Fechadas as urnas na Bahia e apurado o último voto, muitos foram os que correram para decretar o fim do carlismo no estado. É verdade: como diz o adágio popular, “não há mal que seja eterno, nem bem que sempre dure”. A Bahia, feita de quintal por um grupo político durante décadas (deve-se descontar o intervalo desastroso – desastroso para os trabalhadores – do governo de Waldir Pires/Nilo Coelho), não podia assistir impassível, geração após geração, aos desmandos do carlismo, que cresceu sob as barbas da ditadura militar. Contudo, se a nova ordem proclama o fim do velho coronel, o que se espera, também, é o anúncio do fim do anticarlismo. Isso porque se o carlismo é o filho legítimo do autoritarismo no estado, a oposição, que se construiu na sombra de ACM, é também filha legítima do carlismo, senão sua outra metade. De outra forma, se estamos falando de contra-hegemonia, como se pretende os petistas, o desaparecimento de uma hegemonia levará, necessariamente, à construção de outra, porque portadora do novo. O fim do carlismo deverá produzir o também o fim do anticarlismo, sendo essa uma solução saudável de onde poderemos julgar os novos governantes sem as lentes turvas do grupo anterior. Ou seja, a questão é que esperamos muito mais do que discursos inflamados contra os desmandos do governo da Bahia e a conivência com o governo Lula.

Contudo, um rápido olhar pela composição de forças e de partidos (a coligação encabeçada pelo PT tinha nove!) que levaram Jaques Wagner à vitória não nos permite alimentar muita ilusão quanto às reais mudanças que todos esperamos. Isso porque tanto os neo-petistas, recém chegados ao partido, depois que a sua banda boa saiu, expulsa ou de bom grado, quanto os neo-lulistas ou neo-anticarlistas, que até pouco tempo andavam de braços dados com ACM e que agora comporão o governo do PT, nos dão poucas esperanças de que haja mesmo um projeto contra-hegemônico no seio do futuro governo. Apesar disso, sabemos bem que o anticarlismo foi capaz de produzir na Bahia uma falsa polarização que no final das contas omitiu as reais relações-de-força na sociedade em favor de projetos semelhantes, contrapostos apenas por se dedicarem a atacar personalidades conhecidas da política local. Senão, como explicar a vitória de Wagner no primeiro turno sem considerar a pequeníssima expressão eleitoral de todos os outros partidos ou coligações que vieram depois do segundo colocado? Ou seja, o anticarlismo foi um importante guarda-chuva para abrigar todo o tipo de político descontente (ou preterido) com o velho esquema, mas não foi capaz de produzir uma postura contra-hegemônica que realmente postulasse o novo.

Mas os petistas e seus aliados, novos ou velhos, ganharam a eleição e o que temos que fazer é exigir o cumprimento das promessas e denunciar os possíveis descasos, pois a saúde anda à míngua, a educação é um descalabro e os servidores amargam anos e anos de arrocho salarial e descompromissos sucessivos. E não esperem que estejamos dispostos a ouvir, pelos próximos quatro anos, a velha cantilena que embalou o governo Lula. Este, incapaz (ou não disposto) de fazer mudanças, falava da “herança maldita”, da Lei de Responsabilidade Fiscal, dos compromissos que tinham que ser cumpridos, dos limites do orçamento, da “conspiração das elites” etc etc etc. Lula foi incapaz de construir um novo projeto político simplesmente porque optou por perpetuar a velha hegemonia. Os trabalhadores brasileiros têm sido pacientes, mas esperança não enche barriga e paciência tem limite. O Palácio de Ondina espera a nova corte petista e os trabalhadores baianos o cumprimento das promessas feitas nos gloriosos tempos do anticarlismo. Com o fim do anticarlismo espera-se a emergência de novas forças políticas pela esquerda, senão teremos que assistir nauseabundos a velha política oligárquica vestida em pele de cordeiro. O futuro nos espera. Quem viver, verá!

* Artigo publicado no jornal A Tarde com o título “A outra metade do carlismo”