Na universidade, haitianos escutam e recebem a solidariedade dos brasileiros
Agência Cromafoto

Cartas do Haiti – 2º diaPela manhã, o encontro com o embaixador do Brasil, Paulo Cordeiro de Andrade, e com o comandante das forças da ONU, general Carlos Alberto Santos Cruz. O diplomata é bem mais que um embaixador no Haiti: cumpre tarefas de governo e, dizem aqui, que manda mais que o próprio presidente. Tudo bem ao estilo do que as embaixadas ianques faziam e fazem em vários países.

A reunião é um enfrentamento. Toninho, de São José dos Campos, expõe nossa posição e entrega a carta que trouxemos do Brasil, que exige a retirada das tropas. O embaixador e o general respondem bem preparados. Os outros membros da delegação atacam a ocupação. Nosso jornalista consegue o sinal da própria embaixada no notebook, e coloca o debate no ar, no blog da Conlutas.

O argumento do embaixador é ardiloso: hoje existe mais tranqüilidade no Haiti graças às tropas brasileiras e de outros países, porque as ações das gangues do Lavalas (grupo militar de Aristides, presidente deposto) diminuíram. Trata-se, portanto, de uma ação “necessária”. O que o embaixador-governante esconde é para quem é essa “tranqüilidade”.

Realmente, existem menos ações das gangues, pela repressão violenta ocorrida. Isso era necessário para atrair os “investimentos”, ou seja, para que fosse aplicado um plano econômico neoliberal duríssimo no país.

Isso significa garantir o plano de privatizações recentemente anunciado pelo presidente Préval: privatização da telefônica, da saúde, dos portos e do aeroporto e aumento de quase 40% dos combustíveis.

As tropas brasileiras tratam de garantir a “tranqüilidade” para a burguesia e para os imperialistas. Junto com isto, reprimem as greves como a Larsco, em que os soldados entraram na fábrica para atacar os trabalhadores.

`Reunião

A reunião termina como começou, sem nenhum acordo. Mas ganhamos a divulgação da presença da delegação. A imprensa local começa a nos cobrir.

À tarde, tínhamos marcado uma discussão com os estudantes da Universidade do Haiti. Ao chegarmos, a surpresa: ontem ocorreu um enfrentamento dos estudantes com a polícia local dentro do campus, deixando cinco estudantes feridos. A universidade estava quase vazia e a atividade ameaçada.

A sala tem o nome de Alexandra Kollontai, uma das revolucionárias mais famosas da Rússia de 1917. Os estudantes foram chegando, já são mais de duzentos. A atividade começa.

Toninho, da Conlutas e militante do PSTU, expõe o objetivo da delegação, sendo muito aplaudido. Janira, também da Conlutas e militante do PSOL, descreve a reunião da manhã com o embaixador. Soto, estudante, dirigente da Conlute e também militante do PSTU, bom agitador, levanta a platéia estudantil, sendo o mais aplaudido.

Depois do jantar, ao voltar para o hotel, uma cena incrível: no terraço do segundo andar de um sobrado, uma televisão transmitia o jogo do Brasil contra o México. Umas trezentas pessoas se aglomeram nas calçadas, invadem a rua e obrigam os carros que passam a abrir caminho a buzinaços.

Depois da copa, existe um distanciamento da torcida brasileira com a seleção. Mais ainda com uma seleção como esta, com muitos desfalques. A relação dos haitianos com a seleção, no entanto, é bem diferente, com um entusiasmo que se podia sentir.

Vamos até o hotel, ligamos a TV com uma dupla decepção: não só o México faz dois gols como o locutor é horrível e se resume a dizer o nome dos jogadores com a bola em um tom monocórdico, sonolento, esteja a bola na frente do gol, esteja no meio do campo. Nunca imaginei um dia sentir saudades do Galvão Bueno… Decidimos voltar para rua e assistir ao resto da partida junto com os trezentos haitianos.

A animação é incrível, embora a seleção não ajude. Quando Robinho pega a bola, eles se agitam, aplaudem, torcem em cada ataque. Mesmo com o Brasil perdendo, um deles apostou que a seleção ganharia do México por 5 a 2. Nenhum deles tem sequer uma cerveja nas mãos, pela miséria reinante. No fim, xingam Dunga.

Vendo este entusiasmo, esta torcida mais forte que a brasileira, dá para entender a criminosa jogada de Lula: para bendizer a ocupação militar, trouxe a seleção para jogar no Haiti. Manipula assim uma forte identidade cultural e racial do povo haitiano com o brasileiro a serviço de uma política reacionária.

Mesmo assim, os companheiros de Batay Ouvriére dizem que surgiram pichações que dizem: “Adriano sim, Ribeiro não”. O Adriano é o centroavante de uma seleção que já foi melhor. O Ribeiro citado é o general brasileiro que dirigia as tropas antes do atual.

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