Redação

“Chamam ele de genocida, machista, racista, homofóbico, pois não podem chamá-lo de ladrão”. Era assim que os setores bolsonaristas mais convictos defendiam seu líder. Pois bem, agora se pode dizer, com todas as evidências, que, além de tudo isso, Bolsonaro é também ladrão.

Isso porque uma investigação do Ministério Público (MP), que se debruçou sobre a tal prática das “rachadinhas”, um nome muito simpático para o velho crime de peculato (ou seja, o roubo puro e simples do dinheiro público), revelou que a prática ilegal não se restringia apenas ao hoje senador Flávio Bolsonaro, mas também envolvia seu irmão, Carlos Bolsonaro, e o chefe do clã, Jair Bolsonaro.

Apesar de todos os reveses da justiça, o MP descobriu que algo como R$ 6 milhões haviam sido desviados das contas dos funcionários do gabinete de Flávio, o 01, então deputado estadual do Rio de Janeiro, para sua própria conta bancária. Coincidência ou não, é o exato valor da mansão, na área nobre de Brasília, que o político acabou de comprar.

Mesmo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tenha proibido a utilização da quebra do sigilo fiscal e bancário nas investigações, os dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) mostram um troca-troca de funcionários entre os gabinetes da família e a “rachadinha” em todos eles.

Organização criminosa

A principal evidência dessa verdadeira organização criminosa veio da ex-cunhada de Jair Bolsonaro, Andrea Siqueira Valle, que constava na folha de pagamento do gabinete do então deputado federal, entre 1998 e 2006. Ao sair do emprego, Andrea viu sua conta bancária ser completamente drenada pela ex-mulher de Bolsonaro, Ana Cristina, a quem o agora presidente pagava pensão. Foram R$ 54 mil, mais de R$ 100 mil em valores atualizados.

Andrea, por sua vez, saiu do gabinete de Jair e foi direto para o de Flávio, antes de figurar na folha do gabinete de Carlos. Três “empregos”, mas uma coisa em comum, além do sobrenome Bolsonaro dos patrões: a maior parte de seu salário era sacado na boca do caixa tão logo ela recebia.

Foram identificados, ainda, pelo menos quatro assessores do gabinete do deputado federal Jair Bolsonaro, entre os anos de 2009 e 2017, que também, curiosamente, tinham essa estranha mania de sacar quase todo o salário no caixa. Sinal, claro, da “rachadinha” e de como os gabinetes da “familícia” atuavam juntos, como uma verdadeira organização criminosa, para roubar dinheiro público.

CINISMO

Mais um golpe contra o discurso hipócrita anti-corrupção

Daqui a pouco vai fazer um ano que o então Ministro da Justiça, Sérgio Moro, desembarcava do governo Bolsonaro. O entrevero entre Moro e o presidente teve como ápice a disputa sobre o comando da Polícia Federal no Rio.

Além dos inquéritos sobre atos pró-ditadura e sobre as fakenews, as investigações sobre Flávio Bolsonaro também tiravam o sono do genocida. Agora, fica mais aparente que toda a movimentação que Jair Bolsonaro fez esse tempo todo não foi só para salvar os filhos, mas principalmente a própria pele.

Ele não só trocou o comando da PF no estado, como transferiu o Coaf para o Banco Central. O governo ainda botou o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sob o comando do General Heleno, para municiar a defesa do 01 contra os servidores do órgão que descobriram as tramoias nos gabinetes da família.

O desespero de Bolsonaro com o avanço das investigações culminou na aliança com o Centrão e, recentemente, na eleição de Arthur Lira para o comando da Câmara. Uma figura que coleciona uma capivara gigantesca, incluindo uma condenação no STF por corrupção.

Se, antes, o discurso anti-corrupção já parecia falso e hipócrita; agora, só parece cínico. A própria nomeação de Moro ao cargo, que serviria para dar um verniz ético ao governo, diz muito. Tanto de um, o governo abarrotado de corruptos; quanto de outro, um ex-juiz parcial, que atuou para perseguir um adversário político de Bolsonaro na mesma medida que salvou banqueiros e políticos como os tucanos.

FAMILÍCIA

A República miliciana

O escândalo das “rachadinhas” é apenas a ponta do iceberg de algo muito maior que o desvio dos salários de servidores dos gabinetes. E uma indicação disso foi a morte mais do que suspeita do ex-PM do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, miliciano foragido, morto pela polícia na Bahia, em fevereiro do ano passado.

A ligação de Nóbrega, que operava uma rede serviços controlados pela milícia, no Rio, e a família Bolsonaro são gritantes. Sua mãe e a ex-mulher eram contratadas pelo gabinete de Flávio. Contato próximo de Queiroz, o miliciano repassou ao faz-tudo da familícia R$ 80 mil, em dinheiro vivo, para pagar uma recente internação no Albert Einstein para tratar um câncer. Dias após sua morte, Bolsonaro o chamou de “um heroi”.

Uma perícia particular, pedida pela família de Nóbrega, apontou execução e tortura, numa clara evidência de queima de arquivo. O caso pode jogar luz sobre um dos pilares para a ascensão política e financeira do clã Bolsonaro nos últimos anos, baseada na associação com as milícias e seus negócios.