A cidade do Rio de Janeiro está enfrentando uma nova onda de criminalidade que ameaça a população. Trata-se do conflito entre as chamadas milícias cariocas com os traficantes de drogas. No final de 2006, o conflito manchou de sangue a festa de fim de ano dos cariocas, quando 19 pessoas foram mortas (oito queimadas vivas em um ônibus), em ações do tráfico de drogas em uma suposta represália ao avanço das milícias.

Neste ano, nos dias 3 e 4 de fevereiro, a guerra entre o tráfico e as milícias pelo controle das comunidades carentes do Rio deixou cinco mortos e dez feridos.

Na Ilha do Governador, quatro pessoas morreram e duas ficaram feridas após traficantes tentarem invadir as favelas do Barbante e da Vila Joaniza. Novamente, quem mais sofre com toda essa situação é a população, que vive sob o fogo cruzado e a tirania que essas quadrilhas impõem nas comunidades.

O que são?
As milícias são tão criminosas quanto o crime organizado e o tráfico de drogas. São formadas por policiais civis ou militares, bombeiros, agentes penitenciários, todos travestidos de justiceiros.

As milícias invadem a favela, expulsam os traficantes, ocupam seu lugar e passam a lucrar com a suposta proteção que oferecem à população. Cobram ágio sobre a venda de gás, percentuais em vendas e locações de imóveis e nos chamados “gatos NET“ – instalações ilegais de TV por assinatura. Exercendo o controle sobre a comunidade, os milicianos impõem um regime tirânico e ditam as normas de conduta de seus moradores.

Entrevistada pelo Opinião, M., ativista sindical que atua em comunidades cariocas, disse que as milícias “controlam a vida das pessoas, as entradas e saídas dos moradores e revistam as pessoas”.

Um exemplo disso ocorre na favela Vila Joaniza, onde, segundo o jornal O Globo, os milicianos construíram portões para controlar o acesso ao local e impedir o retorno das traficantes expulsos.

Negócio lucrativo
O crescimento da atuação das milícias tem sido extraordinário. De acordo com dados oficiais, há menos de dois anos as milícias controlavam 42 comunidades. Atualmente, controlam 92. A expansão se dá graças à atuação das polícias Militar e Civil, que permitem a invasão das milícias e, em seguida, se instalam no local para impedir o retorno dos traficantes. Muitas vezes, a invasão de uma milícia em uma favela tem a cobertura direta da polícia, com a utilização até do famigerado “caveirão” (carro blindado da polícia fluminense).

O crescimento da ação das milícias logo se transformou num extraordinário negócio lucrativo. “Certamente, essas milícias vão começar a disputar espaço entre elas, assim como o tráfico faz com as favelas mais lucrativas. Do ponto de vista do que podem render para essas milícias, as favelas mais lucrativas também começarão a ser disputadas. A grande pergunta que fica no ar é: quando as milícias vão começar a vender drogas?”, questiona Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, em uma entrevista à agência Carta Maior.

Há fortes suspeitas de que as milícias teriam feito acordos com a facção criminosa Amigos dos Amigos (ADA). Os milicianos não atacam as favelas dominadas pela facção e invadem apenas os redutos do Comando Vermelho (CV) e do Terceiro Comando Puro (TCP), grupos rivais da ADA.

Algo que pode comprovar esse acordo é o fato de que os ataques no fim do ano passado foram realizados apenas pelo CV e TCP, sem a ADA.

Segundo M., “nas comunidades é muito comum ouvir dizer que as milícias fizeram um acordo com a ADA, que continuaria a controlar o tráfico enquanto as milícias controlariam a taxa do gás e do gato-NET”.

M. também levanta uma outra preocupação de extrema relevância. “A médio prazo, essas milícias podem reprimir os movimentos sociais. Nos anos 80, as milícias cumpriram esse papel, chegando a impedir até piquetes de greve”, afirma.

Barbárie no Orkut
No Orkut, site de relacionamentos na internet, é possível acessar uma comunidade ligada às milícias. A comunidade intitulada “Milícia RJ”, reúne 129 membros que comentam sem constrangimentos algumas ações do grupo e as disputas pelas favelas com setores do tráfico. Um membro da comunidade dá a dica para aqueles que pretendem aderir às milícias: “Naum (não) ter pena d ngm (ninguém), pois matar alguém que está trocando tiro com vc (você) é fácil, porém por muitas das vezes vc terá que executar alguém que nunca viu, essa profissão exige muito sangue frio, raciocínio rápido, preciso e maudade (SIC)”.

Estado corrupto
A nova onda de violência no Rio de Janeiro mostra com total clareza a corrupção do aparato do Estado. A ação das milícias só é possível graças ao alto grau de decomposição do Estado burguês e de seus órgãos de segurança. Em todos os níveis do Estado (polícia, Justiça, políticos, partidos etc.) existem ramificações do crime organizado, seja do tráfico ou de grupos de extermínio.

Os chefes das atuais milícias são altos funcionários do Estado e da polícia. Um ex-inspetor da Polícia Civil, que ocupava um cargo de confiança na Secretaria de Segurança do Estado, é um dos acusados de chefiar as milícias. Por outro lado, os governos atuam com total conivência – se não colaboração – com esses grupos assassinos.

O prefeito do Rio de Janeiro, César Maia (PFL), recentemente defendeu a ação das milícias denominando tais grupos como Autodefesas Comunitárias. Um exemplo absurdo de que os governantes avalizam a ação desses grupos criminosos.

Não existe “banda podre” da polícia, porque toda a estrutura está apodrecida, desde a sua direção. Nessa guerra suja, os trabalhadores que moram nos bairros das periferias das grandes cidades têm sempre que temer os ladrões e a polícia, porque tanto um como outro pode matá-los.
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