Manifestação de policiais em dezembro último
Redação

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Nesta terça feira, 19, publicamos uma nota de nossos companheiros do Ceará, sobre a mobilização dos policiais militares e bombeiros, que afirma: “O PSTU apoia a luta dos PMs e bombeiros militares e defende a unidade desses servidores com os outros servidores do Estado que também enfrentam Camilo Santana e os governos municipais. Todos temos famílias e necessitamos de melhores condições de segurança, mas também de melhores escolas e saúde publica. Juntos somos mais fortes”.

Os acontecimentos posteriores à nota envolvendo o Senador Cid Gomes (PDT); o envio das tropas da Força Nacional de Segurança, a punição de mais de 300 PM’s; e agora o envio por Bolsonaro de tropas do Exército para Garantia de Lei e Ordem (acertada com o governador do PT antes mesmo do episódio Cid Gomes) ultrapassou o mero conflito salarial entre os PMs cearenses, suas associações e o governo do PT e se converteu em um fato nacional.

A natureza da discussão poderia ser resumida em dois fatores. Um de caráter menos conjuntural, sobre se os PM’s tem direito a construir sindicatos e de se mobilizarem como todo servidor público. Direito esse negado pela constituição brasileira, e que existe em vários países, entre eles os Estados Unidos. Isso, junto com a militarização da polícia, é mais uma concessão feita à ditadura pela “Nova República”.

Ao mesmo tempo, ao estarmos sob o governo de Bolsonaro, cabe a pergunta: Qual a relação entre as liberdades democráticas vetadas aos policiais militares, com a luta contra a ultradireita no país e no interior dos corpos de repressão do Estado posto que, sem dúvida alguma, o bolsonarismo tem um peso importante no setor.

Antes de abordar os temas acima, gostaríamos de reafirmar que não nos movemos um milímetro da nota publicada pelo PSTU do Ceará, em defesa das legítimas reivindicações dos PMs. E os que bradam hoje contra estes policiais militares e bombeiros, jogando-os todos na vala comum das milícias, são os mesmos que utilizam as leis da ditadura para impedir a liberdade de expressão e organização destes policiais.

E a hipocrisia não para por aí. Os mesmos que afirmam serem todos os policiais “milicianos”, não hesitaram em jogar essa mesma PM contra os professores em greve contra uma reforma da Previdência promovida pelo PT e PDT, que não ficou nada a dever à de Bolsonaro, Guedes e Maia. E, ao contrário do que dizem – de que estariam combatendo milícias – na verdade estão fomentando a influência da ultradireita e das milícias aí dentro.

A suposta defesa da democracia com as leis da Ditadura

No dia 5 de fevereiro, a desembargadora Francisca Adelineide Viana, suspendeu a sua própria decisão que impedia o comando da Polícia Militar de prender os policiais e bombeiros que participassem de manifestações.  A ação da Associação das Praças do Estado do Ceará (ACSMCE), a qual a desembargadora concedeu em caráter liminar, estava direcionada ao Comandante-Geral da Polícia Militar do Estado do Ceará e ao Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará.

A Associação dos Praças do Estado do Ceará tinha pedido um Habeas Corpus preventivo, contra a aplicação de medidas do código disciplinar, que impede a liberdade de expressão dos policiais. Mas, segundo o Diário do Nordeste, após a ação impetrada pelo estado, a desembargadora mudou o entendimento e decidiu revogar a liminar.

Chama atenção no texto da sentença que revoga a decisão anterior, as razões alegadas pela desembargadora. Ela afirma: “a doutrina explica que a atribuição para a União estabelecer normas gerais relativas à organização das polícias militares e corpos de bombeiros militares segue a tradição constitucional em considerar tais corporações como forças auxiliares e reserva do Exército” (art. 144, § 6º, CF).

Aqui temos um problema que é necessário resolver. Os “democratas” se apoiam em uma lei da ditadura militar para combater um pedido de liberdade de organização e expressão de uma Associação de Praças, que, segundo eles, não passam de meros milicianos.

Este mundo invertido cabe somente na cabeça de quem não quer buscar a verdade. E, tal qual a ultradireita, distorce os fatos e o repetem até se converter em uma “verdade” que sirva aos seus interesses.

A luta pelo direito de organização de trabalhadores fardados que começava a se enfrentar com sua hierarquia e tinha obtido uma primeira vitória, o governo do PT recorreu para derrotar. Ato seguido, o Comando Geral da Polícia Militar, por meio do Boletim do Comando Geral, publicou: “as respectivas penas para os crimes militares de Motim, Revolta, Omissão de Lealdade militar, Conspiração, Aliciação para motim ou revolta, Incitamento.. Desrespeitar superior diante de outro militar, Reunião ilícita..Desacato a superior, Desacato a Militar.. Inobservância de lei, regulamento ou instrução.”

As penalidades para tais “infrações” estão na Legislação Penal Militar-Código Disciplinar PM/BOM e na Constituição de 1988. Mas se tudo isso fosse pouco, a criminalização da associação por estes “democratas” de ocasião, apoiados no Ministério Público, é digna de nota. A ação que foi protocolada pelo Ministério Público Estadual na segunda-feira, 17, é uma verdadeira lição de “democracia”.

Segundo o Jornal O Povo, estes dignos representantes do Estado, com amplos direitos de organização e expressão, alegam os seguintes crimes contra as associações dos policiais: “Elementos de convicção colhidos diretamente pelos promotores… indicam que os presidentes das associações demandadas estariam participando ativa e diretamente de várias reuniões com representantes do Governo do Estado do Ceará para negociar uma pauta de reivindicações salariais de suas respectivas categorias, agindo como se fossem verdadeiros dirigentes sindicais”, discorre o texto da peça da ACP. E segue: “Segundo o órgão, as associações estariam realizando atividades típicas de representação sindical e mobilizando as respectivas categorias para participar de atos públicos“. Um verdadeiro crime hediondo típico das milícias!

Bem, a estrutura militarizada da polícia com seus códigos disciplinares e com uma estrutura de carreira que privilegia que altos mandos venham das classes altas, tem como objetivo impedir que os soldados questionem, pensem e possam tomar decisões. É possível enxergar as mãos dos soldados que dispararam contra os jovens em Paraisópolis, mas nunca os mandantes de tamanho crime. Tampouco no interior desta ordem é permitido qualquer questionamento.

A desmilitarização da Polícia Militar é um dos profundos problemas democráticos não resolvidos neste país. O direito de organização – de construir sindicatos – é a base do livre direito de expressão, para questionar as atrocidades que a cúpula ordena. É a militarização que impõe não somente um código de disciplina militar, mas também a autonomia para o “adestramento” dos soldados de acordo com o código racista e que impede qualquer tipo de interferência social nos padrões da polícia.

O PT que governou este país por mais de uma década deixou intacta uma entramada herdado pela ditadura. Foi incapaz de enfrentar-se com a hierarquia das PMs e gerar um movimento que cumprisse esta elementar tarefa democrática. E se isso fosse pouco, foi o criador da Força Nacional de Segurança, para atuar como força repressiva de elite do Estado com salários mais altos, quando a cadeia hierárquica se rompe na ponta do sistema. E foi também sob os governos do PT que foi aprovada a portaria de GLO (Garantia de Lei e Ordem).

É o que estamos assistindo agora, Camilo Santana e Moro/Bolsonaro juntos, para garantir a “ordem”. Mas que ordem? As associações de militares do estado estão sob ameaças de multas de até R$ 1 milhão; as esposas de militares que participam dos protestos estão sendo ameaçadas pelo governo, o secretário de segurança já anunciou que já são quase 300 os policiais que serão punidos.

A ordem destes senhores é a mesma que Bolsonaro quer impor aos petroleiros em greve.

Forças Armadas se preparam para invadir o Complexo da Maré após Dilma Roussef decretar a GLO, em abril de 2014

A ultradireita, as milícias e a greve dos policiais cearenses

É inegável a influência do bolsonarismo entre os Policiais Militares. Talvez ela seja até mesmo superior ao peso eleitoral que este senhor teve entre os operários do ABC. Para além do momento eleitoral, Bolsonaro deixou a PM fora da reforma da Previdência, além do discurso dirigido aos policiais militares, impulsionando o papel de capitão do mato que estes homens e mulheres devem desempenhar, no meio da degradação social promovida pela própria classe dominante brasileira a qual Bolsonaro é um fiel servidor.

Mas, se o senhor Ciro Gomes quer lutar contra os chefes das milícias deveria buscar onde eles estão, na relação entre o ex-BOPE Adriano da Nóbrega com o senador Flávio Bolsonaro, no foragido Queiroz… sobram pistas.

Todos sabem que é uma insensatez taxar de milicianos policiais em greve, como se a milícia fosse responsável pelo movimento. Em 2012, durante o governo de Cid Gomes, os policiais militares paralisaram por 5 dias e permaneceram acampados no 5° Batalhão de Polícia Militar, em Fortaleza.  Gomes decretou situação de emergência e recebeu o apoio das Forças Armadas e Força Nacional de Segurança Pública, autorizada pela então presidente Dilma Rousseff. Onde estavam as milícias nesta ocasião?

Mas digamos que a direção das associações sejam bolsonaristas, ou até mesmo milicianas. O que não se entende é porque fecharam o acordo com o governo e em seguida foram atropeladas pela base, fato divulgado até mesmo pela imprensa.

Mas a teoria da conspiração, amplamente utilizada pela direita, também poderia explicar que isso foi somente uma “artimanha”…

Estamos agora diante do seguinte paradoxo: os policiais que o Sr. Ciro Gomes chama de milicianos serão combatidos pelo governo Bolsonaro, o qual as relações com a milícia estão estampadas em todos os jornais.

Assim, o PT e o PDT, vão se aliar à ultradireita para combater a ultradireita. O resultado dessa política acabará abrindo o caminho para o ultradireitista deputado federal Capitão Wagner (PROS), candidato à prefeitura de Fortaleza.

Talvez, Ciro tenha se esquecido de sua intervenção no congresso de policiais antifascistas em Recife, quando afirmou que se recusava a acreditar que os milhões de eleitores do PT tinham se convertido ao fascismo e votado em Bolsonaro.

A contradição que está imersa em Ciro, Camilo e etc. é uma contradição de classe. Como democratas devem combater a direita, mas o limite de sua democracia está nos interesses de classe que defendem.

Esta incapacidade se expressa não somente em desmilitarizar a Polícia Militar. Seguem apoiando-se na hierarquia da corporação, a mesma que organiza a ultradireita em seu interior.

Aplicar a reforma da Previdência e isentar em mais de um bilhão de reais de impostos às grandes empresas no Ceará são os conceitos de democracia. E por isso capitulam ao governo Bolsonaro e são obrigados a recorrer a ele para manter a ordem.

Se amanhã, supostamente, a ultradireita mobilizasse a PM tendo como centro o ataque às liberdades democráticas, estaríamos na primeira linha junto com quem fosse para combatê-los, inclusive fisicamente. Mas neste momento, estão jogando a Força Nacional, o Exército, o governo do Estado e o Governo Federal autoritário de Bolsonaro contra o direito de greve, de livre manifestação e de reivindicação dos policiais, apoiando-se num resquício da ditadura que é a militarização das PM’s.