O Conselho Indigenista Missionário, reunido no dia 24 de fevereiro, divulgou uma nota oficial sobre a violência contra os povos indígenas e os ataques contra seus direitos constitucionais. Depois de 63 homícidos nos dois últimos anos, o Cimi faz uma avaliação dura da atuação do governo: “O governo Luiz Inácio Lula da Silva deixou finalmente o discurso enganoso de aliado da causa indígena para revelar sua verdadeira face de instrumento dos seus mais poderosos e letais inimigos“.

Leia abaixo a íntegra da nota:

Nota redigida pelo Cimi

Paz e Terra para os Povos Indígenas

Nós, missionários e missionárias de todo o Brasil, membros da Presidência e do Conselho do Cimi, reunidos na Chapada dos Guimarães (MT), de 21 a 25 de fevereiro de 2005, analisamos e debatemos os vários aspectos da conjuntura nacional atual e sua incidência na vida dos povos e comunidades indígenas em nosso país.

O quadro que emergiu das diversas análises, tanto sobre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, como sobre as diversas realidades regionais, é de extrema gravidade e ameaçador para os povos indígenas, suas comunidades, seus territórios, suas culturas e suas futuras gerações.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva deixou finalmente o discurso enganoso de aliado da causa indígena para revelar sua verdadeira face de instrumento dos seus mais poderosos e letais inimigos. Isto ficou claro na recusa do presidente da República em assinar a homologação da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, incentivando assim, explicitamente, que os poderes locais criassem novos obstáculos jurídicos a essa homologação. A cumplicidade ativa de setores do Poder Judiciário nesse processo, revela que o cerco político e jurídico se fecha sobre os direitos dos povos indígenas no Brasil, um cerco de caráter etnocida.

No Poder Legislativo, o panorama não é diferente: grupos articulados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal criam comissões que produzem relatórios e projetos de lei, cuja única finalidade é reduzir e anular direitos constitucionais dos povos indígenas; criam obstáculos e inviabilizam demarcações de territórios; em suma, retomam a perspectiva integracionista já superada pela Constituição Federal. O Poder Legislativo, através de seus setores hegemônicos, atua também como instrumento do capital multinacional e das oligarquias locais, estes parceiros do governo federal e inimigos dos povos indígenas.

As conjunturas regionais, analisadas por nós, não deixam dúvidas de que o que se processa em âmbito nacional se repete em todas as regiões do país.

No estado do Pará, atualmente foco das atenções nacionais devido aos bárbaros assassinatos da Irmã Dorothy Stang e de três trabalhadores rurais, o povo Arara (Ugrogmo), de contato recente, habitante da terra indígena Cachoeira Seca, tem o seu território invadido por madeireiros e fazendeiros, que se utilizam da grilagem de terras, de ameaças e violências físicas, o que coloca em risco a sobrevivência física e cultural daquele povo.

No Acre, o governo do estado vem negando os direitos constitucionais dos Apolima-Arara, negociando a retirada desse povo de suas terras e, juntamente com o Ibama, dificultando a regularização da terra do povo Nawa, atendendo a interesses que, com certeza, não são dos povos da floresta e sim de grupos políticos e econômicos ligados ao ecoturismo.

Nas regiões leste e nordeste, o empenho do governo Lula na aprovação do projeto de transposição do Rio São Francisco, ignora os seus impactos negativos sobre as comunidades indígenas e seus territórios, obcecado que está em atender os interesses de fazendeiros, do agronegócio e das grandes empreiteiras da área de construção civil, sedentas do lucro fácil com o dinheiro público.

Nas regiões centro-oeste e sul, empresários, fazendeiros e políticos locais se articulam para impedir processos de identificação e demarcação de territórios indígenas, mesmo às custas da morte de crianças Xavante e Guarani-Kaiowá, por doenças e por desnutrição. O povo Myky, no Mato Grosso, quase exterminado durante os anos 70, após décadas de difícil recuperação territorial e populacional, encontra-se hoje exposto a um brutal processo de saque de sua floresta e tem seus aliados ameaçados de morte pelos invasores, enquanto o poder público permanece inerte.

O quadro atual da conjuntura nacional, assim como suas manifestações locais e regionais é, pois, extremamente ameaçador para a vida e o futuro dos povos indígenas no Brasil.

Setores influentes do governo federal – de olhos postos nas onipresentes e asfixiante eleições gerais de 2006 -, do Legislativo e do Judiciário, agem nitidamente como agentes do poder financeiro, das grandes empresas, dos fazendeiros, do agronegócio, dos invasores e até mesmo de criminosos que se utilizam da violência na grilagem e usurpação dos territórios indígenas.

No momento em que as igrejas cristãs do Brasil, em atitude ecumênica, lançam a Campanha da Fraternidade com o lema “Felizes os que promovem a Paz”, vemos, infelizmente, recrudescer as violências e assassinatos no campo brasileiro, fruto da grilagem de terras e da cobiça desenfreada de aventureiros na região norte do país. É neste mesmo contexto que vem crescendo também a violência contra comunidades indígenas, já sendo registrados 63 assassinatos de índios durante o governo Lula.

Nós, da Presidência e do Conselho do Cimi, vemos com extrema preocupação todo esse quadro e depositamos nossas esperanças de mudanças deste cenário em nosso compromisso evangélico com as comunidades indígenas; na capacidade de indignação ética da sociedade civil brasileira, no seio da qual os povos indígenas contam com muitos e importantes aliados; na disposição de mobilização e luta dos movimentos sociais do campo e da cidade e, fundamentalmente, no protagonismo dos povos indígenas na defesa dos seus direitos históricos.

Conclamamos a todos e todas, homens e mulheres, preocupados com a Justiça em nosso país, que se irmanem nesta luta em busca de Paz e Terra para os povos indígenas.

Chapada dos Guimarães (MT), 24 de fevereiro de 2005.
Presidência e Conselho do Conselho Indigenista Missionário