Leia a nota da Corriente Roja, corrente ligada à LIT-QI na Espanha, sobre o anúncio da nacionalização da YPF realizado pelo governo argentinoSobre o conflito após a nacionalização argentina da YPF. A decisão do governo argentino de nacionalizar 51% das ações da YPF, filial da Repsol, desencadeou uma crise e uma campanha de patriotismo ante o “ultraje da qual fomos objeto”. O PP saiu à arena insistindo que “o ataque a Repsol é um ataque à Espanha e ao seu governo”.

Diante destes fatos, desde Corriente Roja queremos assinalar que:

O conflito com a Repsol na Argentina nem começou nestes dias nem se limita a um conflito com o governo argentino. A presença da Repsol na Argentina remonta a 1999 quando a YPF foi vendida pelo Presidente Menem durante a orgia privatizadora dos anos 90, e que terminou com o Corralito. Todos estes anos foram marcados por constantes confrontos entre esta multinacional e os trabalhadores e setores populares argentinos, que sofreram a entrega do setor petroleiro argentino à Repsol. Milhares de demissões e trabalhadores presos por se negarem a ser condenados à fome foi o primeiro preço que pagou o povo argentino pela entrada da Repsol. Foi a pressão dos trabalhadores e do povo argentino que obrigou o Governo Cristina Kirchner a chegar mais longe do que queria.

A YPF destina à Repsol 50% de sua produção total de hidrocarbonetos, cerca da metade de suas reservas e um terço de seus lucros. Nestes anos, ao mesmo tempo em que Repsol-YPF saqueava as reservas argentinas e acumulava enormes lucros, a produção foi caindo. A produção petroleira reduziu 23% entre 2003 e 2011. O mesmo ocorreu com o gás, passando de 46 mil milhões de metros cúbicos em 2003 para 42 em 2011. Esta diminuição da produção foi obrigando a Argentina a dedicar cada vez mais recursos à importação de combustíveis e energia. “Do autoabastecimento que se havia conquistado em meados da década de 1980 com a YPF estatal, passou à importação com o modelo das multinacionais privadas”. (Avanzada Socialista jornal do PSTU da Argentina)

A gestão da multinacional Repsol, bem como seus investimentos não atendem a outro critério, como o é para qualquer multinacional, que o da produção para o lucro, a otimização dos lucros. Entre 1999 e 2011 a Repsol-YPF investiu na Argentina 8 bilhões de dólares, enquanto obteve um lucro líquido de 16,5 bilhões de dólares, dos quais repartiu entre seus acionistas 13 bilhões. Estas são as contas do saque que a Repsol submeteu a Argentina ao longo de todos estes anos. Durante este período foi esgotando as reservas sem outra preocupação que assegurar os lucros dos acionistas da Repsol.

O Governo Rajoy sai em defesa da “empresa espanhola” quando na realidade os acionistas da Repsol são majoritariamente estrangeiros. Os acionistas espanhóis chegam apenas a 27%, entre La Caixa (13%), BBVA (4%) e a construtora SACYR (10%, comprado com o crédito de 46 bancos, entre os quais o Santander, bancos franceses, britânicos e holandeses). O denominado ‘free float’, o capital volátil que cotiza na bolsa de valores, possui 62,21% das ações, cuja boa parte dos títulos (42% do total) está nas mãos de fundos de investimentos norte-americanos e britânicos (JP Morgan Chase Bank National Association -EEUU- Chase Nominees Ltd. -GB-, State Street Bank and Trust -EEUU-…), aos quais há que se acrescentar 10% da mexicana PEMEX ou 3,32 do banco francês BNP-Paribas.

Por mais que Rajoy bata no peito com demonstrações de patriotismo, a ação da Repsol na Argentina mostra o papel das multinacionais “espanholas” na América Latina.

Bem como os outros imperialismos, o espanhol e suas multinacionais (Repsol, Telefônica, Santander, BBVA, Inditex, Aciona…) são sinônimo de saque das riquezas dos povos e exploração da classe trabalhadora. O exemplo da Repsol, apoiando ditaduras como a de Obiang na Guiné Equatorial ou a de Nazarbayev no Cazaquistão ou ao governo do Peru, onde foi denunciada pela organização Survival Internacional, é um exemplo de que não existe um imperialismo “humanitário e civilizatório”, o europeu, e outro “militarista e ditatorial”, o ianque. Quando se qualifica às multinacionais espanholas como “piratas”, a algumas delas como a Repsol, a rigor deveria se chamar de corsárias, porque roubam com uma bandeira, mas entregam a maior parte do botim a outros.

A campanha patriótica do Governo mostra a “valentia” do covarde, ameaça declarar uma guerra comercial à Argentina para defender os interesses dos bancos e empresas investidoras enquanto converteu-se no capataz de Merkel e Sarkozy, o executor do espólio do país via o pagamento da ilegítima e imoral dívida pública. Que os trabalhadores e o povo estejam sendo saqueados, que não se ganhe nem para os cortes e reformas, que tenhamos seis milhões de desempregados, que milhares de famílias sejam despejadas e jogadas como animais na rua, que a juventude não tenha presente nem futuro, não merece deste governo o menor gesto de resistência à voracidade dos bancos alemães, franceses e espanhóis. Mas se a Argentina para e reclama o que é seu, seus recursos petrolíferos, então se organiza uma campanha patriótica desde cima. Estes “patriotas” levam a bandeira na carteira. São patriotas do sistema financeiro, das multinacionais a quem defendem e para a quem governam à custa do saque dos trabalhadores e dos povos, sejam argentinos ou do Estado Espanhol.

É vergonhoso ver, desde a “esquerda”, se oferecer, como Rubalcaba tem feito em nome do PSOE, seu apoio a Repsol e ao Governo do PP. Vergonhoso ver o dirigente da UGT, Antonio Deusa, Secretário Geral da Federação da Indústria exigir do governo “uma resposta contundente” e advertir que se não houver, existe o perigo de um “efeito contágio” no restante de empresas espanholas que operam na Argentina. Os dirigentes ugetistas, que não colocaram em dúvida sequer o saque que significa para o país o pagamento dos juros da dívida pública aos bancos, estufam o peito “patriótico” para defender a Repsol.

O governo argentino, que diz “expropriar” a Repsol, o que está fazendo na realidade é se converter em sócia de seu grupo industrial Petersen, proprietária de 25% da YPF, que não vê tocadas sua participação. O objetivo real do governo argentino não é nacionalizar a YPF de conjunto, para pôr a serviço dos trabalhadores, mas cacifar-se com a maioria das ações, para explorar os recursos descobertos nas províncias de Neuquen e Mendoza, e não é nada descartável que acabe substituindo a Repsol por outros espoliadores capitalistas, chineses ou de onde sejam.

Os trabalhadores/as, os jovens, os setores populares que estão sofrendo em suas carnes a consequência dos cortes, do saque da dívida, de um governo que governa para as multinacionais e o sistema financeiro, não podem menos que repudiar a tentativa de associar a nacionalização da Repsol a um “ataque a Espanha”. O povo argentino tem o direito de recuperar seus recursos e dispor deles, tem todo o direito por pra fora a Repsol e todas as multinacionais que foram e são parte do saque ao povo. E longe de repudiar essa ação legítima, é necessário começar a exigir aqui o mesmo caminho, a suspensão do pagamento da dívida e a expropriação do sistema financeiro e das indústrias chaves sob o controle dos trabalhadores/as, para pôr todos esses recursos a serviço de um plano de resgate dos trabalhadores e do povo, que reorganize a economia e acabe com o desemprego.

  • Fora Repsol e todas as multinacionais espanholas da Argentina!
  • O petróleo e o gás são argentinos!
  • Fora a campanha patriótica do governo Rajoy e do PSOE!

    Corriente Roja
    17 de abril de 2012

    Tradução: Érika Andreasy