base do governo, e a disposição dos Bolsonaro em enterrá-la já provoca fraturas importantes.
A contradição entre o discurso contra a corrupção e a prática corrupta já cobra sua fatura do governo.
Atacar liberdades democráticas para atacar direitos
Um sentido do avanço de Bolsonaro sobre as instituições e o seu aparelhamento é mais banal: quer apenas se safar. Outro é mais político e de projeto, é simplesmente o de aprofundar seus ataques aos trabalhadores e ao povo pobre e a entrega do país ao imperialismo.
Faz parte desse projeto, por exemplo, o ataque aos sindicatos, como a MP que proibiu o desconto em folha dos filiados mesmo com autorização. Agora, quer acabar com a unicidade sindical para promover sindicatos patronais nas bases e impedir a organização e a resistência à sua política. As perseguições dentro das estatais, como na Petrobras, têm esse mesmo sentido, porém agora também com o objetivo de privatizá-las.
A censura ao Inpe, a demissão de seu presidente, a perseguição ao Ibama, ao ICMbio e até às ONGs visam abrir o caminho da Amazônia às mineradoras dos Estados Unidos, às grandes madeireiras e ao agronegócio. Por esse mesmo caminho, vai o discurso contra os indígenas, legitimando e motivando o genocídio esses povos e quilombolas.
Se um projeto autoritário de país não é consenso entre a burguesia ou é até bem minoritário, ela fecha os olhos aos arranques ditatoriais de Bolsonaro em prol das reformas e de uma política econômica que lhe permita ganhar dinheiro aos tubos. Foi o que o presidente do Itaú, Candido Bracher, declarou de forma escancarada, em entrevista à Folha de S.Paulo, ao dizer que “o avanço das reformas não tem sido influenciado pelas turbulências políticas” e que a situação do Brasil está “tão boa quanto nunca vi na minha carreira”.
Defender a “democracia” ou as “liberdades democráticas”?
O Estado capitalista é sempre uma ditadura da burguesia, ou seja, é a vontade de uma minoria sobre a ampla maioria da população. Em alguns momentos, utiliza uma ditadura aberta, ou seja, sem nenhuma liberdade democrática, com o Congresso fechado, sem direito a qualquer tipo de oposição, manifestação, greve, direito de expressão etc., como foi o regime militar no Brasil.
Em outros, toma a forma de uma “democracia” dos ricos, com liberdades restritas em que há direito de organização, manifestação e protesto, mas que não deixa de ser uma ditadura burguesa que exclui grande parte da população até desses direitos mínimos. Nas favelas, nos morros e nas periferias, por exemplo, existem execuções sumárias e torturas como nas piores ditaduras.
Nesse contexto, as liberdades democráticas são importantes na medida em que permitem uma maior organização da classe trabalhadora para lutar ou liberdade de expressão. Permite que os sindicatos, os partidos, os movimentos sociais se organizem. Numa ditadura, como a que defende Bolsonaro ou as que existem em Cuba, na China ou na Venezuela, isso é impossível ou muito mais difícil.
Contudo, na medida em que somos a favor das liberdades democráticas de forma intransigente, não defendemos essa democracia dos ricos que está aí. Não nos misturamos aos que querem manter e perpetuar esse regime e esse sistema decadente, corrupto e de exploração, que é o que as pessoas entendem e que, de fato, é o que está por trás do termo “democracia”.
Só com o socialismo teremos uma verdadeira democracia
Só teremos uma democracia de verdade, ou seja, na qual a vontade da maioria se expresse e se realize, quando derrubarmos o capitalismo e construirmos um outro sistema em seu lugar, o socialismo, baseado não na mentira do voto universal dominado pelo dinheiro, mas na organização da classe trabalhadora e do povo pobre em seus locais de trabalho e moradia. Ou seja, num governo socialista baseado em conselhos populares.
Em vez de eleger supostos representantes a cada dois anos que sempre governarão para e com a burguesia, os banqueiros e os corruptos, os trabalhadores e o povo pobre, que produzem as riquezas, devem governar e decidir os rumos de seu próprio futuro. Só assim poderemos ter as mais amplas liberdades democráticas, muito maiores que na mais “democrática” democracia burguesa.