Quando o Congresso Nacional aprovou a lei que permite a compra privada de vacinas no final de fevereiro, já estava bastante evidente o que viria a seguir. A justificativa foi que os empresários deveriam doar todas as vacinas que adquirissem ao SUS, pelo menos até todos os grupos prioritários e de risco serem vacinados. Daí então, teriam que doar 50% para o sistema público. Mas é óbvio que a intenção ali era liberar a compra privada das vacinas para abrir a porteira e garantir a imunização de quem tivesse dinheiro.

E foi justamente isso que a Justiça Federal mostrou, neste dia 25, ao considerar “inconstitucional” a exigência da doação das vacinas. E o argumento para mais este absurdo foi que a medida viola o “direito fundamental à saúde”. Ou seja, para o juiz da 21ª Vara Federal de Brasília, Rolando Spanholo, não é inconstitucional a política genocida levada a cabo pelo governo Bolsonaro, com a sabotagem ao combate à pandemia, o atraso da vacinação e a propaganda de medicamentos ineficazes ao coronavírus. Mas sim a obrigação da doação dos imunizantes ao SUS.

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Editorial: Genocida

O juiz diz ainda em sua decisão que a doação compulsória desestimularia que a sociedade civil, empresários e instituições participassem da compra da vacina, atrasando o processo no país. Estabelece, assim, uma situação em que só quem pode pagar é que vai ter direito à única solução existente hoje para a pandemia. Os pobres continuarão morrendo nas filas das UTI’s, que têm hoje mais de 6 mil pessoas esperando por uma vaga e uma chance de sobreviverem.

A decisão esdrúxula da Justiça amplia ainda mais o fosso que separa ricos e pobres. A pandemia já atinge mais a população pobre, sobretudo negra, em detrimento das elites, com maior possibilidade de manter isolamento social e acesso a atendimento hospitalar.

Enquanto isso a vacinação, dos pobres pelo menos, se arrasta. O Brasil contava, até a noite desta quinta-feira, 25, com apenas 6,65% da população vacinada com pelo menos uma dose das duas vacinas aplicadas hoje, a Coronavac e a Aztrozeneca/Oxford. Isso dá pouco mais de 14 milhões de pessoas. Só 4,5 milhões, por sua vez, ou 2,13%, já tomaram as duas doses.

Vacinação clandestina de empresários

Nesta quarta-feira, 24, a revista piuaí revelou o escabroso caso de um grupo de empresários ligados aos transportes que teriam adquirido vacinas e estariam se vacinando às escondidas em Belo Horizonte. O local da vacinação clandestina foi a garagem de uma das empresas envolvidas nesse consórcio criminoso, a Saritur. Apesar de os moradores vizinhos, revoltados, terem chamado a polícia, a PM nada fez diante do ocorrido.

Segundo a reportagem da revista, a vacina utilizada seria a da Pfeizer, que ainda não está em uso no Brasil. A farmacêutica negou que realizasse venda privada do produto. Ainda segundo a piauí, a enfermeira contratada para aplicar o imunizante teria se atrasado pois estava imunizando outro grupo de empresários antes, da ArcelorMittal.

Se esses empresários foram flagrados tomando vacina, é de se perguntar quantos mais não estão fazendo isso sem serem filmados. Muito provavelmente os mesmos que pressionam contra o lockdown e que minimizam as mortes da pandemia. E com a decisão da Justiça Federal nesta quinta, daqui a pouco os endinheirados não precisarão nem se esconder para tomar a vacina.

Cloroquina para o povo

Enquanto a vacinação se arrasta, a saúde está em completo colapso e as mortes crescem exponencialmente, com previsões que cheguem nas próximas semanas a 4 ou 5 mil mortes registradas diariamente, e Bolsonaro continua defendendo o “tratamento precoce”, eufemismo para a prescrição de medicamentos que não só não possuem qualquer eficácia contra o coronavírus, mas que estão matando pessoas país afora.

O Conselho Federal de Farmácias aponta uma explosão nas vendas de hidroxicloroquina e ivermectina no último ano. Este último, um vermífugo eficaz para piolhos e carrapatos, teve aumento de dois mil por cento. Na cidade de Camaquã, no Rio Grande do Sul, três pacientes morreram após terem recebido nebulização de cloroquina.

A médica Eliana Scherer que aplicou o procedimento, foi afastada e está sendo investigada pelo Ministério Público. Na última sexta-feira, Bolsonaro deu uma entrevista à rádio Acústica, do interior do Rio Grande do Sul, defendendo o método e a médica. “A doutora me disse, e eu já tinha comprovado isso também, e não é dela, ela falou muito humildemente que não é uma ideia dela, a questão da nebulização. A primeira vez que ouvi falar disso foi lá no estado do Amazonas“, afirmou.

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Depois de gastar mais de R$ 250 milhões em cloroquina, Bolsonaro voltou a defender o medicamento na reunião que teve nesta quarta-feira, 25, com uma comissão convocada supostamente para gerenciar a pandemia, junto com um representante do Supremo Tribunal Federal (STF), alguns líderes do centrão e governadores aliados. A reunião foi chamada como resposta à queda na popularidade do governo e à pressão realizada no último período pelo próprio centrão e setores crescentes da burguesia. Na prática, serviu apenas para blindar Bolsonaro.

A insistente defesa da cloroquina e o ataque a qualquer medida de distanciamento social mostram que, apesar da pressão, Bolsonaro não está disposto a recuar na sua política genocida. E que a tal mudança na orientação de seu governo não passa de “narrativa”, como eles mesmos gostam de dizer.