Zé Maria

Metalúrgico e presidente nacional do PSTU.

As discussões sobre a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e a eventual punição que ele receberá (receberá?) na Câmara dos Deputados dominaram o ambiente político do país nos últimos dias. Trata-se de um assunto relevante sem dúvida. Mas há um risco de tomarmos essa parte pelo todo, que vai muito além desses acontecimentos e demanda uma reflexão que vá além da exigência de punição ao deputado miliciano. Silveira precisa sim perder o mandato parlamentar e continuar preso. Não por ter xingado os juízes daquela Corte nem necessariamente pelas leis que o Supremo Tribinal Federal (STF) alega que ele infringiu. Aliás, a famigerada Lei de Segurança Nacional, filha da ditadura militar, já devia ter sido eliminada do ordenamento jurídico há muito tempo.

Silveira deve ser punido porque é deputado e seu vídeo é, ao mesmo tempo, incitação e atuação concreta em defesa da implantação de uma ditadura que liquide com todas as liberdades democráticas, não só com o direito de expressão que, de forma cínica, o deputado reclama para si. Basta ver a apologia que faz do AI-5. Foi este Ato Institucional que inaugurou o período mais duro da ditadura, marcado por perseguição, censura, prisões, tortura e assassinato de opositores.

Contudo, é importante registrar que o deputado miliciano não está sozinho nessa empreitada.

O chefe da quadrilha se chama Jair Bolsonaro

Veja! Na ocupação do Congresso Nacional dos Estados Unidos por apoiadores de Trump, Bolsonaro afirmou que, caso as eleições de 2022 não correspondam às suas expectativas (ou seja, se ele não ganhar), “aqui vai ser muito pior”; semanas atrás surgiram rumores sobre projetos de lei que estavam para ser enviados ao Congresso, concentrando nas mãos da Presidência da República o controle das polícias estaduais (em especial as militares); Bolsonaro acaba de baixar portarias que ampliam muitíssimo as possibilidades de acesso a armas e munições no país. É indisfarçável o sentido que têm esses movimentos do capitão-presidente.

Não é só isso. Estamos diante de um governo repleto de militares e com relações pra lá de promíscuas com boa parte do comando das Forças Armadas, como se vê pelo famoso tuíte do general Villas Bôas de três anos atrás que voltou à imprensa por estes dias. A manifestação do Clube Militar acerca da prisão de Daniel Silveira, que defende abertamente a ditadura militar, é emblemática. É certo que o Clube Militar reúne militares da reserva, mas é sabidamente um canal de expressão também do alto oficialato da ativa que, em tese, não pode manifestar-se politicamente. Na nota, eles defendem o golpe de 1964 e, “sem entrar no mérito” dos ataques do deputado ao STF, afirmam que tais práticas realizadas pelo supremo deveriam ser exercidas também contra a esquerda.

Bolsonaro não é apenas um governante com uma política genocida frente à pandemia do novo coronavírus. Frente à catástrofe na economia, usa rios de dinheiro público para ajudar bancos e grandes empresários, deixando os pequenos à míngua, trabalhadores desempregados e sem direitos. Em pleno agravamento da pandemia, corta o auxílio emergencial dos mais necessitados. Privatiza o patrimônio do país, sucateia o serviço público, destrói o meio ambiente. Ele também é um governante que nunca deixou de defender a implantação de uma ditadura militar no país e nem sequer esconde esse objetivo. Só não levou adiante esse projeto até agora porque não teve apoio nem forças para tal.

O que há de real e de enganoso no conflito entre Bolsonaro, STF e o Parlamento

O STF e o Congresso Nacional são instituições características de uma democracia burguesa e têm contradições evidentes com regimes ditatoriais (o AI-5 fechou o Congresso e cassou ministros do STF). Além disso, como estão a serviço dos bancos e do grande empresariado, seguem a opinião destes. Por isso, opõem-se ao projeto ditatorial do capitão-presidente. Essa é a origem dos conflitos entre essas instituições e Bolsonaro. No entanto, essas mesmas instituições estão 100% com Bolsonaro quando o assunto é atacar os direitos e as condições de vida dos trabalhadores e do povo e, muitas vezes, também para criminalizar os movimentos sociais.

A democracia burguesa é a democracia dos ricos. Sabemos que, além de sustentar a exploração e a opressão da ampla maioria da população por um punhado de capitalistas, também utiliza cada vez mais a violência contra a luta da nossa classe e contra o povo pobre e negro. Por isso não defendemos esse regime político. Nós lutamos por uma sociedade socialista, na qual os trabalhadores e o povo, de fato, governem o país e decidam sobre todas as questões importantes. Aí sim teremos uma democracia de verdade.

No entanto, para a classe trabalhadora, não é a mesma coisa viver num regime democrático burguês ou numa ditadura enquanto lutamos para superar esse sistema capitalista decadente. Até para lutarmos em defesa dos nossos direitos, pelas mudanças que precisamos fazer em nosso país, as condições são melhores num regime no qual possamos fazer greve, haja direito de manifestação e de expressão, possamos ter sindicatos e partidos políticos e as liberdades democráticas sejam minimamente asseguradas (ainda que de forma limitada, como sabemos).

Numa ditadura fica muito mais difícil a luta e a organização da nossa classe. É desse ponto de vista, da nossa classe, que devemos fazer esse debate. São os trabalhadores e o povo pobre os que mais têm a perder com a implantação de uma ditadura. Por isso, nossa classe precisa sim lutar contra toda tentativa de se impor novamente uma ditadura e exigir de instituições que se dizem defensoras da democracia, como o STF e o Congresso, que adotem medidas duras contra toda tentativa e ameaça de impor esse retrocesso ao país, como agora, no caso do deputado Daniel Silveira. E não só com ele…

 

SAÍDA

Fora Bolsonaro e Mourão! Nenhuma confiança no STF e no Parlamento!

Bolsonaro não abandona seu projeto ditatorial, em primeiro lugar, porque sabe que vai crescer a resistência contra seu governo, que é uma questão de tempo a explosão de revoltas da população. Ele precisa ter as mãos livres para sufocá-las com ainda mais violência contra o povo. Em segundo lugar, ele confia que o grande empresariado, que hoje rejeita o seu projeto de ditadura, amanhã possa apoiá-lo por medo das conflagrações sociais que possam ameaçar o seu controle sobre toda a sociedade. Sabe que a opinião do empresariado incidiria também sobre os militares, o que poderia garantir apoio a sua aventura autoritária.

Precisamos colocar para fora esse governo o quanto antes, não apenas para garantir vacinação para todos e todas, emprego e auxílio emergencial para os que necessitam, mas também para afastar o perigo que representa, na Presidência da República, um defensor aberto de um autogolpe para implantar uma ditadura. É um verdadeiro crime deixar de investir na luta agora, para esperar as eleições de 2022 como faz a direção do PT e seus satélites, o PCdoB e mesmo a direção PSOL. O PT já está em campanha eleitoral.

Devemos sim exigir do Congresso Nacional o impedimento de Bolsonaro, Mourão e todo esse governo, mas não podemos ter nenhuma ilusão de que essa instituição (ou mesmo o STF) vá tomar até o final as medidas necessárias contra esse governo. Assim como não são essas instituições que defenderão os trabalhadores e suas organizações da sanha criminosa e da violência de setores protofascistas e grupos de milicianos alimentados por Bolsonaro.

O caminho é a luta, a mobilização e a organização dos explorados e oprimidos

A única garantia de podermos colocar para fora esse governo é o povo mobilizado nas ruas. Não podemos depender desse antro de corruptos do Congresso, tampouco da cúpula do Poder Judiciário. Uma ampla mobilização de massas pode obrigar inclusive o empresariado a retirar a sustentação que dá hoje a Bolsonaro, empurrar o Congresso Nacional no rumo do impeachment, forçar a queda de todo o governo.

Para isso, é preciso fazer a organização da nossa luta avançar. Sabemos dos problemas relacionados à pandemia que dificultam a realização de manifestações de massa nas ruas. Precisamos ter criatividade, fazer carreatas, panelaços, atividades simbólicas até que possamos ir às ruas novamente. Fortalecer a unidade de ação, ao mesmo tempo que exigimos das grandes organizações da classe trabalhadora que se empenhem nessa luta já!

O outro aspecto de que precisamos cuidar é da preparação da autodefesa das nossas lutas e das nossas organizações. Já vivemos, pela decadência do sistema capitalista, um aumento da violência contra os trabalhadores e suas lutas e contra os pobres, mais ainda contra negros e negras. Por outro lado, a perspectiva de agravamento da crise social que temos pela frente vai levar a mais resistência, mais luta do movimento e mais violência por parte do sistema. Esse é o contexto no qual precisamos entender o significado do fenômeno do bolsonarismo, especialmente de seus setores mais radicais, milicianos e protofascistas armados.

Não serão as instituições da democracia burguesa que vão defender os trabalhadores e suas organizações. Devemos atuar para enfraquecer os aparatos de repressão do Estado, chamar a base desses aparatos a não reprimir seus irmãos trabalhadores e passarem ao lado do povo. Mas isso não exime, pelo contrário, exige de nossas organizações que preparem sua defesa e a defesa das lutas dos trabalhadores contra a violência do Estado (e de qualquer outro tipo). Precisamos começar a fazer essa discussão de forma séria em todas as organizações e movimentos da classe trabalhadora.