Uma manifestação de cerca de 500 trabalhadores sem-terra do MLST (Movimento de Libertação dos Sem-Terra) acabou em tumulto durante a tarde do dia 6 de junho em Brasília. Os sem-terra aguardavam uma audiência com o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP) na entrada do prédio quando, segundo eles, foram impedidos de entrar e agredidos pela segurança do Congresso.

Segundo o coordenador do MLST, Marcos Praxedes, o Congresso ouve reivindicações de banqueiros, usineiros e empresários, mas não querem ouvir os trabalhadores. “Essa é uma casa do povo, construída com dinheiro público, onde todos tem o direito de ir. Mas aqui os trabalhadores não são recebidos“, disse. Os sem-terras reivindicavam a reforma agrária e o fim da lei que impede a desapropriação de áreas ocupadas. Os manifestantes ocuparam a Câmara, dirigindo-se ao salão verde. O tumulto deixou cerca de 40 feridos, entre seguranças e manifestantes.

Aldo Rebelo mandou prender todo mundo, homens, mulheres e crianças que ocupavam a Câmara. Segundo o próprio relatou: “A ordem de prisão foi dada por mim tão logo tomei conhecimento do ocorrido. Foi a minha primeira reação. A minha primeira atitude”. A deputada federal do mesmo partido, Jandira Feghali (RJ), defendeu a repressão. “Baderna, vandalismo, tem que prender mesmo”, afirmou, utilizando termos típicos da direita mais reacionária para classificar os movimentos sociais. A condenação do MLST foi respaldada pela direção nacional do partido, em nota pública.

Além de sofrerem com a miséria no campo, um governo que apenas beneficia latifundiários e não faz reforma agrária, os sem-terra ainda são recebidos a porrete na Câmara e, como se tudo não bastasse, tachados de vândalos pelos deputados corruptos do Congresso e pela imprensa burguesa.

O governo respalda a repressão
Na manhã do dia 7 de junho, em discurso no Palácio do Planalto, o presidente Lula qualificou a ação do MLST como “uma cena de vandalismo” protagonizada por “pessoas que perderam a responsabilidade”, que não constituem um “movimento reivindicatório” nem “apresentaram nenhuma pauta de reivindicações”. Para começo de conversa, o principal responsável pela radicalização da luta pela terra no Brasil é o próprio Lula e sua aliança incondicional com os latifundiários e demais representantes do agronegócio, em detrimento de qualquer medida que garanta a reforma agrária no país.

Se isto não bastasse, Lula ainda prometeu punição para os dirigentes petistas envolvidos. De fato, horas depois, uma nota do partido comunicava o afastamento de Bruno Maranhão, um dos líderes do MLST, da Executiva Nacional do PT, com o respaldo da chapa que o indicou. Não deixa de ser outra escandalosa ironia diante da postura pra lá de “compreensiva” e “solidária” que Lula e o PT têm tido em relação às dezenas de dirigentes pegos praticando todo e qualquer tipo de falcatrua contra os cofres públicos e o povo brasileiro.

Lula, contudo, não limitou as ameaças aos petistas. Seus principais alvos são os manifestantes. Afirmando que “a democracia nos impõe limites e responsabilidades, que quando ultrapassados, cometemos atos ilegais e que temos que pagar o preço”, Lula deu carta branca para a prisão e repressão generalizada aos manifestantes. Possibilidade que não só não está longe de ser concretizada, já que a “justiça” já indiciou cerca de 11 ativistas nos seguintes crimes: formação de quadrilha, tentativa de homicídio, corrupção de menores e depredação do patrimônio público.

Lula, o governo e o Congresso: os verdadeiros responsáveis
Como era de se esperar, na seqüência não faltaram vozes de apoio ao governo e, inclusive, de exigência de medidas ainda mais truculentas. Antonio Carlos Magalhães, que dispensa apresentações e sempre saudoso da ditadura que ele apoiou de forma criminosa, exigiu a presença das forças armadas, defendendo que os milicos “reajam enquanto é tempo, antes que o Brasil caía na desgraça de se tornar uma ditadura sindical”. Já Arthur Virgílio, líder do PSDB no Senado, comparou os manifestantes a um “movimento criminoso” e a “bandidos”, numa clara alusão às recentes ações do PCC em São Paulo.

Dentro do PT a ladainha não foi muito diferente. O senador Flávio Arns (PR) expressou seu completo repúdio; Suplicy (SP) qualificou o ato de “completamente condenável” e Henrique Fontana (RS), líder do PT na Câmara, em nota oficial, ainda quis colocar na boca do povo uma opinião que certamente não é compartilhada pela maioria dos lutadores deste país ao afirmar que “o povo brasileiro repudia, na sua totalidade, esse ato de vandalismo extremado”.

Discursos semelhantes, muitas vezes atenuados ou acentuados unicamente devido a interesses eleitorais, foram dados por quase todo o resto da corja: do presidenciável Geraldo Alckmin ao peemedebista Renan Calheiros, passando pelo fascistóide ruralista Ronaldo Caiado. Todos eles, evidentemente, ecoados e exaustivamente amplificados por toda a imprensa burguesa.

O que todos eles escondem por trás seus discursos em defesa da “ordem” e da “justiça” é algo que, contudo, já está evidente para a maioria da população e justifica, sim, a ação organizada dos movimentos sociais: que a única “ordem” que interessa a Lula, ao governo e ao Congresso é aquela que mantenha os lucros e os interesses do capital intocados; que a única “justiça” existente no país é aquela que absolve os mensaleiros, acoberta e protege notórios corruptos e dá imunidade parlamentar para verdadeiras quadrilhas alojadas no Congresso.

O erro do MLST
O PSTU apóia a luta dos sem-terras pela reforma agrária, assim como a reivindicação concreta da manifestação dirigida pelo MLST, pelo fim da lei que impede a desapropriação de áreas ocupadas. Nos posicionamos categoricamente contra a repressão contra os manifestantes, e de forma alguma nos solidarizamos aos que defendem o parlamento.

Mas não podemos deixar de manifestar nosso desacordo com a ação promovida pelo MLST, que teve um claro conteúdo ultraesquerdista, desligado do movimento real dos sem-terras. Existem milhões de sem-terras no país e algumas centenas de milhares acampados. Não foi encaminhada uma luta do movimento de massas, mas uma ação vanguardista de algumas centenas que terminou se voltando contra o próprio movimento.

Neste momento, a oposição burguesa e o próprio governo Lula estão utilizando este episódio contra a luta dos sem-terras, para qualificar a todos como “baderneiros”. Ao invés de se ganhar a consciência dos trabalhadores urbanos para a unidade operário-camponesa, forneceu um prato cheio para a reação latifundiária. O resultado desta ação ultra-esquerdista não é um avanço da luta camponesa, mas um retrocesso.

Trata-se de uma atitude claramente inconseqüente, típica da direção do MLST que é capaz de uma ação deste tipo, e ao mesmo tempo pertencer à direção do PT, partido que governa para o agronegócio. É uma direção que vinha apoiando até este momento Lula, o mesmo que agora reprime o movimento.

Mesmo diante desses erros, não deixaremos de expressar a solidariedade e sair em defesa destes militantes contra a repressão, diante dos ataques do governo, da oposição burguesa. Os ativistas pela reforma agrária, ainda que equivocados, fazem parte do mesmo campo de classe que o nosso. A omissão diante da perseguição a estes militantes apenas contribui para que a criminalização aos movimentos sociais avance ainda mais em nosso país.

Não temos acordo com Heloísa Helena
Não temos acordo com a declaração de Heloísa Helena ao Jornal Nacional “Isto não é protesto, é um ato de vandalismo. Portanto é inaceitável e deve ter o repúdio da sociedade” (6/6). Não se trata de um ato de vandalismo, mas de uma manifestação dos sem-terras. Nós não temos acordo com a metodologia utilizada por eles, mas não podemos igualá-los a vândalos, a criminosos, como fazem os outros partidos do Congresso.

Também não temos acordo com outra declaração de Heloísa: “O endereço está errado. Quem define a política de reforma agrária está do outro lado da Praça dos Três Poderes, está no Palácio do Planalto.” (FSP,07/06).

Temos certeza que a companheira Heloísa Helena sabe tão bem quanto nós que se é verdade que Lula é o principal responsável pela não existência da reforma agrária, também é um fato que ele conta com cúmplices mais do que ativos dentro do Congresso. Não só gente da chamada bancada ruralista, mas todos os demais representantes das elites deste país que infestam o Senado e a Câmara.