Se por um lado, o Estado nega, às mulheres trabalhadoras e aos seus filhos, as garantias para o exercício da maternidade, por outro, institui uma lei que criminaliza aquelas que ficam grávidas, mas não querem ter filhos. As únicas exceções em que o aborto é permitido pelo Código Penal Brasileiro se dão quando há risco de morte para mãe, quando o feto é anencéfalo (não tem cérebro) ou quando a gravidez é resultante de um estupro. Mesmo assim, depois de uma longa burocracia.

Estimativas apontam que sejam realizados pouco mais de 2,2 milhões de partos no Brasil ao ano, ao passo que os dados do SUS revelam que, em média, são realizados cerca de 1 milhão de abortos no mesmo período. Sendo nestes casos, de 150 mil mulheres morrem ou ficam com sequelas. O que torna o aborto uma das principais causas de morte materna. Um problema que a própria ONU considera tema de saúde pública e não caso de polícia.

A Pesquisa Nacional do Aborto, realizada em 2010, revela que a maioria das mulheres que abortam são casadas, seguem alguma religião e ganham entre 0 e 2 salários mínimos. São as mulheres pobres que mais morrem vítimas das sequelas, cujo perfil passa longe de uma criminosa. Diferente das mulheres ricas, elas não tem condições de pagar por um aborto. Utilizam métodos caseiros e muitas vezes o fazem em condições inadequadas. São, também, mais fáceis de ser criminalizadas. As ricas, que pagam clínicas clandestinas, ficam menos expostas aos riscos e também à criminalização.

Em Cuba e na cidade do México, a prática já é legalizada. Em 2012, fruto da mobilização vitoriosa, o governo do Uruguai legalizou o aborto. No Brasil, a nova proposta de Reforma do Código Penal propõe manter o aborto como crime, porém podendo ser autorizado até a 12º semana, mediante declaração de médico ou psicólogo de que a mulher não tem condições de levar uma gravidez. É uma reforma bastante tímida e que depende mais da vontade do médico do que da mulher.

Dilma não contempla nenhuma mudança para essa situação. Aliás, desde sua eleição, como parte dos acordos como a base aliada, inclui não apresentar nenhum projeto que avance na legalização desse direito à mulher. Pior, o programa Rede Cegonha, criado com o argumento de proteger a maternidade, fecha os olhos para as centenas que morrem vítimas de abortos mal sucedidos. Esse mesmo projeto ainda previa um cadastro de grávidas (MP 557), facilitando a identificação das que fizessem aborto. Felizmente, a luta das mulheres obrigou o governo a não renovar a MP.

Fechar os olhos para os inúmeros casos de abortos clandestinos, ignorando as mulheres que morrem vítimas deles é não defender a vida, mas sim ser conivente com a morte. É também ser conivente a um dos negócios mais lucrativos do país, a indústria clandestina do aborto. Para derrotar essa indústria e garantir a vida das mulheres, é preciso legalizá-lo. E, junto com isso, são importantes medidas para evitá-lo, com amplas campanhas de educação sexual, distribuição de contraceptivos gratuitos e sem burocracia.

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