Nesta semana a coordenação da Frente de Esquerda (PSOL, PSTU e PCB) definiu um manifesto que pode ser considerado uma conquista. Ele é um instrumento de luta contra os dois blocos majoritários (PT-PCdoB e PSDB-PFL) que concorrem nesta eleição.

O manifesto sintetiza reivindicações defendidas pelo movimento sindical, estudantil e popular há muitos anos, que foram abandonadas pelo PT, e convoca estes movimentos sociais a se integrar nesta batalha eleitoral.

A Frente de Esquerda ganha legitimidade ao apresentar este manifesto perante os movimentos sociais. E tem a responsabilidade de colocar este programa do movimento em discussão na campanha eleitoral, diante das promessas eleitorais mentirosas que serão defendidas por Lula e Alckmin.

Infelizmente, no mesmo momento em que o manifesto era definido pela Frente, uma entrevista de César Benjamin, candidato à vice-presidente, ao jornal Folha de S. Paulo (23/07/2006), apontava um outro caminho. Existem grandes diferenças entre o manifesto e as posições de César, que se afasta claramente das propostas históricas defendidas pelos movimentos sociais.

O que fazer com a dívida externa?
Este é, sem dúvida, um dos temas mais importantes do programa. Não existe nenhuma condição de seguir pagando, como faz o governo Lula, R$ 520 bilhões das dívidas interna e externa aos banqueiros, e desenvolver qualquer plano econômico a serviço dos trabalhadores. Por isso, o manifesto defende uma ruptura com a dominação imperialista, a auditoria das dívidas externa e interna e a suspensão de seu pagamento.

César Benjamin, na entrevista, afirma: “Vamos fazer uma auditoria. O Brasil tem que saber o que aconteceu”. Entretanto, reduz o programa apenas à auditoria da dívida. Essa postura não aponta nenhuma perspectiva séria de enfrentamento com o imperialismo, não possibilitando nenhuma mudança real na vida dos trabalhadores.

O que fazer com o salário mínimo?
Temos um salário mínimo que sofreu um arrocho brutal. O Dieese calcula que hoje ele deveria valer R$ 1.447 para satisfazer as exigências mínimas definidas pela Constituição. Isso significa um valor quatro vezes maior que os atuais R$ 350 concedidos pelo governo Lula.

O manifesto aponta a necessidade de dobrar imediatamente o mínimo, um primeiro passo em direção ao salário do Dieese.

Já César Benjamin defende que um possível governo de Heloísa Helena tenha outro plano: “Pelas nossas simulações, isso significaria a duplicação do poder de compra do salário mínimo em um horizonte de oito a dez anos”.

Esta proposta enfraqueceria a campanha de Heloísa, e é bem provável que seja inferior à proposta que Lula apresentará para um segundo mandato.

O que fazer com as empresas privatizadas?
O Brasil assistiu, durante o governo FHC, às privatizações fraudulentas das estatais. As empresas telefônicas, a CSN e dezenas de outras foram entregues às multinacionais e o país empobreceu. Ocorreram grandes negociatas que renderam fortunas a um punhado de grandes empresários e políticos corruptos.
A Vale do Rio Doce foi um dos maiores exemplos. Em sua entrevista, César informa que a empresa foi vendida por R$ 3 bilhões, mas que só em 2005 teve lucro líquido de R$ 12 bilhões.

Quando questionado sobre o que o governo de Heloísa deveria fazer em relação a isso, César respondeu: “Adoraria reestatizar a Vale, mas não posso prometer o que não posso entregar. Não sei como fazer”.

Mas o manifesto da Frente de Esquerda diz bem o que deve ser feito: “Queremos a revogação imediata das privatizações das empresas estatais, a começar pela Vale do Rio Doce”. Esta é uma bandeira assumida por todos os movimentos sociais de oposição, a começar pelos próprios sindicatos dos trabalhadores da Vale.

O debate sobre as cotas
César, infelizmente, também se pronunciou contra as cotas para os negros: “Esse debate deve prosseguir. O racismo, evidentemente, precisa ser repudiado, mas não acho que a adoção de cotas e a criação de identificações raciais seja um bom caminho”.

Esta posição choca-se com a da maioria absoluta dos movimentos negros do país, que encara a luta pelas cotas como parte de seu programa de luta contra a exploração e opressão dos negros.

Tal posição choca-se também com a maioria do povo brasileiro, em particular com a sua parcela mais explorada. Na edição anterior da Folha em que foi publicada a entrevista de César, uma pesquisa do jornal indicou que 65% dos brasileiros são favoráveis às cotas. A pesquisa aponta ainda que o apoio é maior entre os que ganham até dois salários mínimos (70%) e têm apenas o ensino fundamental (70%).

A perspectiva de classe
O manifesto da Frente de Esquerda, por se tratar de uma postura conjunta, não esgota o conjunto de discussões e polêmicas entre os três partidos.
Um dos temas que levaram a inúmeras discussões na preparação da Frente (em que não houve acordo), foi a perspectiva de classe. Como todos sabem, o PSTU defendia uma frente classista, e este caráter acabou por não ser aceito por PSOL e PCB.
Uma das questões na discussão do classismo é a perspectiva de quem deve governar. Nós defendemos que os trabalhadores devem governar contra todos os setores da burguesia. O stalinismo criou (e depois o PT desenvolveu) uma estratégia de aliança com setores burgueses “progressivos” que sempre levou os trabalhadores a aceitar na prática o programa da burguesia. A trajetória do PT mostra onde esta perspectiva acaba terminando.

Uma das formas desses setores ditos “progressivos” seria a da burguesia “produtiva”, em oposição “aos banqueiros e especuladores”. Isso é completamente artificial, pela própria evolução do capitalismo. Os burgueses “produtivos” das indústrias estão profundamente ligados aos bancos, por laços financeiros e acionários. Por isso, a “gritaria” da indústria contra os juros nunca vai até o fim e sempre termina em pizza. Os “produtivos” são também “especuladores”.

Na entrevista, César retoma este discurso, ao afirmar que, no governo de Heloísa, “serão rapidamente alijados do poder dois grupos que comandam o Estado brasileiro há muitos anos. O primeiro são os especuladores ligados ao mundo financeiro, que controlam o Ministério da Fazenda e o Banco Central (…) O segundo são os grupos políticos que vivem de lotear e parasitar as instituições”.

Evidentemente, estamos de acordo que se governe sem os banqueiros e os corruptos. Mas estamos também a favor que estejam fora os representantes das empresas multinacionais que controlam o país, os latifundiários (“produtivos” e “improdutivos”) e todos os setores da burguesia. Não estamos apontando para um desenvolvimento capitalista sustentado, em aliança com algum setor da burguesia. Defendemos a ruptura com o imperialismo e o capitalismo, e um novo poder dos trabalhadores.

DEU NA IMPRENSA

  • Leia a entrevista de César Benjamin ao jornal Folha de S. Paulo

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