Foto Mídia Ninja
Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

Nos últimos anos, aumentaram as críticas e os protestos contra os governantes nas festas de carnaval. Proporcionalmente, aumentou também a repressão policial aos foliões.

Ano passado, em São Paulo, a Defensoria Pública do Estado recebeu dez denúncias de violência policial durante os dias de festas. As intervenções da Polícia Militar espalham violência e demonstram o viés autoritário da polícia, que usa táticas de enfrentamento e de guerra com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo, agressão contra mulheres e idosos, xingamentos, fratura óssea intencional e humilhações.

Esses métodos violentos já estão sendo usados nas festas pré-carnavalescas. No dia 12 de janeiro, mais de 300 mil pessoas, que brincavam no Bloco da Favorita, na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, foram reprimidas com bombas de gás pela PM e pela Guarda Municipal.

No último dia 8, a Tropa de Choque de São Paulo fez uso de bomba de gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar foliões que se concentravam no Largo da Batata. Em Salvador (BA), um vídeo divulgado nas redes sociais mostra a polícia agredindo um grupo de mulheres no final na festa de Iemanjá, no dia 2.

Um carnaval de lutas

O Carnaval 2020 deve seguir a tendência dos dois anteriores: vai ser politizado. Não terá como silenciar a insatisfação com os governantes e a piora das condições de vida. Estarão presentes nas marchinhas, nos enredos das escolas de samba e nas fantasias dos blocos de rua.

A Estação Primeira de Mangueira, que em 2019 foi a campeã do Carnaval carioca ao celebrar o “país que não está no retrato”, este ano vai ocupar a Sapucaí com desfile cheio de referências à atual conjuntura política brasileira. Com o enredo “A verdade vos fará livre”, a verde e rosa apresentará Jesus ao lado dos pobres e oprimidos contra intolerância. Vai contar a história de um Jesus Cristo negro e favelado, que sofre com preconceito e intolerância, com uma política de segurança pública de guerra.

A Portela, vai falar sobre os indígenas que habitavam o Rio de Janeiro antes da chegada dos colonizadores portugueses. A crítica social também se faz presente no samba da azul e branco, que afirma que “nossa aldeia não tem bispo, nem se curva a capitão”, em referência ao prefeito Marcelo Crivella (PRB) e ao presidente Jair Bolsonaro.

Em Salvador, o bloco As Poderosas, formado por mulheres, vai protestar contra o alto índice de feminicídios, que cresceu quase 33% na Bahia em 2019 segundo dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). A juventude negra e pobre da periferia vai soltar seu grito de rebeldia atrás do navio pirata da banda Baiana System e no maior arrastão de trio do carnaval de Salvador: a Pipoca do Kannário.

A luta contra a lgbtfobia é o tema do bloco Os Mascarados, puxado pela cantora Margareth Menezes. A pauta do racismo é comandada pelos blocos afro e de afoxé: Ilê Ayê, Olodum, Filhos de Gandhy, Didá Banda Feminina, Muzenza, Malê Debalê e Cortejo Afro. Na segunda-feira de carnaval, os movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos invadem o circuito oficial na tradicional Mudança do Garcia, bloco de protesto que resiste desde a ditadura militar.

Palco de protestos

Para o povo pobre e trabalhador, o carnaval sempre foi e sempre será um palco de protesto. Apesar da aparência de ser uma festa livre e democrática, a folia de Momo sempre foi marcada por conflitos de classe. Historicamente, a participação popular foi combatida e reprimida.

Os governantes e a burguesia nunca quiseram o povo pobre, preto e periférico festejando nas ruas. A história de que o carnaval é uma autêntica festa popular brasileira, na qual negros, brancos, índios, ricos e pobres brincam lado a lado em pé de igualdade é parte do mito da democracia racial.

O Carnaval no Brasil nasceu associado a uma festa de brancos, das elites. A forte violência policial que tem marcado os festejos de ruas nos últimos anos tem essa conexão histórica, que ganha mais respaldo em governos autoritários, retrógrados e reacionários como o de Bolsonaro.

As balas de borracha e as bombas de gás não cessarão a insatisfação popular. O ano de 2020 começou com fortes lutas: greve nacional dos petroleiros, dos trabalhadores da Casa da Moeda e da DataPrev, assim como grandes manifestações nos estados contra a reforma da Previdência. Essas mobilizações têm de somar-se à insatisfação popular, transformar o Carnaval no palco das lutas, pois não existe arena melhor para o embate do que as ruas.