Cena de 'Bartleby'

Está em cartaz no Sesc da av. Paulista, até o dia 23, a peça Bartleby. Trata-se de uma muito bem feita adaptação para o teatro do conto de mesmo nome do escritor americano Herman Melville (1819-1891), o mesmo de Moby Dick. Quem narra a história é um bem sucedido advogado de Wall Street recentemente indicado para um cargo importante. Decidindo que precisaria contratar mais alguém, coloca um anúncio e logo aparece Bartleby, um sujeito calado que logo ganha sua aprovação e simpatia por trabalhar freneticamente e de maneira muito eficiente. Em tempo, numa época em que não existiam fotocopiadoras, o trabalho de Bartleby consiste basicamente em copiar à mão os documentos legais de seu chefe.

Um dia, o advogado chama Bartleby para que este o ajude a verificar se um documento contém erros de cópia. Bartleby responde com calma dizendo que prefere não fazê-lo. Primeiramente, atordoado, depois assustado, o advogado repete a pergunta e encontra a mesma resposta de Bartleby. Daí se seguirá, ao longo do texto, toda uma série de situações em que Bartleby se negará a realizar as tarefas que seu chefe manda.

Desse ponto em diante, cada um dos personagens trilhará caminhos completamente diferentes. O advogado ficará cada vez mais atormentado com o comportamento de Bartleby. Oscilando, por exemplo, de um lado, entre a possibilidade de encontrar paz interior “por baixo custo” mantendo o inofensivo Bartleby sob sua tutela no escritório ao invés de demiti-lo ou, por outro, tentando de todas as formas se livrar dele, o advogado se defrontará várias vezes com a incapacidade de vencer uma resistência que não se opõe a ele a não ser de forma passiva. Bartleby, por sua vez, já no início da história, desconcertantemente quieto, caminhará pouco a pouco ao estado de não mais se diferenciar dos móveis do escritório, a não ser pelo fato de ainda caminhar… talvez não por muito tempo.

Bartleby – de resto, toda a obra de Melville – não é de fácil interpretação. Multifacetada e muitas vezes contraditória, ela abre muitos caminhos e permite infindáveis discussões sobre “o que ele realmente quis dizer”. Contudo, não se pode deixar de ver um certo senso social do escritor americano ao narrar a saga bestificante de um reles escrivão. Bartleby não faz nada além de copiar pilhas de documentos que não lhe fazem aparentemente sentido algum. Não tem casa, nem amigos, nem nada que se possa chamar de lazer. Para pior, não tem nem ninguém que lhe seja colega nesse infortúnio.

É desconcertante pensar que Melville pudesse prever, há mais de 150 anos atrás (a primeira publicação do conto data de 1853), uma situação tão comum na época do toyotismo: a dificuldade dos trabalhadores se organizarem. Seu patrão, por outro lado, por mais que mostre boa vontade com Bartleby, não é capaz de realmente ajudá-lo devido ao simples fato de ser seu patrão. Ele se cobra e é cobrado de tomar atitudes enérgicas contra esse empregado displicente. No final das contas, não é seu papel no capitalismo que vai guiar suas ações, não sua vontade.

Bartleby conta com apenas dois atores em cena. A maior parte do texto é do advogado, interpretado por Rodrigo Gaion, que brilha pela forma como faz transitar seu personagem pelos diversos estados de humor – desconcerto, raiva, candura, desespero – que ele sente pelo escrivão. Cácia Goulart faz Bartleby – personagem quase sem fala -conseguindo, com uma expressão facial e corporal admiráveis, transmitir toda sua desolação e desamparo.

A peça, em final de temporada, voltará em breve. Mas vale a pena se antecipar e pegar as últimas encenações dos dias 22 e 23 deste mês.

Ficha Técnica:
Texto: Herman Melville.
Dramaturgia: José Sanchis Sinisterra.
Tradução: Vadim Nikitin.
Direção: Joaquim Goulart e Daniela Carmona.
Assistência de Direção: Daniela Carmona.
Elenco: Cácia Goulart e Rodrigo Gaion.
Direção de Arte: André Cortez.
Desenho de Luz: Joyce Drummond.
Música Original: Amílcar Farina.
Preparação de Ator: Inês Aranha.
Figurino: Marina Reis

Local:Sesc Avenida Paulista (INFORMAÇÕES)
Preço(s):R$ 20,00.
Data(s):De 29 de fevereiro até 23 de março de 2008.
Horário(s):Sexta a domingo, 20h.
Observações:Duração: 90 minutos. Classificação: 14 anos.