Relatório sobre mortes de mulheres na cidade mexicana causa indignaçãoÀs vésperas do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, as mulheres de todo o mundo são mais uma vez insultadas em sua dignidade, em tantos anos de luta por sua libertação. A notícia, desta vez, vem do México. Depois de 11 anos (!) de investigações, o governo mexicano divulga o relatório da Comissão Especial sobre Delitos Relativos aos Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez. E o mínimo que causou entre as mulheres mexicanas e do mundo inteiro foi indignação. O relatório joga por terra vários dados e argumentos exaustivamente levantados por uma infinidade de mulheres e comissões de direitos humanos para esclarecer os assassinatos e desaparições de mulheres que ocorrem nessa cidade mexicana desde 1993.

“O relatório é indigno, vergonhoso e humilhante, porque falsifica e minimiza os fatos”, diz Esther Chávez, presidente da Casa Amiga, um centro de apoio aos familiares das vítimas de Ciudad Juárez. O que mais revoltou a todos foi o fato de o relatório oficial afirmar que “a dimensão exata do problema” havia sido distorcida, ou seja, ampliada pelos familiares e organizações de mulheres que lutam há anos por justiça.

“Então, se o problema era tão pequeno como eles dizem, por que gastaram tanto tempo e tanto dinheiro em investigá-lo?”, pergunta Esther Chávez. “O que acontece é que o governo (de Vicente Fox) quer minimizar o caso, mas mesmo que não morra nenhuma mulher mais, nós vamos continuar gritando”.

Capital do “feminicídio”
Ciudad Juárez, próxima à fronteira com os Estados Unidos, ficou tristemente conhecida no início dos anos 90 como a “capital do feminicídio”, por causa dos constantes assassinatos, precedidos de violência sexual, e pelos desaparecimentos de mulheres, a maioria delas jovens entre 15 e 30 anos. A maioria delas foram estupradas, algumas por muitas pessoas, e torturadas. A situação chegou a tal ponto que depois de inúmeras campanhas internacionais e dentro do México, encabeçadas por grupos de mulheres, e uma enorme pressão contra o governo Vicente Fox, surgiu essa tal Comissão Especial de Delitos, para apurar as causas dos crimes.

Familiares das vítimas e organizações feministas já haviam levantado inúmeros dados e formulado várias hipóteses, mas tudo isso foi ignorado no relatório final, justamente porque havia fortes indícios de envolvimento da própria polícia e de famílias ricas nos crimes.

No entanto, o relatório da Comissão afirma que na morte violenta de 379 mulheres, ocorridas nos últimos 11 anos em Juárez, não há nenhum padrão de assassinatos em série e que apenas 78 casos estão relacionados com ataques sexuais. Além disso, afirma que 125 mulheres morreram em seus próprios domicílios, vítimas de familiares ou amigos, e que a maioria das assassinadas vivia em um ambiente altamente “criminológico e violento”. As ativistas de direitos humanos levantados dados mostrando que mais de 4 mil mulheres desapareceram misteriosamente nesse período, mas o relatório diz que foram apenas 47.

Maquilas, aí mora o perigo
A maioria das mulheres assassinadas eram operárias que trabalhavam nas maquilas, as zonas francas de fabricação de produtos para exportação. Em Ciudad Juárez e outras cidades mexicanas fronteiriças com os Estados Unidos, se concentram esse tipo de fábrica, que se instalaram ali por obra do governo Fox, sem pagar impostos e se beneficiando da abundância de mão de obra barata. O governo não faz nada contra o enorme desemprego que atinge os trabalhadores, em especial os mais jovens e entre eles, as mulheres, que são obrigados a viver longe de suas famílias, trabalhando em condições subhumanas, com salários de miséria, e expostos a todo tipo de prepotência. O enorme desemprego, a marginalidade, uma grande população flutuante, o tráfico de mulheres e drogas é o cenário que o governo mexicano mantém na fronteira com os Estados Unidos, e que se transformou num verdadeiro inferno para as mulheres.

O movimento de mulheres do mundo inteiro, que tanto lutou para deter e esclarecer os crimes, não deve aceitar de forma alguma esse relatório distorcido e humilhante. É preciso repudiar mais essa manobra suja do governo Fox, e continuar lutando para que a verdade apareça, porque do contrário, a impunidade vai fazer com que Ciudad Juárez continue a ser a “capital do feminicídio”.

Colheita de mulheres
Durante anos, Diana Valdez cobriu, como jornalista, os assassinatos de mulheres em Ciudad Juárez. Ela conseguiu juntar dados suficientes para botar muita gente na cadeia. Mas nada foi feito. Aqui extraímos uma passagem de seu livro “Colheita de Mulheres. Safari no Deserto Mexicano”, publicado na Espanha em 2005.

“Apesar das afirmações das autoridades, esses crimes não tinham nada de normal e já eram muitos. Desde 1993, jovenzinhas, inclusive meninas de apenas 12 anos, eram violadas, estranguladas e mutiladas. Durante os últimos dez ans, mais de quatrocentas mulheres foram assassinadas e uma quantidade indeterminada delas permanece como desaparecidas.

Uma das vítimas, Gladys Janeth Fierro, de 12 anos, foi sequestrada em maio de 1993, e pouco tempo depois a encontraram morta. Sofreu abuso sexual e foi estrangulada. Em setembro de 1995, o cadáver de outra estudante, Sílvia Rivera Morales, de 17 anos, foi localizado em um terreno ao sul do Aeroporto Internacional de Ciudad Juárez. Seu seio direito havia sido cortado e o esquerdo mordido por dentadura humana. Isso foi feito com outras vítimas nesse mesmo ano, em um dos terrenos em disputa, propriedade de famílias poderosas.

Sagrario González, de 17 anos, que trabalhava como operária em uma maquiladora, desapareceu em abril de 1998 ao sair do trabalho. Depois de vários dias, seu corpo foi encontrado em um terreno baldio a leste da fábrica onde trabalhava. As autoridades disseram que a jovem foi estuprada, estrangulada e apunhalada. Em 1996, outras oito mulheres forma localizadas em uma região deserta de Juárez, conhecida como Lomas de Poleo, perto de El Paso, Texas. (…) No início, achei que esses crimes eram obra de um par de depravados assassinos, protegidos pela polícia graças a seus vínculos com o submundo. Havia indícios disso. Depois, fiquei sabendo que havia algo muito mais oculto e complexo por trás dessa colheita de mulheres. Pelo que vi, os criminosos eram homens poderosos que gozavam de influência nas mais altas esferas do governo mexicano. Mas os investigadores mexicanos, que sabiam que esses homens escolhiam suas vítimas entre as jovenzinhas das famílias mais pobres, não fizeram nada para detê-los”.