Nos bastidores do recente acordo entre Bush e Lula esconde-se o interesse do imperialismo em investir num grande mercado lucrativo, enquanto no Brasil a expansão do agronegócio expulsará do campo os pequenos agricultores

A excessiva dependência dos EUA de uma só fonte energética (o petróleo) para mover seu império empurrou as empresas petrolíferas norte-americanas e o governo Bush a buscar novas fontes de energia e combustíveis, como o etanol.

As empresas petroleiras se movimentam para abocanhar este novo ramo produtivo, que promete ser muito rentável. Por isso, Bush, como garoto-propaganda das petroleiras, passou a favorecer o etanol, dizendo que o assunto é de “segurança nacional”.
Nos EUA, 10% de álcool deve ser misturado à gasolina nos próximos anos. A previsão é que o país consuma 132 bilhões de litros/ano até 2017.

Para se ter uma idéia do potencial do negócio, se o mundo reduzisse em 5% a utilização da gasolina, haveria uma demanda de 65 bilhões de litros de álcool por ano. Mas a atual produção mundial não chega a 50 bilhões de litros, longe de garantir as necessidades nos próximos 10 anos.

Brasil, líder mundial na produção de etanol
O Brasil tem o mais desenvolvido parque industrial do etanol, porque 40% do combustível consumido por veículos de passeio é de álcool combustível.

Nos EUA, se usa apenas 2,5% de álcool combustível que é extraído do milho. Mesmo subsidiado pelo governo, seu custo é de US$ 0,31 o litro, mais alto que o etanol extraído da cana-de-açúcar brasileira (US$ 0,22 por litro). Isto é o que leva, junto com uma tecnologia de ponta, a colocar o Brasil como líder mundial do setor.

Entretanto, um dos elementos que dificulta a substituição da gasolina pelo etanol é que sua produção exige grandes quantidades de terras agriculturáveis, coisa que não existe disponível no planeta, principalmente nos países imperialistas. Dessa forma, semelhante às indústrias pesadas do aço e do alumínio, altamente poluidoras e destrutivas do meio ambiente, a indústria do etanol se dirige aos países pobres.

Brasil e EUA produzem hoje 72% do etanol mundial. Porém, somente o Brasil, neste momento, reúne as condições para um salto na produção de etanol a nível mundial. Por isso, a febre de compra das empresas brasileiras do setor sucroalcooleiro por empresários estrangeiros.


Um estudo do governo Lula propõe subsidiar a produção de etanol no Brasil para exportação. “Temos que garantir o suprimento do mercado brasileiro e do mercado internacional”, afirma Lula.

O estudo prevê a possibilidade do etanol brasileiro substituir 10% da gasolina no mercado mundial em 20 anos. Para isso, o país terá que investir cerca de R$ 20 bilhões por ano e teria que aumentar sete vezes sua produção, ocupando cerca de 45 milhões de hectares produzindo cana. Segundo a Embrapa, o Brasil tem 90 milhões de hectares agriculturáveis. Portanto, caso seja executado o plano do governo, se ocuparia quase a metade das terras agriculturáveis brasileiras somente com cana! O estudo já está sendo aplicado, com o BNDES financiando o agronegócio da cana, enquanto a Petrobrás, através da Transpetro, prepara a infra-estrutura para exportação do etanol. Os empréstimos do BNDES para o setor sucroalcooleiro, passaram de R$ 580 milhões em 2004 para R$ 2,018 bilhões em 2006. Em 2007, serão mais R$ 2,5 bilhões em empréstimos para o setor privado do etanol.

Este modelo aplicado pelo governo vai gerar um verdadeiro monocultivo para exportação e inevitavelmente invadirá a Amazônia e o Pantanal matogrosseense.
Além disso, este modelo expulsa o pequeno produtor do campo e torna o Brasil totalmente dependente das oscilações do mercado mundial.

O que vemos é uma versão reciclada das velhas “plantations”, onde as colônias produziam alimentos para as metrópoles, sob o regime da escravidão, exportavam suas riquezas a preço irrisório e importavam mercadorias manufaturadas caríssimas. Uma versão moderna da velha colonização.

Multinacionais assumem o negócio
O setor do etanol nos EUA é controlado pelas grandes transnacionais do agronegócio. Somente uma delas, a Archer Daniels Midland (ADM) controla 22% do mercado.
No Brasil, existe uma febre de investimentos estrangeiros no setor sucroalcooleiro que está gerando uma profunda desnacionalização.

O Brasil tem 357 usinas de açúcar e álcool em operação, 43 em construção e outras 244 em fase de planejamento. Os investidores estrangeiros dominam 35% destes novos projetos, sem contar as aquisições e sociedades que estão se multiplicando.
A disputa pelo controle acionário das empresas sucroalcooleiras brasileiras por investidores estrangeiros se demonstra agora na luta pelo controle do segundo maior grupo do Brasil, a companhia açucareira Vale do Rosário. O grupo é disputado pelo maior produtor de álcool do Brasil, o grupo Cosan, pelo Bradesco e pela Bunge, transnacional do agronegócio.

George Soros, mega especulador das bolsas, adquiriu recentemente uma usina de cana-de-açúcar e está planejando investir mais de US$ 700 milhões em produção de etanol no Brasil. A maior multinacional do agronegócio, a Cargill, também comprou uma usina em 2006.

Neste ramo, se repetirá, em escala superior, o que aconteceu com a produção de soja no Mercosul, que foi totalmente dominado pelas grandes transnacionais do agronegócio.

Brasil como submetrópole
O recente acordo entre EUA e Brasil sobre o etanol, mostra bem o papel de colônia que o país está assumindo. O acordo compreende a plantação de cana-de-açúcar e produção de álcool em países da América Central, que utilizariam tecnologia brasileira e toda produção seria exportada para os EUA. As repúblicas de banana se convertem em repúblicas de cana-de-açúcar.

Hoje o Brasil já utiliza países da região, como a Jamaica, por exemplo, para produzir álcool combustível para o mercado americano. Importam o combustível do Brasil, processam aí e exportam o produto para os EUA. Os países da América Central e do Caribe não pagam taxas para enviar seu etanol ao mercado norte-americano.

As empresas brasileiras utilizam a região como plataforma de exportação do etanol, tudo em acordo com os EUA. “Já que não saiu a Alca vamos de álcool”, diz Brian Dean, que, junto com Jeb Bush (irmão de Bush) e Roberto Rodrigues (ex-ministro da agricultura), dirigem a Comissão Interamericana de Etanol.

Aqui fica claro o papel do Brasil em relação ao imperialismo: uma mera colônia. Em relação aos países vizinhos, é um “gerente dos negócios estrangeiros”. Um duplo papel dá uma cara ao Brasil de submetrópole em relação aos países da América Latina e de colônia em relação ao mercado mundial.

Post author Nazareno Godeiro, do conselho editorial da revista Marxismo Vivo
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