Jeferson Choma

Desde a redemocratização do país, nunca os militares estiveram tão presentes no poder como no governo Bolsonaro. A presença militar se dá em áreas estratégicas do governo, em todos os escalões. A nomeação recente do chefe do Estado-Maior do Exército, general Walter Braga Netto, para a Casa Civil, no lugar de Onyx Lorenzoni, é uma forte demonstração do crescimento do poder dos militares nesse governo. A tendência é o aumento da presença dos milicos, agora com Braga Netto em um cargo chave como é a Casa Civil.

Claro que isso é motivo para preocupação. Afinal, esse governo é campeão em ameaças autoritárias (vide “o novo AI-5”, explanado por Eduardo Bolsonaro) e de elogios rasgados a torturadores e assassinos da ditadura militar. Bolsonaro nunca escondeu que seu verdadeiro projeto é a imposição de uma ditadura ao lado de um modelo econômico colonial e entreguista. O áudio vazado do chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Heleno, durante uma live de Bolsonaro, escancara que o governo quer dar uma guinada autoritária do regime. “Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se”, referindo-se ao Congresso e às negociações sobre o Orçamento.
Sobre essa crescente militarização do governo, o ex-dirigente do PT, José Dirceu, escreveu recentemente o artigo, em que defende que estamos “de novo às portas de uma nova ditadura”. Dirceu resgata todo o histórico de intervenção dos militares na política brasileira desde a proclamação da República aos dias de hoje. Fala do alinhamento da ditadura militar ao imperialismo estadunidense. Diz que a Constituição de 1988 poderia ter posto fim a essa ingerência, mas afirma que isso não foi feito, uma vez que o processo de transição democrática se deu sob o manto da conciliação. Explica também como os militares continuaram agindo na Nova República como uma casta privilegiada que controla o seu “orçamento, as promoções, as prioridades da defesa nacional e de sua indústria, seus planos de armamento”.

Tudo isso é muito certo, sem dúvida. Dirceu reconhece o erro de não se passar a história a limpo, especialmente no período da ditadura militar. Mas o que ele não explica é que os mais de 13 anos de governo do PT colaboraram e muito para a preservação dos militares. Nem Lula, nem Dilma abriram os arquivos da ditadura para que a história pudesse ser passada a limpo. O resultado é que no Brasil, ao contrário da maioria das ditaduras da América Latina, os crimes cometidos pelo regime militar não foram expostos publicamente, e os generais e torturadores do regime não foram presos, como na Argentina ou no Uruguai, por exemplo. Por aqui, de certa forma, a imagem das Forças Armadas fora preservada do sangue que jorrou naqueles tempos. Mesmo Dilma Rousseff, que foi presa e torturada pela ditadura, impediu a apuração e a punição dos criminosos, para não alimentar “revanchismos”, como dizia na época.

Além disso, o PT no poder manteve todos os privilégios de casta dos militares, ou seja, deixou em suas mãos “orçamento, promoções, prioridades da defesa nacional e de sua indústria e planos de armamento”, como diz Dirceu. Pior ainda, enviou os militares brasileiros – a pedido de George W. Bush, diga-se – para uma ocupação militar no Haiti. Foi daí que surgiu a figura sinistra do general brasileiro Augusto Heleno, então comandante da ocupação militar no país caribenho. Sob seu comando, as tropas de ocupação foram acusadas de cometer abusos e realizar uma campanha de terror nas favelas de Porto Príncipe. Isso foi um escândalo na época e está tudo devidamente registrado no relatório “Mantendo a paz no Haiti?”, da ONG Centro de Justiça Global e da Escola de Direito da Universidade de Harvard (EUA). Sabe quantos chefes militares brasileiros foram punidos ou investigados por isso durante os governos do PT? Isso mesmo, nenhum.

É óbvio que o PT de Dirceu conciliou com os militares, sendo corresponsável pela preservação das Forças Armadas diante dos crimes cometidos pela ditadura. Contribuiu assim para que essa instituição – a principal de todo Estado burguês – continuasse sua ingerência na política brasileira. Mas esse capítulo da história foi omitido pelo artigo de Dirceu.

Mas não é só isso. Dirceu alerta sobre a gravidade da situação política, e diz que estamos sob a ameaça de uma ditadura militar, elencando fatos como a execução de Marielle Franco, comandada por milicianos que têm relação com o governo, e a queima de arquivo com a execução do miliciano Adriano da Nóbrega, que também tem obscuras relações com os Bolsonaros.

É cada vez mais escancarada a relação desse governo com as milícias do Rio de Janeiro. Ronnie Lessa, suspeito de matar Marielle, é vizinho de Bolsonaro. Adriano da Nóbrega foi condecorado por Flávio Bolsonaro quando este estava na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), e dias atrás seu pai disse que a condecoração ocorreu após seu pedido. Adriano da Nóbrega era um arquivo vivo, o elo que exporia toda a corja da família Bolsonaro com o submundo podre dos milicianos. Por isso seu assassinato tem cheiro, cor e jeitão de queima de arquivo. O mais estranho é que Adriano da Nóbrega foi eliminado pela Polícia Militar da Bahia, estado governado pelo PT. O governador Rui Costa, aliás, declarou que a operação da polícia foi “exemplar”.

Se Bolsonaro pudesse, já teria imposto uma ditadura no país com os militares e com seus capangas milicianos. Só que não. O governo ainda não tem a força necessária para isso. Há muita resistência na classe trabalhadora e nos movimentos populares contra os planos ditatoriais e coloniais do governo. Um exemplo concreto é a atual greve dos petroleiros contra a privatização da Petrobras, a principal luta em curso neste momento. Uma vitória da greve petroleira que impedisse a retaliação e venda da Petrobras significaria uma derrota fragorosa do governo. Fragilizaria Bolsonaro e seus militares entreguistas e teria repercussão sobre toda a classe trabalhadora, de caminhoneiros revoltados com o preço dos combustíveis ao funcionalismo público federal que começa a se levantar contra a reforma administrativa. Por esse caminho, seria possível derrotar Bolsonaro-militares-milicianos. Seria possível, inclusive, pôr abaixo todo esse governo espúrio.

Mas a luta de classe passa ao largo de Dirceu. Sequer menciona em seu texto a greve petroleira que, repito, é a luta mais importante neste momento e precisa ser fortalecida e abraçada pela população. Uma derrota do movimento poderia, inclusive, repercutir no fortalecimento do governo e nos deixaria mais próximos do risco do projeto ditatorial e colonial de Bolsonaro. Impedir esse cenário é apoiar a greve e chamar a unificação de todos que lutam contra o governo, rumo à greve geral para derrotar Bolsonaro e Mourão já.

Mas, para Dirceu, a resistência só é possível na conformação de frentes eleitorais. Isso não está no artigo de Dirceu, mas está na ação prática de seu partido. Em propor aliança com a burguesia e seus partidos, e, se governo, aplicar a mesma política econômica neoliberal de Paulo Guedes, vide a reforma da Previdência implementada pelos governos petistas do Piauí e do Rio Grande do Norte.

Se Dirceu avalia que estamos às portas de uma nova ditadura, ele e seu partido deveriam no mínimo chamar a resistência nas ruas. Ou eles acham que uma ditadura pode ser impedida por eleições? Esperar até 2022 é jogar perigosamente com a barbárie (e não contra ela), em um sistema capitalista que só prepara novas catástrofes, sejam elas econômicas, sociais ou ambientais. Ao invés de chamar unidade para lutar e derrotar o projeto político autoritário e econômico de barbárie de Bolsonaro, o PT continua desmoralizando a classe trabalhadora com suas frentes eleitorais com a burguesia.