Manifestação repudiou machismo na Uniban
Kit Gaion

Por causa de um vestido, a aluna Geyse Arruda foi julgada pela primeira vez pelos alunos da Universidade Bandeirante (Uniban) e por pouco não foi apedrejada. Neste domingo, ela foi declarada culpada novamente. Desta vez, pela própria universidade, que tomou uma atitude digna da inquisição. Um informe publicitário publicado nos principais jornais de São Paulo informava que Geyse seria expulsa, e culpava-a, “por faltar com a moralidade”.

No fim da tarde desta segunda, 9 de novembro, centenas de pessoas se reuniram em frente ao campus. Eram representantes de entidades sindicais e estudantis, partidos, ONGs, trabalhadores e estudantes que foram até lá para prestar solidariedade e, principalmente, protestar contra as atitudes grotescas dos alunos e da própria universidade.

Durante o ato, os manifestantes receberam a notícia de que a Uniban havia recuado de sua decisão de expulsar a vítima. O anúncio, no entanto, não foi suficiente para acabar com a manifestação. O fato já estava consumado e a Uniban já tinha legitimado o machismo e a selvageria protagonizados por seus alunos. Nada apaga isso.

Dentro do campus, alguns alunos defendiam a instituição. Separados dos manifestantes por uma grade, vaiavam as falas no carro de som e gritavam “Fora! Fora!”.

A imprensa compareceu em peso. A apresentadora Sabrina Sato, do programa Pânico, usava um microvestido rosa, em alusão ao de Geyse. Os alunos machistas da Uniban, não a atacaram da mesma forma que à Geyse, mas a cercaram e gritaram “Fica! Fica!”. Natural, para quem considera a mulher um pedaço de carne a ser consumido.

O recuo
A nota em que a Uniban revê a expulsão de Geyse é direta: “O reitor da Universidade Bandeirante – Uniban Brasil, de acordo com o artigo 17, inciso IX e XI, de seu Regimento Interno, revoga a decisão do Conselho Universitário (CONSU) proferida no último dia 6 sobre o episódio do dia 22 de outubro, em seu campus em São Bernardo do Campo. Com isso, o reitor dará melhor encaminhamento à decisão”. Ao contrário da nota de expulsão.

“A educação se faz com atitude e não com complacência” é o título da nota inusitada, que diz que Geyse teve uma atitude provocativa. A Uniban, que está sendo chamada de “Unitaleban” amplamente na internet e entre os movimentos sociais, justificou: “[a atitude provocativa] buscou chamar atenção para si por conta de gestos e modos de se expressar, o que resultou numa ação coletiva de defesa do ambiente escolar”.

Perplexidade
Poucos fatos geram tanta unidade como gerou o caso Geyse. Não fosse por uma minoria de alunos que se sentiram maculados pela repercussão, a posição de rechaço a esta violência teria sido unânime.

Perplexidade talvez seja a melhor palavra para classificar o fato de setores tão diferentes terem se manifestado a favor de Geyse. Houve, é claro, um oportunismo da imprensa, que a levou a programas sensacionalistas bizarros que preenchem (ou esvaziam) as tardes semanais. Mas até a grande imprensa foi obrigada a reconhecer o absurdo retorno à Idade Média promovido pela Uniban.

As organizações feministas, evidentemente, foram as primeiras a se manifestar. A Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) e a Assembleia Nacional de Estudantes Livre (Anel) divulgaram uma nota conjunta em que afirmam que “ao invés de questionar a vestimenta da estudante, os estudantes deveriam questionar a mercantilização do corpo da mulher, e ao invés de culpabilizar as mulheres pelas roupas que usam, devem-se questionar os valores impostos na nossa sociedade que levam a manifestações animalizadas”.

Articulistas se manifestaram rapidamente, expressando repulsa, antes mesmo da expulsão. Em artigo intitulado “A culpada é a vítima”, publicado no Observatório da Imprensa, a jornalista Ligia Martins de Almeida relembrou o assassinato de Ângela Diniz por Doca Street, quando ela foi responsabilizada pela própria morte. “Quando parecia que as mulheres vítimas de violência não seriam mais tratadas como culpadas – como ocorreu quando Doca Street matou a socialite Ângela Diniz – acontece o caso de Geisy Arruda, a estudante da Uniban, em São Paulo”, diz Ligia.

O renomado psicanalista Contardo Calligaris também criticou duramente a atitude dos alunos. Em seu blog, pede desculpas às feministas. “Ainda recentemente, pensei (e disse, numa entrevista) que, ao meu ver, o feminismo tinha chegado ao fim de sua tarefa histórica. Em particular, eu acreditava que, depois de 40 anos de luta feminista, ao menos um objetivo tivesse sido atingido: o reconhecimento pelos homens de que as mulheres (também) desejam. Pois é, os fatos provam que eu estava errado”.

A situação, de tão inverossímil, também provocou protestos bem humorados, como o novo apelido da instituição – Unitaleban – e as fotos de burkas que circulam pela internet como o novo uniforme da Uniban. Também não faltam críticas ao responsável de marketing da universidade, visto que a decisão, além de reacionária, foi um tiro no próprio pé.

Até o Ministério da Educação e Cultura (MEC) cobrou explicações da universidade. O Ministério Público Federal instaurou um inquérito para apurar as circunstâncias da expulsão.

Que ambiente estavam defendendo?
Que houve uma reação coletiva, como afirma a nota da Uniban, não há dúvidas. Mas não foi, num primeiro momento, de defesa do ambiente escolar. Foi uma reação violenta a um comportamento: a escolha da jovem por uma determinada roupa. Desta reação, encabeçada pelos homens, participaram também, tristemente, mulheres. Essas últimas deram o sinal verde para que, amanhã ou depois, estes mesmos homens as ofendam e agridam por qualquer motivo.

Num segundo momento, após a repercussão, houve sim uma defesa coletiva da instituição por parte dos alunos. Eles argumentam que a imagem da universidade está sendo manchada por Geyse. Porém só quem pode ter manchado a imagem da universidade são os próprios alunos animalizados, que chegaram a escalar as paredes para ver a moça pela janela da sala. Isso está registrado em vídeos amplamente divulgados.

Estes alunos envergonham a juventude brasileira que, esperamos que, em sua maioria, não concorde com tal barbaridade. Não representam a opinião do conjunto da juventude felizmente. No entanto, há de se pensar até quando isso vai durar. O retrocesso que houve no terreno moral nos últimos dez ou quinze anos é algo a ser estudando. Entre os argumentos pró-Uniban, prevaleceu o individualismo, a vontade egoísta de pegar seu diploma e ir ao mercado de trabalho mesmo que passando por cima de qualquer senso de humanidade.

Quanto à Uniban, esta foi a prova mais concreta da decadência da educação. Longe de uma instituição de ensino de qualidade, que privilegie a formação. Ao contrário do que afirmou na nota paga de domingo, a instituição não tem nenhum “compromisso com a responsabilidade social e a promoção dos valores que regem uma instituição de ensino superior”, a menos que os valores aqui referidos sejam o preconceito, a discriminação, a violência e a violação de direitos humanos.

O único compromisso da Uniban é com o lucro. Universidade só leva no nome, quando não passa de um supermercado de ensino, de uma fábrica de diplomas. É impensável que uma instituição de ensino verdadeiramente preocupada com a educação pudesse concordar e respaldar tais atitudes de seus alunos – no caso da Uniban, clientes.

A propósito, o advogado da Uniban, Décio Lencioni Machado, que responsabilizou Geisy pela sua expulsão, preside a Comissão de Legislação e Normas do Conselho Estadual de Educação de São Paulo. Ele também é conselheiro da Câmara de Educação Superior. Isso mostra a verdadeira relação do Estado com a educação.

Este é o resultado de anos de neoliberalismo, de privatização do ensino, de Fies e ProUnis que disseminam o ensino privado, longe de facilitar o acesso à universidade. E de um modelo de educação voltada para inculcar nas cabeças de seus clientes o que há de pior, ideologicamente, na sociedade. Tudo em nome de um sistema que transforma tudo e todos em simples mercadorias.

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