Dias atrás, os jornais deram uma notícia curiosa: o ex-ditador português Antonio Salazar foi eleito, numa consulta popular da RTP (Radio e Televisão de Portugal), o “maior português da história”. Salazar obteve 41% dos votos, seguido pelo dirigente histórico comunista Álvaro Cunhal (19%). Para muitos, isso significou uma desagradável surpresa, já que associavam a figura de Salazar a uma das etapas mais tristes da historia de Portugal.

Lembremos um pouco a história deste sinistro personagem. Antonio de Oliveira Salazar (1890 a 1970), nascido numa família oligárquica, foi desde jovem uma destacada figura da direita tradicional católica. Participou ativamente do golpe militar de 1926 contra a jovem república portuguesa e foi homem forte do gabinete em 1928 à frente da pasta de Finanças. Em 1930, criou a União Nacional (partido único), na qual se apóia para decretar, em 1933, o “Estado Novo” (ditadura corporativista, clerical e conservadora, com o slogan “Deus, Pátria e Família”).

Apoiou decididamente o golpe militar de Franco na Espanha (1936). Durante a Segunda Guerra, dividido entre a tradicional dependência lusitana da Inglaterra e suas simpatias fascistas, manteve a neutralidade.

Depois da guerra, contrariando a tendência generalizada de desmantelamento dos impérios coloniais, lutou ferozmente para manter as colônias portuguesas de Angola, Moçambique e Cabo Verde, malgrado a crescente luta de seus povos para obter a independência. Esta política – não só reacionária, mas também suicida – levou o país a uma crise enorme, tanto econômica quanto política e social, e a um descontentamento crescente.

Um derrame que o incapacita em 1968 (morre em 1970) o impede de presenciar o final do drama. Seu sucessor, Marcello Caetano, não consegue evitar a explosão da crise do regime e, em 25 de abril de 1975, o salazarismo desaba ao acontecer a “Revolução dos Cravos”. Esta foi produto direto duma guerra colonial, que estava acabando com o país – serviço militar de quatro anos nas colônias, orçamento dedicado exclusivamente a sustentar a guerra, etc. – e da incapacidade do regime de propor uma saída.

A “Revolução dos Cravos” significou não só uma liquidação radical do regime ditatorial (destruição da polícia política, a PIDE, expropriação de inúmeros salazaristas, etc.), mas também foi a abertura de uma situação revolucionária em Portugal. Esta só foi canalizada posteriormente e com muito esforço pelas vias de uma “reação democrática”, com a cumplicidade dos principais dirigentes das massas portuguesas.

Métodos de pesquisa equivocados e traição dos dirigentes
Frente a esta biografia, como é possível que uma votação popular o eleja como o “maior português da história”? Alguns tentaram uma explicação baseada em denunciar a manipulação e desinformação da emissora, que levou a uma distorção dos resultados (como o faz o importante historiador Jose Mattoso e outros intelectuais de prestígio num artigo no seminário Expresso).

Por outro lado, o próprio mecanismo escolhido pela RTP (via ligações telefônicas dos espectadores) leva, obviamente, a uma clara distorção. Isto se evidencia nos resultados da pesquisa da Eurosondagem, feita com métodos científicos, de 20 a 22 de março, em que aparecem dois primeiros lugares: o primeiro rei de Portugal Afonso Henrique (21%), e o poeta Camões (15%). Nesta pesquisa Salazar só obtém 6,6%.

Podemos encontrar muitas outras explicações, todas elas válidas, todas elas sensatas e sérias. Mas todas elas não evitam a impressão de ser insuficientes.

Não podemos evitar tirar como conclusão que nestes números se esconde, possivelmente, uma profunda insatisfação sobre a situação atual, sobre um desenvolvimento econômico que se faz contra as pessoas e não a seu serviço. Esse sentimento faz um setor cair no saudosismo, que, não estando envolvido com os movimentos sociais, veja – distorcidamente – épocas passadas de governos ditatoriais como governos de “ordem” e melhores.

Alguns julgam que o povo por não defender a “democracia”. A estes, só podemos responder que a verdadeira responsabilidade é dos dirigentes que, com um discurso de esquerda e com pouca vergonha, se acomodam em seus cargos sindicais e legislativos com todos seus privilégios, proclamando que é inevitável ceder direitos e ver cair o nível de vida ano a ano. Esses são os verdadeiros culpados pela distorção.