No dia 23 de setembro, o presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Mahmud Abbas apresentou a ONU (Organização das Nações Unidas) o pedido de reconhecimento de um Estado palestino (com as fronteiras prévias à guerra de 1967) e o direito a ocupar um assento permanente na Assembleia Geral deste organismo internacional.

Este pedido tem gerado uma crise na ONU e na política internacional pois, além da negativa do governo israelense de Benjamín Netanyahu em realizar o debate, Barack Obama, presidente dos EUA, anunciou que seu país vetará o pedido na Assembleia Geral, caso haja votos necessários para isso no Conselho de Segurança. Este Conselho tem 15 membros: 10 são rotativos a cada dois anos e cinco são fixos (EUA, Inglaterra, França, Rússia e China) com direito a veto. Para que um tema vá à Assembleia, a proposta deve conseguir nove votos no Conselho e não ser vetada.

Contexto atual
Por que vemos essa situação? Por que um agente de Israel e do imperialismo, como é Abbas, tem criado uma situação de aparente enfrento no terreno diplomático? Por que o governo de Netanyahu se opõe terminantemente a essas negociações? Qual é a razão de Obama, que até pouco tempo atrás “cogitava” a proposta de negociar a criação de um Estado palestino com as fronteiras de 1967, mas agora se opõe a ela? E, finalmente, qual deve ser a posição dos revolucionários diante do pedido de Abbas?
Para responder a estas perguntas, devemos ver dois processos centrais do atual contexto político. Em primeiro lugar, a profunda onda revolucionária que avança no mundo árabe, e que tem entrado com muita força no povo palestino. Assim foi expresso nas grandes mobilizações nos territórios da ANP (Gaza e Cisjordânia). Especialmente entre os de exilados que vivem nos países fronteiriços com Israel (Líbano, Jordânia Síria e Egito). Em maio, os exilados lembraram-se do dia da “nakba” (“catástrofe”, data da criação do Estado de Israel) em que foram expulsos de sua terra. Marcharam para as fronteiras israelenses reivindicando o direito de volta e a recuperação do território palestino histórico.

Em segundo lugar, é o fato de Israel (um enclave colonial e militar do imperialismo) viver hoje o maior isolamento e sua maior crise. Tal situação é resultado da combinação entre sua política abertamente racista e genocida contra os palestinos, o desenvolvimento da revolução árabe e as próprias contradições que começam a surgir entre a própria população judia israelense.

Suas fronteiras, antes mais seguras pelos acordos explícitos ou implícitos com os governos árabes, hoje estão ameaçadas pela revolução. No Egito, Mubarak (grande aliado de Israel) caiu, e agora a junta militar tenta cavalgar sobre uma revolução e se viu obrigado a abrir a fronteira de Rafah com a Faixa de Gaza. Lembremos que, recentemente, milhares de egípcios tomaram enraivecidos a embaixada israelense no Cairo. Síria também se incendeia com a luta contra o regime dos Assad. Para piorar as coisas, a Turquia, outro tradicional aliado de Israel no mundo muçulmano, rompeu relações diplomáticas pelo ataque israelense ao barco turco Frota da Liberdade, que levava alimentos e medicamentos para Gaza. Na ação morreram nove turcos.

Razão as posições atuais
Há tempos denunciamos Abbas e a direção da o Fatah por terem se transformado em agentes de Israel e o imperialismo dentro do povo palestino. Os acordos ocasionaram um enorme desprestigio e desgaste político, expressos na perda da Faixa de Gaza para o controle de Hamas. Para piorar a situação de Abbas, as revoluções árabes (e sua expressão dentro do povo palestino) aprofundaram esse desgaste. Sem nada para oferecer, Abbas percebeu que isso ameaçava seu governo, que poderia ser varridos pelos palestinos que lutam contra Israel.

Nesse contexto, Abbas iniciou uma “relocalização” política. Por um lado, assinou, em maio, o “acordo de reconciliação” com o Hamas. Depois, apresentou a ONU, contra a opinião de Israel e do imperialismo, o pedido de reconhecimento do Estado palestino. A jogada começa a dar resultado, pelo menos na Cisjordânia: milhares de palestinos festejaram nas ruas o pedido. E Abbas, depois do discurso na ONU, foi recebido, por milhares de palestinos com grande entusiasmo. Em outras palavras, para continuar sendo um agente de Israel e do imperialismo, com verdadeiro peso popular e não ser varrido pela mobilização, Abbas precisou fazer uma jogada que os enfrente, pelo menos em terreno diplomático.

No caso do governo de Netanyahu, ele sabe que, no futuro, possivelmente deverá aceitar a abertura das negociações para a criação de um Estado palestino. Mas quer postergar essa negociação para que possa chegar nas melhores condições possíveis, ou seja, depois de completar seus planos de avanças as colônias judaicas em Jerusalém, se apropriando de toda a terra possível de Cisjordânia e derrotar a Hamas na Faixa de Gaza.

No mesmo tempo, seu governo não pode aceitar esse debate na ONU e nem as negociações. Para Netanyahu isso representaria o fim de sua coalizão dirigente e a ruptura da aliança com os setores mais à direita de seu governo, como o ministro de Relações Exteriores, Avigdor Lieberman e seu partido Yisrael Beytenu, expressão dos imigrantes de origem russo que ocupam as colônias na Cisjordânia.

Por sua vez, o governo de Barack Obama tenta responder a uma situação de relação de forças, mundial e regional, desfavorável para o imperialismo. Uma situação marcada pela derrota militar no Iraque e o pântano no Afeganistão, que foi agravada pela revolução árabe. Obama Tenta procurar respostas por meio de pactos e negociações que buscam de defender os interesses estratégicos dos EUA na região.

Na Palestina, Obama tratou de desativar (ou postergar) a “bomba relógio” em curso, antes que ela exploda com força. Por isso, durante meses “cogitou ” a proposta de criação de um mini-Estado palestino, a abertura de negociações e pressionou o governo de Netanyahu para aceitá-la. Também pressionou Israel para que faça algumas concessões (como a redução das colônias na Cisjordânia ou o fim do bloqueio a Gaza). Assim, poderiam se tornar mais “confiáveis” e permitiriam que a Abbas (e inclusive o próprio Hamas) mostrar que se poderia avançar por meio delas.

Mas a negativa do governo de Netanyahu impossibilitou essa alternativa táctica. O que obrigou Obama a respaldar a posição de seu “aliado estratégico” na região. Com isso, o governo de Obama se desgasta ainda mais no terreno internacional, pois surge, aos olhos dos povos árabes, como a mesma posição de Israel, sem nenhuma possibilidade de se oferecer como “mediador” ou “fiador” de um processo de negociação.

Qual deve ser a posição dos revolucionários?
A proposta apresentada por Abbas é acolhida com grande simpatia e expectativas no mundo árabe. É lógico que, apesar de seu caráter limitado, após tantos anos de sofrimentos e de não contar com seu próprio país, o povo palestino vê na criação de um Estado não uma “solução ideal e mais justa”, mas como um passo adiante, um ponto de apoio para seguir avançando.

No entanto, é preciso dizer com clareza que essa proposta (no marco da chamada solução dos “dois Estados”, um palestino e outro judeu) significa um abandono da reivindicação histórica do povo palestino de construir uma Palestina Única, Laica, Democrática e Não Racista, em todo o território histórico de Palestina.

A proposta de Abbas significa que esse Estado tenha as fronteiras anteriores à guerra de 1967. Ou seja, um território compreendido pela Faixa de Gaza, Cisjordânia e parte leste de Jerusalém. Isto significa pouco menos de um terço de território histórico. Neste sentido o conteúdo da proposta significa:

a) Legitima a existência de Israel como enclave colonial militar imperialista. A usurpação de dois terços do território palestino e a expulsão de grande parte do povo palestino de seu país e de suas terras, sancionada com a criação de Israel em 1948 pela ONU.

b) Criaria um Estado quase sem viabilidade econômica e sem nenhuma soberania militar, já que, segundo a TV Al jazeera, Abbas teria aceitado que o novo Estado não possua Forças Armadas próprias e, inclusive, que suas fronteiras sejam custodiadas por uma força militar da OTAN.

c) Sanciona a definitiva divisão do povo palestino em três setores: os que vivem dentro das fronteiras de Israel; os que vivem nos territórios do futuro Estado e os cinco milhões de exilados que verão liquidado seu direito a retornar, pois não há nenhuma possibilidade de recuperar suas terras roubas e o novo Estado palestino não lhes oferecerá nenhuma possibilidade objetiva (nem econômica nem terras) para que se criem raízes no novo território.

Dessa forma, a criação desse Estado não resolverá a situação do povo palestino. Por isso, a LIT-QI reivindica a bandeira de fundação da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e afirma que é necessária a destruição do Estado nazista-sionista de Israel, como condição indispensável para que exista paz na região. Israel é um Estado genocida, um enclave policial dos interesses imperialistas na região.

Afirmamos que Abbas, Al Fatah e a ANP são uma direção absolutamente entreguista, que trai as bandeiras históricas de seu povo. Afirmamos também que a ONU é um “covil de bandidos”, que defende o imperialismo e Israel.

No entanto, inclusive com todas as limitações que tem a reivindicação realizada por Abbas, hoje o imperialismo norte-americano e Israel se opões a proposta. Sua votação na ONU seria uma derrota política para eles.

Por isso, sem mudar nem um milímetro nossa posição sobre os “dois Estados”, nem sobre o caráter da ONU, defendemos o direito do povo palestino de exigir essa votação na Assembleia Geral das Nações Unidas, e vamos apoiar toda mobilização desse povo por essa exigência. Essencialmente, defendemos o direito ao reconhecimento da nação palestina para ocupar um lugar permanente nesse organismo. Estamos pela derrota da posição de EUA e Israel, que tentam impedir a votação na assembléia, pois isso reforçaria o espírito de luta do povo palestino e das massas árabes, e debilitará relativamente seus inimigos.

Mas insistimos: não será a partir da ONU e de suas resoluções que se conseguirá a vitória. Ela virá por meio da continuidade e o aprofundamento das lutas do povo palestino e das massas árabes, que devem defender bandeira original da antiga OLP: a luta pela destruição do Estado de Israel e a construção de um Estado Palestino laico, democrático e não racista, em todo o território histórico de Palestina.

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