Divisão entre “monetaristas” e “desenvolvimentistas” semeia ilusões de que o governo Lula possa mudar a política econômica em um segundo mandatoUm dia após a reeleição do presidente Lula, o ministro Tarso Genro proclamou o fim da “Era Palocci” na economia. Setores da esquerda e a própria imprensa burguesa tomaram a declaração como uma guinada “desenvolvimentista” para o segundo mandato de Lula. Segundo a imprensa, Tarso falou em nome de todo um setor do governo – Dilma Rousseff, Guido Mantega, Marco Aurélio Garcia, entre outros – que defende a promoção de maiores taxas de crescimento econômico.

A declaração provocou a reação dos setores chamados “monetaristas” do governo, ou seja, os representantes das alas que defendem maiores cortes fiscais, manutenção das taxas de juros etc. Depois da reação do mercado financeiro, Lula entrou em ação e disse que nada mudará na sua política econômica e defendeu seu ex-ministro: “O que acontece hoje na economia teve início com Antonio Palocci” – e completou – “A decisão [da economia] é do presidente da República, não do Palocci”.

Nova roupa esfarrapada
O suposto embate entre os ministros do governo reviveu a velha história do “governo em disputa”. Setores da esquerda reformista voltaram a dizer que existem profundas diferenças entre a ala “monetarista” (vinculada aos bancos e que defende a manutenção do atual rigor fiscal) e “desenvolvimentista” (supostamente aliada ao setor “produtivo” da burguesia brasileira). Restaria à esquerda, após derrotar o PSDB, aliar-se aos últimos para fazer com que Lula siga mais à esquerda no seu segundo mandato.

É a volta da política do “governo em disputa”, que já se demonstrou desastrosa neste primeiro governo Lula, e será seguramente ainda mais nociva no segundo mandato. O governo não teria um caráter definido, sendo possível então pressioná-lo para a esquerda e para a direita. Se os trabalhadores se mobilizassem apoiando uma ala “progressista” e desenvolvimentista, seria possível realizar transformações sociais à esquerda. Se no primeiro mandato prevaleceu a direita paloccista, agora no segundo mandato seria possível outra política econômica.

Um dos defensores dessa política é Emir Sader: “Comemoremos, mas juremos nunca mais deixar que o nosso governo se desvie do caminho do desenvolvimento econômico e social, das políticas de universalização dos direitos, (…) Dessa luta depende o segundo governo Lula” escreveu. Para ele, a falta de mobilização popular para disputar o governo é que levou Lula a se “desviar”…

Gilmar Mauro, da direção do MST, em entrevista ao portal Carta Maior, apontou para a mesma política: “Acho que o resultado da urna é evidente. Se Lula quiser aprender com isso, acho que vai ser muito importante. Porque, mesmo tendo feito o que fez no primeiro mandato pelo grande capital, viu-se que um setor da classe dominante tem um preconceito de classe feroz, e que no final das contas o apoio mesmo, o mais significativo, veio dos pobres deste país. Se isso significar alguma coisa para Lula, vai ser importante e vai contar com nosso apoio.”

Na verdade, não existe nenhum setor do governo Lula que responda aos interesses dos trabalhadores. Existem representantes diretos da burguesia, como Meirelles (BankBoston) ou Furlan (Sadia). Os membros do governo que foram dirigentes sindicais – como Marinho ou o próprio Lula – não cumprem a tarefa de representar os interesses dos trabalhadores, mas de convencer os trabalhadores das propostas da burguesia. De conjunto, o governo serve à política do grande capital, em particular das multinacionais e dos banqueiros. Os setores da esquerda que aceitaram esta postura do “governo em disputa” foram no primeiro mandato os que levaram a CUT, a UNE e o MST a serem braços do governo no movimento de massas. Na verdade, não disputaram nada, serviram ao governo para frear as lutas. E isso serviu como cobertura para sua adaptação ao aparato do Estado, para o recebimento de grossas somas de dinheiro para CUT, UNE e MST.

Variações sobre um mesmo tema
Existe um outro equívoco nesta história de achar que existe um capital “progressivo e produtivo”, e um ruim, que são os especuladores e os bancos.

O capital financeiro é a somatória do capital bancário e do industrial. Os burgueses “produtivos” das indústrias estão profundamente ligados aos bancos por laços financeiros e acionários. Ou seja, os “produtivos” são também “especuladores”.

No fundo, as diferenças no interior do governo refletem apenas posições distintas de frações da burguesia brasileira sobre a economia. Não estão sendo debatidos os pilares fundamentais do atual plano econômico neoliberal porque todos têm acordo em mantê-lo. O que se discute é qual das frações da burguesia brasileira (financeira, comercial ou industrial) vai ganhar mais, e quanto. A disputa é entre aqueles que desejam uma diminuição tímida das taxas de juros – para elevar um pouco mais a ínfima taxa de crescimento, aproveitando um pouco mais das migalhas do crescimento econômico mundial – ou aqueles que querem mantê-las para garantir um maior nível de confiança aos “investidores” estrangeiros.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega (considerado um “desenvolvimentista”), é visto, por exemplo, com mais simpatia por industriais exportadores porque “sem alterar a ortodoxia da política econômica, fez algumas concessões à industria, como a redução da TJLP [juros], desoneração tributária e mudanças na legislação cambial” (Valor Econômico, 02/11).

Nesse sentido, as disputas entre os ministros do governo do PT são semelhantes às que ocorriam entre os ministros de Fernando Henrique Cardoso. Na época, as diferenças entre José Serra (Saúde) e Pedro Malan (Fazenda) sobre as taxas de juros não significavam um questionamento do plano econômico neoliberal.

Todos os membros do governo petista têm acordo em manter a “ortodoxia”, ou seja, continuar com a política de pagamento de juros aos credores da dívida pública (superávit primário), metas de inflação, livre valor do dólar e juros altos para engordar os cofres dos banqueiros internacionais.

A política econômica de Lula para o próximo ano será ainda pior, com a manutenção do superávit primário e, conseqüentemente, o arrocho salarial, e ainda com a reforma trabalhista e da Previdência. Sobre isso, todos esses senhores (sejam os “desenvolvimentistas” ou “monetaristas”) possuem um grande acordo. A meta do superávit primário obviamente não será alterada e bilhões continuarão sendo cortados do orçamento da saúde, educação, reforma agrária para pagar as dívidas e engordas os bolsos dos banqueiros.

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