Jeferson Choma, da redação
Dercy Teles é uma figura história do movimento seringueiro. Foi uma das primeiras mulheres a presidir um sindicato de trabalhadores rurais no Brasil. Nessa entrevista ela conta um pouco dessa história, explica como está a situação atual dos seringueiros da RESEX Chico Mendes, criada em 1990, e nos dá uma aula sobre como resgatar a memória e o legado do líder seringueiro.
Leia o 1º artigo: 30 anos sem Chico Mendes: O sonho socialista na Amazônia
Leia o 2º artigo: Um socialista revolucionário na selva
Leia o 3º artigo: Uma reforma agrária sem a posse privada da terra
Leia o 4º artigo: Um modelo de preservação ambiental criado pelos “de baixo”
Dercy, há 30 anos Chico era assassinado. No entanto, os seringueiros continuaram com sua luta e conquistaram as Resex. Mas muita coisa mudou nessas três décadas. O que mudou?
Dercy – O que mudou nessas três décadas é que toda proposta original da Reserva Extrativista Chico Mendes foi modificada, sem a participação dos moradores da Reserva. Por exemplo, o primeiro Plano de Utilização (que define as regras da RESEX) teve a participação dos moradores, foi uma construção coletiva. A partir da Lei do SNUC (LEI 9.985/2000), esse Plano de Utilização foi modificado gradativamente através de normativas feitas em Brasília no escritório do Ibama, e depois o ICMBio, que acabou com a autonomia dos moradores da reserva sobre o seu território.
Hoje existem uma série de normas que inviabilizam a vida dos seringueiros. A Reserva é extrativista, porém, não tem como viver somente do extrativismo e a norma pra outras atividades, chamadas de complementares, só podem ser usadas 30 hectares da área da colocação (em média de 300 ha), que inclui a roça, ou pasto pra criação.
Outra coisa que mudou foi a exploração madeireira (na RESEX), uma atividade extremamente predatória em todos os sentidos. Tanto a nível ambiental, como pessoal. É uma atividade que não tem nenhum estudo cientifico que garanta a sua sustentabilidade.
Agora, no apagar das luzes do governo (após 20 anos no poder, o PT perdeu as eleições para Gladson Cameli, do PP), as empresas cortaram uma infinidade de árvores, transportaram parte delas e outras estão jogadas lá no meio da floresta. Os donos das Colocações, onde essas árvores foram retiradas, até segunda-feira passada (dia 10/12), não tinham recebido um centavo sequer, apesar de receberem apenas R$ 60 por metro cúbico de madeira. Veja, a gente compra uma dúzia de madeira em Rio Branco por R$ 400.
O Chico, com certeza, não concordaria com uma atividade dessas e jamais apoiaria uma exploração dessa com a sua classe.
Você foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Xapuri antes do Chico. Conte um pouco essa história
Dercy – Fui presidente do sindicato (STR de Xapuri) antes do Chico Mendes, entre os anos de 1981-82, quando tinha apenas 24 anos de idade.
Foi uma experiência fantástica, pois eu quebrei o paradigma de duas ditaduras: a ditadura militar e a ditadura dos homens, que era o machismo. Naquela época, o sindicato era um espaço extremamente masculino e as mulheres só poderiam se filiar se ela fosse viúva, quando eram consideradas chefes de família.
Fui presidente do sindicato num momento em que era extremamente delicado, perigoso e arriscado, pois era na ditadura onde a repressão era muito forte. Existia também muita perseguição por parte dos novos donos das terras, que perseguiam os seringueiros pra desocupassem as Colocações e dar lugar à pastagem e ao gado de corte.
Sobrevivi a tudo isso, não foi fácil, mas descobri uma estratégia que era me esforçar pra adquirir conhecimento sobre as causas da luta e me nivelar no debate com os homens. O restante dos sindicatos todos tinha presidentes homens e nas reuniões que a delegacia da CONTAG realizava eu era a única mulher que fazia parte da mesa como presidente.
Passei por alguns constrangimentos como assédio, mas consegui sobreviver com dignidade e conduzi o sindicato com muita honestidade conquistando a credibilidade dos trabalhadores.
Qual é o principal legado do Chico? E como resgatá-lo?
Dercy – O principal legado do Chico era o respeito e a responsabilidade pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadores rurais de Xapuri. Como resgatá-lo? Isso é uma incógnita no momento.
Nós estamos tentando fazer isso. Inclusive, ontem, dia 15, fizemos uma caminhada de protesto até o túmulo dele pra mostrar para a sociedade que tem gente sim lutando para manter vivo os ideais do Chico Mendes. Não é isso que o governo propagandeia. Eles montaram uma megaestrutura aqui em Xapuri (o evento oficial sobre os 30 anos sem Chico) para eles discursarem pra eles mesmo. Você procura um trabalhar e não tem.
A gente vem tentando resgatar esse legado a partir dessas pequenas iniciativas que fizemos ontem.
Não é fácil resgatar tudo aqui que foi destruído no decorrer de 20 anos. Inclusive, na última entrevista que o Chico concedeu ele denunciava as madeireiras. E que o governo fez foi de implantar a exploração madeireira dentro da Reserva.
Quando estávamos na direção do sindicato a gente conseguiu que eles parassem. Mas depois que eles voltaram para o sindicato (hoje o STR é filiado à CUT), eles conseguiram retomar o corte de madeira. Eu conversei com um morador da Reserva que estava revoltado. A madeira que eles cortaram tá toda jogada lá no meio da floresta.
Se o Chico Mendes, vivo fosse, jamais concordaria com uma atividade predatória dessa. Assim como eu não concordo e como muitos outros que conviveram com ele também não concordam.
O resgate da sua memória é uma questão de luta que a gente iniciou em 2006 e vamos permanecer nessa luta até quando Deus permitir.
Leia o 1º artigo: 30 anos sem Chico Mendes: O sonho socialista na Amazônia
Leia o 2º artigo: Um socialista revolucionário na selva
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Leia o 4º artigo: Um modelo de preservação ambiental criado pelos “de baixo”