Jair Bolsonaro, candidato pelo PL à reeleição, repetiu nesta segunda-feira (22), em entrevista ao Jornal Nacional, suspeitas mentirosas sobre as urnas eletrônicas, defendeu a aliança com o Centrão, defendeu sua política genocida e negacionista na pandemia e chegou a negar um vídeo em que ele imitou um paciente com falta de ar. “Eu queria que você botasse no ar essa… eu imitando falta de ar”, disse o presidente à apresentadora Renata Vasconcellos. Mas entre o farto cardápio de mentiras, Bolsonaro repetiu muitas de suas histórias esdrúxulas sobre a Amazônia e o meio ambiente e ainda teve a audácia de inventar novas. Vejamos

Queima de equipamentos de garimpeiros e madeireiros

Desde que assumiu, Bolsonaro tenta impedir que o IBAMA destrua e queime equipamento e a estruturas dos garimpos e as máquinas usadas para a extração ilegal. No JN, o presidente disse “se chegou na floresta [o equipamento], tem como sair”.

A queima de equipamentos é uma medida legal, prevista nas operações do IBAMA em caso de flagrante, especialmente em Unidades de Conservação e Terras Indígenas. A queima, inclusive, é necessária para a segurança dos próprios agentes, já que, em muitas ocasiões, a remoção é extremamente difícil e arriscada, devido a riscos de emboscada. Já os bandidos gastam meses levando o equipamento pra floresta e não correm risco de emboscada.

O problema é que Bolsonaro é pressionado por políticos da Amazônia envolvidos com essas atividades ilegais e criminosas para impedir o IBAMA de realizar essas ações, que efetivamente impõem enormes prejuízo a madeireiros e garimpeiros.  Por isso, junto com o seu ex-ministro Ricardo Salles, perseguiu e exonerou servidores que simplesmente realizam o seu trabalho.

Fazendeiros e ribeirinhos: quem é responsável pelos incêndios na Amazônia?

O presidente foi questionado sobre os recordes de desmatamento e queimadas na Amazônia Mas uma vez, Bolsonaro disse que os incêndios na floresta tropical são provocados por fazendeiros, mas também “por ribeirinhos”. No passado, ele já havia responsabilizado também caboclos e os indígenas pelos incêndios na floresta.

As populações tradicionais da Amazônia (indígenas, caboclos, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, castanheiros etc.) sempre utilizaram fogo para abrir seus roçados. No entanto, a queima utiliza técnicas ancestrais herdadas dos povos originários para impedir o descontrole das queimadas. Só são queimadas áreas muito pequenas, com menos de 1 hectare, sempre observando as condições do tempo, como a direção do vento. Antes da queimada são feitos “aceros”, uma separação entre as áreas de vegetação e a área que vai ser queimada. Essa última, geralmente é uma “capoeira”, ou seja, uma vegetação secundária composta por gramíneas e arbustos esparsos, que cresce sob a vegetação original. Há um sistema de rotação entre as áreas de capoeiras novas e antigas que visa a recuperação da fertilidade natural dos solos. Além disso, como um seringueiro me demonstrou, a queimada pode ser realizada dias depois de uma chuva esparsa. Ela não chega a encharcar o solo, inviabilizando a queimada, mas deixa a floresta mais úmida e mais protegida contra o fogo. É muito simples de entender o motivo de tanto cuidado no manejo do fogo: as populações tradicionais da Amazônia não vivem só do seu roçado, mas também dos recursos que a floresta oferece. Portanto, eles são os mais interessados de que ela se mantenha em pé.

Mas os fazendeiros amigos de Bolsonaro têm outra lógica. Para eles a floresta é mato que precisa ser derrubado. E onde há fumaça e fogo, há também roubo de terras públicas, violência e desmatamento que expõem todo o banditismo do agronegócio e seu caráter destrutivo. O primeiro passo para se roubar terras públicas e convertê-las em propriedade privada é o desmatamento seguido de incêndio. Depois, planta-se capim, coloca-se cercas e algumas cabeças de gado. Finalmente, vem a grilagem, ou seja, o processo fraudulento que cria documentos falsos de posse da terra, no qual o fazendeiro tem ajuda de funcionários do Estado e de cartórios. Depois é só cruzar os braços e esperar algum governo de plantão perdoar a posse ilegal, como veremos mais adiante.

É isso que explica, por exemplo, o “Dia do Fogo”: as queimadas articuladas por fazendeiros na BR-163 (Cuiabá- Santarém), entre os dias 10 e 11 de agosto de 2019. Na ocasião os fazendeiros organizaram a ação por meio de grupos de WhatsApp, compraram combustível e contrataram motoqueiros para incendiar a floresta. Ricardo Salles visitou os criminosos que promoveram o dia do fogo em Novo Progresso (PA). Há muitas outras visitas de Salles com essa gente, é só consultar na internet.

Legalização fundiária é legalização da grilagem

Na entrevista ao JN, Bolsonaro disse que o Congresso não permitiu que seu governo avançasse na legalização fundiária da Amazônia. O presidente se referia à MP 910, que vigorou de dezembro de 2019 a maio de 2020, e  ao Decreto 10.165, ambas propostas por Bolsonaro para ampliar a legalização da grilagem das terras públicas. A MP dispensava de vistoria dos órgãos oficiais do governo as terras com até 15 módulos fiscais (na Amazônia, aproximadamente 1.500 hectares) para verificar a comprovação de cultura efetiva e de ocupação e exploração direta. Além disso, perdoava quem ocupou essas áreas até dezembro de 2018.

Com o Decreto 10.165 o governo pretendia regularizar áreas de até 2.500 hectares.  Com a dispensa de vistorias, bastava a declaração do próprio ocupante para que ele legalizasse a posse da terra. Junto com isso, a Instrução Normativa do INCRA nº 100 também facilitava o procedimento autodeclaratório, ou seja, com a dispensa de vistoria realizado por uma profissional habilitado no INCRA. Um dos objetivos seria o uso do chamado Cadastro Ambiental Rural (CAR) para a legalização fundiária. O CAR é um registro público eletrônico nacional obrigatório. No entanto, é baseado na autodeclaração dos proprietários dos imóveis rurais.  Quando terminou, o total das áreas autodeclaradas do CAR foi 27,7% maior do que todo o território nacional.

A  MP 910 foi muito combatida pelo movimento ambiental, cientistas, artistas e intelectuais. Sob pressão, o Congresso não conseguiu votar novas leis depois que ela caducou. Houve até ameaças de boicote aos produtos do agronegócio brasileiro caso fossem aprovadas leis similares. Tudo isso é, claro, não poderia ser aprofundado numa emissora que tem como um dos seus principais slogans “o agro é pop”.

Hidrogênio verde: o novo nióbio de Bolsonaro

Uma das principais maneiras de Bolsonaro tentar ludibriar o povo é inventar soluções mágicas que levarão o país ao desenvolvimento e a riqueza. É o que ele sempre fez com o nióbio. Uma cortina de fumaça que tenta ocultar, na verdade, seu projeto de transformar o país numa imensa fazenda produtora de commodities para o mercado externo, enquanto a desindustrialização avança e a pesquisa científica sucumbe a falta de verbas.

Na entrevista ao JN o nióbio não apareceu. Bolsonaro preferiu falar sobre o hidrogênio verde. “O Brasil terá condições de ser um grande exportador de hidrogênio verde”, disse o presidente em sua nova fábula.  Mas o que é hidrogênio verde (H2V) e qual é a sua importância? O Brasil está realmente produzindo esse composto químico?

O hidrogênio (H2) é o elemento químico mais abundante do universo. Há muito tempo alguns entusiastas defendem H2 seria uma solução mágica para a transição energética, entre eles está o multimilionário Bill Gates. Mas não é bem assim.

Existem muitas dificuldades em tornar o H2 uma fonte energética eficaz e limpa. Como o H2 não existe em sua forma pura na Terra, ele precisa ser “separado” de outras moléculas num processo chamado eletrólise. Na imensa maioria dos casos isso ocorre usando combustíveis fosseis que liberam dióxido de carbono (CO2) ou metano (CH4), justamente os gases do efeito estufa e, portanto, não se configurando enquanto uma fonte limpa de energia. A outra maneira é a partir de fontes solar e eólica. Esse é o chamado “hidrogênio verde” que, no entanto, é muito custoso e representa apenas 0,1% de todo o H2 produzido como combustível, segundo a Agência Internacional de Energia. Outro problema é que a eletrólise requer metais raros, como a platina, criando ainda mais dificuldades para a produção.

Na União Europeia, a Alemanha lidera a aposta nesse tipo de tecnologia e já investiu mais de 9 bilhões de euros no H2. Mas tudo isso é muito experimental e o desenvolvimento dessa tecnologia estão na fase de demonstração e de protótipos.

No Brasil a realidade é bem diferente. No começo do ano uma usina da EDP Brasil (subsidiária da EDP – Energias de Portugal) anunciou que produzirá H2V em São Gonçalo do Amarante (CE).  A usina terá a capacidade para produzir 22,5 quilos (kg) de hidrogênio por hora, uma quantidade muito pequena devido as dificuldades técnicas de produção. Ou seja, as experiências no desenvolvimento do H2V se iniciam no Brasil sob o comando de uma multinacional, sem nenhuma participação efetiva do governo. O Estado brasileiro não destinou um centavo à produção de hidrogênio verde e sequer sonha em fomentar pesquisas científicas nas universidades públicas e institutos de pesquisa. O verdadeiro negócio desse governo é continuar incentivando as queimadas de florestas, a invasão de terras indígenas e estímulo a garimpagem.