Depois de passarem por experimento científico que lhes permite desenvolver inteligência fora do comum, macacos dão início a uma revolução contra a violência e opressão dos humanosCartazEm julho deste ano, pesquisadores da Universidade de Durham, na Inglaterra, flagraram um mandril (macaco da família dos babuínos) no zoológico da cidade de Chester usando uma lasca de madeira para limpar as unhas do pé. A descoberta foi abordada em um estudo publicado no periódico Behavioural Processes e deu novo fôlego à teoria de que macacos menores são mais inteligentes. Os mandris também já foram observados limpando os ouvidos com outras ferramentas mais simples para evitar infecções. Entretanto, no filme Planeta dos Macacos – A Origem (EUA/2011), nossos “parentes” mais distantes e mais peludos vão muito além do pedicure e do cotonete. Na trama, dirigida pelo até então desconhecido Rupert Wyatt, os macacos passam por uma experiência científica e adquirem uma espantosa inteligência que lhes permite ter consciência sobre a própria condição de dominados. A partir daí, liderados pelo chimpanzé César, eles dão início a uma espécie de revolução contra a violência e a opressão humanas, com direito a uma assembleia e a uma batalha na Golden Gate. Mais do que um bom filme de ficção científica, Planeta dos Macacos é, antes de qualquer coisa, uma metáfora sobre nós mesmos e nossa sociedade de classes.

Essa nova história se passa antes do primeiro filme, lançado em 1968, no qual o astronauta Taylor, vivido por Charlton Heston, encontra um mundo futurista, onde os símios são a espécie dominante. Neste Planeta dos Macacos, o espectador é levado a descobrir o que aconteceu para que a humanidade fosse dominada pelos macacos. O cientista Will Rodman (James Franco) trabalha para um grande laboratório e coordena pesquisas que utilizam macacos como cobaias na busca de uma cura para o Alzheimer. O pesquisador, então, desenvolve um soro (o ALZ 112) capaz de restabelecer e aperfeiçoar a atividade dos neurônios. A droga é testada numa fêmea chamada Olhos Brilhantes, que rapidamente apresenta um extraordinário desenvolvimento intelectual. Mas um acidente envolvendo o animal acaba resultando em sua morte. O executivo do laboratório cancela o projeto e ordena o sacrifício do restante dos macacos. Will descobre, depois, que a fêmea havia deixado um filhote, e o cientista se vê obrigado a levar para casa o sobrevivente.

O macaquinho recebe o nome de César e cresce ao lado do cientista e de sua namorada veterinária (Freida Pinto). Não demora muito e Will percebe a inteligência fora do comum do animal e suas impressionantes capacidades cognitivas, herdadas geneticamente da mãe. A partir daqui, o filme desenvolve o que há de mais importante em seu enredo: a relação do macaco com os homens e o mundo exterior. César é interpretado brilhantemente por Andy Serkis através da tecnologia “performance capture” – que capta movimentos e expressões do ator para depois aplicá-los ao personagem criado por computador. Os primeiros questionamentos de César ocorrem num simples passeio no parque, quando o macaco e um cachorro se estranham. Por meio da linguagem de sinais, César pergunta a Will se é um animal doméstico, já que também usa uma coleira igual a do cachorro. A resposta ouvida é não, mas isso não o satisfaz. É o primeiro sinal de que César não se sente mais um animal para viver preso.

Entretanto, o macaco só passa a sentir o real peso da violência e opressão humanas quando é levado para um centro de controle de primatas, depois de ferir um vizinho ao tentar proteger o pai de Will. Encarcerado com outros macacos, César sofre maus tratos e todo tipo de humilhações por parte de um funcionário. A terrível experiência faz César compreender sua condição de oprimido e leva-o a organizar uma revolta para libertar seus semelhantes. O longa-metragem não mostra os macacos assumindo o poder, mas deixa uma pista de como acontecerá.

Uma alegoria social
Planeta dos Macacos – A Origem até pode ser visto apenas como um filme de ficção científica, mas não seria justo reduzi-lo dessa forma. Negar a existência na trama de uma alegoria social sobre a luta entre as classes é o mesmo que fechar os olhos para o papel político da história original de Pierre Boulle. Nem o cineasta que assina a recente obra se atreve a fazer isso. “É uma grande história, a de uma revolução como as que acontecem em nossos dias e no nosso mundo, mas que, dessa vez, é liderada por macacos.”, disse numa entrevista o diretor Rupert Wyatt. A metáfora acerca do domínio de uma classe sobre a outra e as tensões que esta relação gera na sociedade estão presentes fortemente na narrativa, porém, sem torná-la panfletária. E nisso reside o que, de certa maneira, é uma façanha. O longa é uma produção hollywoodiana, com orçamento de US$ 93 milhões e belíssimos efeitos especiais, mas tem enredo de filme de arte.

É impossível ver no cinema a revolta dos macacos contra a opressão dos homens e não associá-la às revoluções que atualmente sacodem o Oriente Médio e parte da África, derrubando ditaduras sanguinárias de décadas. Da mesma forma que o macaco César toma consciência de sua dominação ao sentir na pele a violência do ser humano, os povos da Líbia, Egito, Tunísia e Síria, por exemplo, levantaram-se contra seus próprios opressores após anos de repressão e miséria capitalistas. Aos macacos da história, bastou não se reconhecerem mais como simples animais para se libertarem de suas jaulas e coleiras. Aos trabalhadores e povos oprimidos por governos e patrões, bastou não se reconhecerem mais como escravos. O filme está repleto de sequências que sugerem desejos de liberdade, consciência de classe e coletivismo. Sentimentos e ações mais necessários do que nunca em nossos dias.

Simbolismo e beleza cinematográfica
O diretor Rupert Wyatt fez um filme em que muitas cenas não precisaram de diálogos para ser entendidas, o que reforçou a demonstração de quão bela pode ser a linguagem cinematográfica. A cena em que César desenha uma janela na parede de seu cativeiro é emblemática. Não é um macaco sentindo falta de casa, e sim um ser oprimido gritando por liberdade. Há uma simbologia em diversas sequências da trama, sobretudo nas que o protagonista César está presente. São momentos nos quais as imagens e os atos do personagem suscitam poderosas interpretações, que nos levam a relacioná-las com situações do mundo real. A cena na qual César pronuncia sua primeira palavra é, provavelmente, a mais impactante e simbólica do filme.

Agredido várias vezes pelo funcionário do cativeiro, que usava um bastão para dar choques, César decide enfrentar o inimigo. Ao evitar um dos golpes, segurando o pulso de seu agressor, ele solta um estrondoso grito de “não”, bem diante dos olhos assustados do funcionário. O “não” de César é, na verdade, a tomada de uma decisão. É um basta na violência e opressão sofridas, e o início de uma reviravolta, com uma mensagem bem clara: não aceitarei mais isso. Algo que também pode ser comparado à disposição de homossexuais, negros e mulheres em rejeitar a discriminação a que estão sujeitos só por serem diferentes. A cena não deixa de lembrar, inclusive, um trecho do poema O Operário em Construção, de Vinicius de Moraes, que diz: “Teve seu rosto cuspido / Teve seu braço quebrado / Mas quando foi perguntado / O operário disse: Não!”.

Existem ainda outras cenas sugestivas e emblemáticas, mas duas merecem um bom destaque. Em determinado momento do filme, o cientista Will decide ir até o centro de controle de primatas para resgatar seu macaco. Entretanto, esbarra na negativa de César, que com um olhar e um abano de cabeça expressa sua escolha: não sairá do cativeiro sem seus semelhantes. Uma evidente opção pelo coletivo e uma nobre identificação com sua “classe”. Por fim, depois de fugirem do cativeiro e darem início ao processo de revolução, liderados por César, os macacos assumem uma postura mais ereta, o que revela outro recado do filme ao espectador. A constatação de que nossos inimigos só nos parecem maiores porque estamos de joelhos.

Semelhanças e diferenças
Os chimpanzés são animais que possuem mais de 98% de identidade genética com os homens, o que só demonstra o quão certo estava o naturalista inglês Charles Darwin e sua teoria do evolucionismo. Símios e hominídeos evoluíram de um único ancestral em comum, mas pequenos acasos evolutivos nos fizeram incluir a carne, sobretudo assada, nos hábitos alimentares, permitindo que nosso cérebro se desenvolvesse mais do que o dos outros primatas. Entretanto, o que nos transformou na espécie dominante do planeta e deixou os macacos atrás na escala evolutiva foi nossa capacidade de transformar a natureza em benefício próprio, criando riquezas e realidades antes inexistentes, tanto no mundo quanto em nós mesmos.

Embora alguns cientistas afirmem que a possibilidade do argumento central do filme ocorrer é quase nula, a Academia de Ciências Médicas da Grã-Bretanha pediu, há pouco mais de um mês, que o governo da Inglaterra repense as leis sobre as pesquisas médicas com animais. O medo dos cientistas ingleses é que sejam criados animais com inteligência humana, com condições de desenvolver até a linguagem articulada. Por enquanto, os macacos estão apenas limpando as unhas e os ouvidos com lascas de madeira e não representam nenhuma grande ameaça para a humanidade. Entretanto, a mensagem de Planeta dos Macacos – A Origem é outra. Assim como nas fábulas, nas quais em geral os personagens são animais falantes, a lição moral do filme também é voltada para os humanos. O recado é simples: povos oprimidos, revoltem-se.