Gregos castigaram partidos que destruíram o país durante seis anos

Superando as previsões das pesquisas, Syriza obteve 149 das 300 cadeiras do Parlamento nas eleições gregas

 
Superando a vantagem eleitoral anunciada há meses pelas pesquisas, o partido Syriza foi amplamente vitorioso nas eleições gregas.
 
O partido Nova Democracia (ND), do atual primeiro ministro Andonis Samarás, principal executor dos duríssimos ataques econômicos à população, exigidos pela Troika (União Europeia, Banco Central Europeu e FMI) em troca de dois resgates de 240 bilhões de euros, foi o grande derrotado.
 
Um novo cenário com novos atores políticos se abriu. As urnas desferiram um duro golpe contra os principais partidos tradicionais: ND e o socialdemocrata PASOK, que, após ser protagonista da política grega durante quatro décadas, foi reduzido a 4,6% dos votos (13 cadeiras).
 
O resultado eleitoral expressa uma vitória política do povo trabalhador grego. O voto de milhões de gregos em Syriza foi, fundamentalmente, uma forma de castigar os partidos e líderes que, a serviço da Troika e do capital financeiro alemão, destruíram o país durante os últimos seis anos.
 
O voto em Syriza significa um rechaço legítimo a uma situação econômica desastrosa, marcada pela queda de 25% do PIB em cinco anos; o desemprego de um quarto da população em geral e de mais da metade da juventude em particular; um terço da população na pobreza; uma dívida externa colossal, que representa 177% do PIB [1], vista como impagável pela maioria e que não para de crescer apesar dos ajustes cada vez mais duros que os governos servis impuseram ao povo grego [2].
 
A opção a Syriza nas urnas deve ser interpretada como um basta aos chamados planos de austeridade e a seus partidos que, como se sabe, a classe operária e o povo grego enfrentaram desde suas primeiras medidas, protagonizando mais de 30 greves gerais e outras inumeráveis lutas desde o início da crise capitalista e a consequente guerra social impulsionada pela Troika contra os povos europeus.
 
É por isso que a campanha de Samarás, sustentada pelo medo, quase pelo terror, que insistiu em que se votasse nele ou sobreviria o caos, foi um fracasso. Depois de seis anos de austeridade, desemprego, fome, destruição dos serviços públicos, “impostaços” [3], 45% de aumento dos suicídios e humilhações de todo tipo, a maioria do povo entendeu que o caos havia se instalado há muito e que o maior medo era que tudo continuasse como estava até agora.
 
Foi nesse contexto que o discurso de Tsipras cresceu. Ele afirmou que “a austeridade não está consagrada por nenhum tratado europeu” e prometeu “recuperar a dignidade nacional” dos gregos. Syriza apareceu como o novo e se fez depositário da justa esperança de um povo que sente que não tem muito mais a perder.
 
O crescimento eleitoral meteórico de Syriza, entre 2009 e 2015, foi de 5 a 36% dos votos. Isso se explica, por um lado, pela crueza da crise econômica e pelas medidas draconianas dos sucessivos governos e, por outro lado, pela ausência de uma alternativa política revolucionária com ampla simpatia da classe operária. Ao mesmo tempo, o resultado eleitoral grego expressa um novo momento para os partidos ditos anticapitalistas e a esquerda da socialdemocracia tradicional e dos partidos conservadores, como é o caso de Podemos no Estado espanhol, que poderia capitalizar eleitoralmente uma situação econômica e um descontentamento social similar em seu país.
 
O que será o governo de Syriza?
Entendemos a alegria sentida neste momento pela maioria do povo grego. Este sentimento é justo e representa a emoção de saber-se vitorioso contra Merkel e os credores da Troika, uma vez que derrotou o seu candidato.
 
Mas entender as ilusões no novo governo não exige apoiar tais ilusões. Como expressamos numa declaração durante a campanha eleitoral, a LIT-QI entende que uma verdadeira mudança exigiria que Syriza abandonasse sua política de acordos com o capital financeiro e aplicasse um programa de ruptura com o euro e a Troika, o que, para nós, é a única saída realista para que o povo grego supere a ruína a que está submetido.
 
Tsipras dedicou boa parte de sua campanha eleitoral para tranquilizar os mercados e apresentar-se como confiável diante da Europa capitalista. Reiterou que seu objetivo, quando muito, é renegociar os prazos e juros da dívida que estrangula a economia do país. O vencedor das eleições defende perdoar uma parte da dívida nominal e honrar o restante de acordo com o crescimento do país. Ou seja, a proposta de Syriza é que o povo grego siga pagando a dívida aos banqueiros alemães e à Troika.
 
Seguindo este roteiro, os primeiros passos de Syriza vão em sentido oposto às aspirações populares. Mal se anunciou o resultado eleitoral e veio a público o acordo para formar o governo entre Syriza e o partido Gregos Independentes (ANEL, que obteve 4,7%, com 13 deputados), uma agremiação burguesa contrária à austeridade, mas com um programa nacionalista de direita e um discurso anti-imigrantes [4]. A aliança com ANEL, um partido dirigido por um caudilho como Kammenos, procedente do ND, muito unido à Igreja ortodoxa e com um programa conservador reacionário, anuncia um curso oposto às expectativas de uma verdadeira mudança social.
 
Nas redes sociais, são várias as queixas de ativistas que surgem (pela legalização do casamento homossexual ou do movimento LGBT), temendo que Syriza abandone suas reivindicações para manter o pacto com a direita.
 
Outro fato é que, horas depois da vitória eleitoral, altas figuras do Syriza, como o deputado Yanis Varufakis, possível novo ministro das Finanças, disseram que houve “um pouco de pose da nossa parte” e que o “‘Grexit’ [saída da Grécia do Euro] não está à mesa, não vamos ir a Bruxelas ou Frankfurt com um enfoque de confrontação” [5]. Varufakis afirmou que o que buscam é “conectar nossos pagamentos com o crescimento”, algo que considera positivo para as duas partes.
 
Não está clara a postura que assumirá a Troika diante do triunfo de Syriza. O segundo programa de ajustes acaba em 28 de fevereiro, prazo para o novo governo solicitar a última parte desta ajuda, correspondente a mais 18 bilhões de euros. O que fará Syriza? Que margem existe inclusive para a famigerada reestruturação? A realidade revelará estas questões.
 
Por enquanto, a diretora do FMI, Christine Lagarde, disse, em entrevista publicada nesta segunda-feira no jornal Le Monde, que “há regras internas a cumprir na zona do euro” e que “não podemos criar categorias especiais para determinados países” [6].
 
O presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, também advertiu que o país heleno “não pode prescindir do apoio de um programa de ajuda, e um programa deste tipo só pode se dar quando cumprem-se os acordos”. Contudo, também existem setores que sustentam a necessidade de reestruturar prazos, na perspectiva de não forçar a situação política e garantir a continuidade do saque sem convulsões desnecessárias.
 
Demonstrando isso, há as declarações do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que assegurou há apenas um mês que em Bruxelas: “não gostamos das caras novas”. Porém, nesta segunda-feira, felicitou efusivamente Tsipras por seu êxito eleitoral e lhe ofereceu a assistência do Executivo europeu para alcançar um crescimento sustentável e credibilidade fiscal.
 
Do mesmo modo, o presidente francês, François Hollande, foi, nesta segunda, o primeiro dirigente europeu a felicitar Tsipras, a quem ofereceu seu apoio para “recuperar o caminho da estabilidade, o crescimento e o espírito de solidariedade que une os europeus”.
 
Independentemente das possíveis idas e vindas destas negociações de gabinete, o importante é ressaltar que o caminho da permanência nos moldes da UE e o pagamento renegociado à Troika não têm nada a ver com as esperanças de mudança que a maioria do povo depositou em Syriza. Ao contrário, isto só poderá trazer desilusão em amplos setores que hoje veem o Syriza como uma alternativa para melhorar suas vidas.
 
A única confiança é na luta dos trabalhadores e do povo grego
A chegada de Tsipras e Syriza ao governo coloca, tanto à esquerda revolucionária grega quanto à esquerda mundial, a escolha entre apoiar politicamente este governo e propagar as esperanças nele, ou seguir lutando para manter a independência política e a mobilização permanente da classe trabalhadora, como única garantia de transformação social.
 
A primeira opção significa garantir a paz social ao novo governo. A segunda, implica não baixar a guarda, depositar as únicas esperanças de mudança na luta operária e popular e exigir do novo governo um plano de resgate aos trabalhadores e o povo, que lhes garanta o emprego, salários dignos, educação e saúde públicas de qualidade, aposentadorias com as quais se possa viver e direito à moradia. A defesa da soberania nacional implica exigir do novo governo que recupere os recursos econômicos e financeiros pela recuperação e nacionalização de todas as empresas privatizadas; a expropriação sem indenização das indústrias e empresas, com controle operário, e a nacionalização do sistema financeiro, imprescindível para aplicar um plano de emergência social.
 
Trata-se, em essência, de exigir o atendimento às reivindicações pelas quais os trabalhadores e o povo grego se mobilizaram, realizando 30 greves gerais nestes anos. Trata-se de exigir aquilo pelo que se votou: uma verdadeira transformação social.
 
Encerrada a campanha eleitoral, o governo de Tsipras deverá optar entre aplicar um plano de resgate aos trabalhadores e o povo ou pagar a dívida dos banqueiros e especuladores. Ficar com os trabalhadores e o povo grego ou com a Troika. Este é o dilema do qual nem as frases engenhosas nem os significantes vazios podem escapar.
 
A campanha eleitoral, os contínuos giros pragmáticos da direção do Syriza, os primeiros passos dados conformando o governo com a direita apontam que o governo de Tsipras não será um governo que responderá aos interesses da classe operária e do povo pobre da Grécia.
 
Por isso, a LIT-QI, respeitando as ilusões dos trabalhadores e do povo grego e compartilhando a alegria de derrotar os ladrões e picaretas de sempre, não deposita nenhuma confiança política no novo governo. Nossa confiança e nossas esperanças continuam depositadas na luta dos trabalhadores e do povo grego pelas mesmas exigências que mantêm nestes anos.
 
Faltar às esperanças de mudança manifestadas nestas eleições, junto à continuidade de uma crise econômica e social brutal como a vivida pela Grécia, como demonstrado por outros exemplos históricos, é abrir caminho a partidos diretamente fascistas que defendem um programa de ruptura com o euro e a Troika, mas a partir de uma perspectiva xenófoba, ultranacionalista e de extrema direita, como faz Aurora Dourada, que foi o terceiro partido mais votados, com 6,2% de votos, garantindo 17 cadeiras.
 
Assim, a grande tarefa é trabalhar pela organização e independência política da classe operária, confiando nas suas próprias forças, na enorme capacidade de mobilização que o povo grego demonstrou nos últimos anos. Neste marco, deve-se construir uma organização revolucionária no país.
 
Como a catástrofe social não dá um só dia de trégua, a classe operária e a esquerda revolucionária grega não devem dar um só dia de graça ao novo governo sem exigir dele aquilo pelo qual foi votado. Queremos uma transformação social, queremos que se aplique na Grécia o único plano de resgate que está faltando, o dos trabalhadores e do povo.
 
 
NOTAS:
[1] A dívida grega supera 320 bilhões de euros, dos quais 240 bilhões pertencem a credores de países europeus.
 
[2] Segundo o último Eurobarômetro da Comissão Europeia, 38% considera que a situação econômica já chegou ao limite e não pode ficar pior.
 
[3] Em 2013, os impostos representavam quase 42% do que ganhava uma pessoa com um salário médio.
 
[4] Fonte: http://observador.pt/2015/01/26/gregos-independentes-quem-e-o-novo-parceiro-syriza
 
[5] Fonte: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2015/01/26/syriza-diz-que-partido-nao-buscara-o-confronto-e-descarta-saida-do-euro.htm
 
[6] Fonte: http://www.europapress.es/internacional/noticia-syriza-ganado-eleccionesy-ahora-20150126143632.html
 
 
Tradução: Deborah S.