PSTU da Sul

Júlia Eid, do PSTU da Sul, e Wilson H. Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

No domingo, dia 14, Guilherme Silva Guedes, jovem negro de 15 anos, estava na frente da casa de sua avó, no bairro da Vila Clara (Zona Sul de São Paulo), quando foi rendido e sequestrado por dois homens. Seu corpo foi encontrado no dia seguinte, em Diadema (cidade do ABCD Paulista), com visíveis e brutais marcas de espancamento, um tiro na mão e outro na cabeça. Os principais suspeitos são dois policiais militares.

Diante de mais este episódio lamentável de violência policial e racista, antes de tudo, queremos prestar nossa total solidariedade à sua família e seus amigos, como também declarar nosso apoio irrestrito aos atos realizados pela população do bairro.

O jovem estudante, infelizmente, é mais um dentre milhares de negros da periferia assassinados pela PM. É mais um dos nossos transformado em vítima do genocídio da juventude negra que, há décadas, infesta o país. É mais um caso que nos faz sair às ruas, mesmo em meio à pandemia, para dizer em alto em bom som: Basta de opressão, racista e policial.

Racismo: violência e morte!

Enquanto políticos, grandes empresários e a imprensa dos ricos alardeiam que não existe racismo no Brasil e que, aqui, vivemos numa tal “democracia racial”, marcada pela “cordialidade”, onde negros e negrast êm cada vez mais oportunidades para se tornarem “empreendedores” ou “viver bem”, a realidade demonstra o contrário.

A discriminação racial está profundamente enraizada em nossa sociedade e sua principal expressão é a quantidade alarmante de jovens negros assassinados nas grandes cidades, favelas e periferias. Algo que só pode ser chamado de um verdadeiro genocídio, no exato sentido em que o termo é definido em qualquer dicionário: “o extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso”.

Uma realidade comprovada por uma quantidade enorme de dados que desmascaram facilmente a gigantesca hipocrisia de discursos como o de Bolsonaro, de Sérgio Camargo, o capitão-do-mato instalado na Fundação Palmares ou qualquer um que negue o racismo.

O genocídio da juventude negra

Em números redondos, podemos afirmar que a população descendente dos africanos (as) tem sido alvo de uma verdadeira “guerra suja” por parte do Estado capitalista brasileiro, com um número de vítimas muito superior àquele verificado na soma dos conflitos armados ao redor do mundo, em toda década passada. Segundo o IBGE, entre 2012 e 2017, nada menos que 255 mil negros e negras foram assassinados no Brasil.

A violência é, inegavelmente, uma preocupação para qualquer trabalhador ou jovem das periferias. Mas a desproporção provocada pelo o racismo é escandalosa. Segundo o último “Atlas da Violência”, por exemplo, 75% das vítimas de homicídio são negras. Já o “Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública/2019”, revela que, do total dos mortos nas ações policiais, entre 2017 e 2018, 75,4% eram pessoas negras.

Outro levantamento, intitulado “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, publicado em 2019, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), aponta que, em 2017, a taxa de homicídios (para cada 100 mil habitantes) foi de 16,0 entre os brancos (as) e 43,4 entre as pessoas negras (considerando nesta categoria, aqueles que o IBGE classifica como “pretos” e “pardos”).

Com um terrível “detalhe” que nos ajuda a entender a tragédia que atingiu a família do jovem Guilherme: a taxa de homicídios da população negra superou a da branca em todas as faixas etárias. Contudo, a situação beira a barbárie principalmente dentre os mais jovens, os que estão entre 15 e 29 anos.

Nesse grupo, a taxa entre negros(as), também em 2017, chegou a 98,5/100 mil, contra 34,0 entre os jovens brancos. E, considerando-se os jovens negros do sexo masculino, a taxa chegou ao absurdo patamar de 185,0 para cada 100 mil habitantes. Em termos comparativos, estes dados demonstram que nos últimos anos as chances de um negro ser assassinado têm sido, no mínimo, 2,7 vezes maior do que a de um branco.

O capitalismo mata!

Como prova tanto do forte perfil racista desta violência quanto do fato de que mesmo os governos anteriores a Bolsonaro em praticamente nada contribuíram para reverter esta situação, cabe destacar outro dado.

Entre 2012 e 2017 (ou seja, do início do mandato de Dilma até o Governo Temer), a violência contra pessoas brancas se manteve estável – ao redor de 16,0 por 100 mil habitantes–, enquanto dentre negros (as), o índice disparou, passando de 37,2 para 43,4 homicídios.

Por trás destes números e dos policiais e milicianos que empunham as armas, está a realidade da exploração capitalista. E se as coisas só pioraram na última década foi porque todos estes governos, inclusive os do PT (apesar de suas tão alardeadas “medidas compensatórias”), colocaram o Estado brasileiro a serviço dos interesses dos banqueiros, empresários, latifundiários e do imperialismo internacional.

Consequentemente, discursos à parte, nada fizeram de concreto para impedir a transformação das diferenças raciais em desigualdades socioeconômicas e para impedir que a opressão continue sendo usada como justificativa para a superexploração e a violência contra os “de baixo”.

E, aí, também bastam alguns dados. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Continua/2018, apesar de serem pouco mais da metade da força de trabalho (54,9%), negros e negras correspondem a ⅔ dos desocupados (64,2%) e dos subutilizados (66,1%). E, neste mesmo ano, o rendimento médio mensal das pessoas ocupadas brancas era de R$  2.796, o que significa uma diferença de 73,9% em relação a negros(as), cujos rendimentos foram, em média, R$ 1.608).

Bolsonaro: um miliciano, fundamentalista e racista

E se é verdade que os governos anteriores tiveram cumplicidade com a manutenção desta situação, também é um fato que Bolsonaro é um agente ainda mais direto e descarado deste genocídio.

Este não é “apenas” o governo que diz “E daí?”, diante da tragédia da pandemia. É também um governo que faz apologia direta e estimula o racismo (como também o machismo, a LGBTfobia e a xenofobia) o que contribui para o aumento dos casos de violência e assassinatos.

É um governo mais que suspeito de ligações com as milícias e pelo assassinato de Anderson e Marielle, composto por figuras nefastas como o já mencionado Sérgio Camargo, cujas práticas e declarações são, ainda, tentativas infames de minar a organização e lutas da população negra.

E não faltam exemplos. Camargo chamou o movimento negro de escória maldita, disse que Zumbi era “filho da puta que escravizava pretos”, se opõe ao Dia da Consciência Negra, falou em demitir esquerdistas e, ainda, usou o termo “macumbeira” de forma preconceituosa para se referir a uma mãe de santo.

Por isso, estamos dentre aqueles que não só querem colocar Bolsonaro e Mourão para fora, mas também exigem a demissão e punição exemplar de Sergio Camargo.

Em São Paulo: morrer de Covid-19 ou de tiro da PM!

Uma reportagem do portal “A Pública”, em 6 de maio, revelou que, em todo o Brasil, a quantidade de brasileiros negros hospitalizados por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) causada por coronavírus havia aumentou 5,5 vezes, enquanto, dentre os brancos, havia “apenas” triplicado.

Pior ainda, o “fator raça” provoca uma enorme distorção nos casos de óbitos: “entre negros, há uma morte a cada três hospitalizados por SRAG (…); já entre brancos, há uma morte a cada 4,4 hospitalizações.”.

Já Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, revelou que, no Brasil, onde a população negra corresponde a 56,1% dos habitantes, 54,8% dos pacientes negros internados, morreram nos hospitais; enquanto entre os brancos, a taxa de letalidade gira em torno de 37,9%, sendo que a maior diferença ocorre entre pessoas de 30 a 39 anos, dentre as quais, negros têm 2,5 vezes mais chances de morrer em uma internação do que branco.

Estes números não têm nada a ver com o fato de negros (as) serem a maioria da população e só podem ser explicados pelas desigualdades existentes tanto nas condições de vida quanto no acesso aos serviços de saúde de qualidade.

Em São Paulo, particularmente, a combinação “pandemia/pobreza/racismo” é alarmante. Dos bairros com maior número absoluto de mortes causadas pelo coronavírus, oito (todos localizados nas periferias dos extremos Norte, Sul e Leste da capital) têm mais negros que a média da cidade.

Por isso, não há como negar que o governador João Dória, do PSDB (e que, hoje, tenta se afastar da figura de Bolsonaro, com quem esteve grudado na campanha eleitoral), e o também tucano prefeito Bruno Covas (PSDB) são outros dois exemplares da hipocrisia genocida da elite política brasileira.

Cedendo às negociatas com o presidente e à pressão dos grandes empresários, ambos estão pedindo à população para fazer quarentena, ao mesmo tempo em que promovem a reabertura do comércio. E, ainda, têm a cara-de-pau de dizer que estão preocupados com a vida do povo, quando na verdade querem nos usar como bucha de canhão na pandemia.

Por isso, desde o início da pandemia, temos exigido que a quarentena seja decretada, de forma ampla e geral, não só no estado de São Paulo como em todo país. E, para tal, uma coisa é fundamental: precisamos de estabilidade no emprego, salário e renda. Algo que eles se recusam sequer em pensar.

E, se isto não bastasse, todos eles estão se aproveitando da pandemia para aumentar ainda mais a repressão policial, como apontam as pesquisa que demonstram que desde seu início, as mortes por violência policial subiram 54% no Estado de São Paulo, tendo negros, evidentemente, como as principais vítimas.

Além do covarde assassinato do jovem estudante da Zona Sul, nas últimas semanas foram registrados vários outros casos, como as de Juan Ferreira (16 anos), Jordy (15), ambos em Campinas; e Lucas Correia da Silva (23) e seu primo, Leonardo, em Osasco. Todos eles negros e periféricos.

Jovens com o mesmo perfil de tantos outros, Brasil afora, como João Pedro (14), morto no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, durante uma operação conjunta das polícias Federal e Civil do Rio de Janeiro e Jardeson Rodrigo (21), assassinado pela polícia cearense.

A luta contra o racismo incendeia o mundo

No ato em que estivemos no dia 15, na Vila Clara não foram poucas as vezes em que escutamos referências ao assassinato covarde de George Floyd, nos EUA. Não só como exemplo de como o racismo e violência policial se manifestam tanto aqui quanto lá, mas, principalmente, como uma lição a ser seguida.

Foram muitos os jovens, donas de casa, estudantes, trabalhadores e moradores da região que lembraram o verdadeiro levante dos negros, latinos e trabalhadores no país governado por Donald Trump, a quem Bolsonaro tem fidelidade canina.

Uma verdadeira rebelião que detonou uma onda de protestos antirracistas ao redor do planeta, exigindo o fim do racismo, punição dos responsáveis, lembrando que “sem justiça não há paz” e colocando não só Trump contra a parede, mas questionando, também, a “democracia dos ricos”, que vende a ilusão de liberdade, igualdade e fraternidade, ao mesmo tempo em que promove a discriminação, a marginalização, a opressão e exploração.

Para nós, do PSTU, o levante de negros no coração do capitalismo é uma reação justa e necessária ao racismo cruel nos EUA, um país que, como o Brasil, tem sua história marcada pela escravidão que banalizou “legitimou” o racismo, a violência e a crueldade contra negros(as). Uma situação que, nem de longe, chegou ao fim com a abolição da escravidão nos dois países.

Pelo contrário. De formas distintas, aqui e lá, negros e negras têm sido, desde sempre, criminalizados e marginalizados. Seja pela violência gerada pela falta de acesso a direitos, moradia, educação, saúde e condições dignas de vida, seja por aquela exercida pelo Estado, principalmente pelas mãos da polícia.

Uma violência cujo caráter racista também fica evidente esse momento de pandemia, basta lembrar que, no país de Trump, onde negros e negras correspondem a apenas cerca 11% da população, 70% dos mortos pela Covid são afrodescendentes.

Por isso, apesar de toda tristeza e dor que presenciamos nos protestos em Vila Clara, também vimos a esperança e a sede de justiça marcharem pelas ruas do bairro. A esperança de que a revolta nos EUA ecoe ainda mais alto, cresça e tome as ruas do Brasil e do mundo.

Algo que, de imediato, exige que defendamos o fim desta herança da ditadura, que é a polícia militar. Mas não só isso. É importante, também, que mesmo durante a pandemia, tiremos lições das inúmeras experiências de auto-organização popular que estão ocorrendo país afora e comecemos a discutir, seriamente, a necessidade de formação de conselhos populares, organizados pelo povo trabalhador, negro e periférico, inclusive para garantir nossa autodefesa.

Racismo, capitalismo e revolução

O racismo contra negros é uma opressão produzida e reproduzida pelo capitalismo para aumentar brutalmente a exploração dos trabalhadores e o lucro das grandes empresas.

O capitalismo usa o racismo, também, para dividir o conjunto dos trabalhadores e nos enfraquecer enquanto classe. E quanto mais fracos, mais seremos oprimidos, explorados e mortos.

O genocídio dos negros é a expressão mais cruel do racismo. Existe, de forma deliberada, uma política de extermínio dos negros, visível no Brasil, como forma de controle e criminalização da miséria.

O racismo, portanto, é produto de um sistema dividido em classes sociais, um sistema baseado na propriedade privada da terra e das fábricas, um sistema opressor e explorador. Lutamos contra o racismo todos dias, por reparações, por igualdade salarial, contra os assassinatos, nas lutas por moradia, saúde e emprego.

São lutas muito importantes, mas que não bastam para acabar de vez com a opressão que sofremos. Para acabar com o racismo é preciso acabar com o capitalismo. Para que haja justiça para George Floyd, Guilherme e tantos outros e outras, é preciso que os “de baixo” tomem o poder e as instituições do Estado em suas mãos. É preciso acabar com o capitalismo.

E, para isso, precisamos de uma revolução socialista, que termine com toda a exploração e com toda forma de opressão sobre os negros, as mulheres, os LGBTTs, os imigrantes e, portanto, sobre o conjunto dos trabalhadores e pobres do mundo.

Justiça para Guilherme e todos negros e negras vitimados pelo racismo e o capitalismo.