Governo libera verbas e realiza favores para aprovar medida. Agora a proposta terá segunda votação na Câmara e depois no Senado

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou no dia 19 de setembro em primeiro turno o texto-base da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 50/07, que prorroga a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) e a DRU (Desvinculação das Receitas da União) até 2011. A proposta foi aprovada com 338 votos favoráveis, 117 contrários e duas abstenções.

Tenebrosas transações
A aprovação foi permeada por inúmeras negociatas feitas pelo governo para garantir maioria. O governo distribuiu cargos, liberou verbas para projetos dos parlamentares, reuniu-se com a bancada ruralista e atendeu a todas as suas reivindicações.

As diretorias do Banco do Nordeste (BNB) e da Companhia Docas de São Paulo (Codesp), que administra o porto de Santos, foram substituídas na semana da votação, distribuídas para aliados de quem votou favoravelmente ao governo.

A reunião do ministro da Fazenda Guido Mantega com representantes da bancada ruralista ocorreu “coincidentemente” no mesmo dia da votação, algumas horas antes. Nela, o ministro prometeu aos ruralistas o rolamento da dívida de R$ 120 bilhões no campo até o fim do ano e a garantia de que 33 mil imóveis de proprietários em débito não serão leiloados. Após a reunião, os participantes foram ao plenário votar sim à prorrogação da CPMF.

Nos três dias que antecederam a votação, Lula destinou R$ 47 milhões em verbas para pagamento de emendas que deputados e senadores fizeram ao Orçamento 2007 (27% do que já foi liberado no ano para emendas parlamentares).

Os líderes da bancada ruralista encabeçam a lista dos principais beneficiados. O governo também liberou mais R$ 1 bilhão em verbas do Orçamento deste ano que haviam sido bloqueadas em fevereiro. Todo ano, o governo corta uma parte das verbas previstas no orçamento, para garantir o superávit primário (economia feita para pagar juros da dívida pública). Mas, no decorrer do ano, se a arrecadação aumenta o suficiente para garantir ou superar a meta de superávit, o governo, portanto, pode liberar aquilo que foi segurado em fevereiro. Neste caso, a “coincidência” é que tal liberação também se deu justamente na mesma semana da votação da CPMF.

A conclusão da votação em primeiro turno ainda depende da análise de 65 emendas e 10 destaques, para os quais foram marcadas mais seis sessões extraordinárias do Plenário ainda para a semana de 24 a 28 de setembro. Além de concluir esta votação de primeiro turno, a PEC precisa passar por um segundo turno na Câmara e depois por mais duas votações no Senado.

Nada disso será difícil, entretanto, se depender dos esforços do governo, que considera a questão como prioritária. Nas próximas etapas da votação da prorrogação da CPMF e da DRU o que mais o governo vai oferecer aos parlamentares para garantir maioria?


Não é à toa (nem em nome das verbas da saúde) todo esse esforço do governo para prorrogar a CPMF. Também não é coincidência que a PEC prorroga não só a CPMF, mas também a DRU.

Desde 1994, a DRU desvincula 20% da receita tributária da União, dando ao governo federal liberdade para usar tais verbas para o que julgar prioritário. Na prática, esta desvinculação serve apenas para usar as verbas públicas para pagar os juros das dívidas interna e externa.

A Desvinculação de Receitas da União já tirou mais de R$ 100 bilhões da área social para pagar juros ao mercado. E a CPMF é parte importante deste montante. No período de 1997 a 2006, do montante de R$ 185,9 bilhões arrecadados com a CPMF, R$ 29,3 bilhões foram desvinculados por meio da DRU.

A prorrogação da CPMF acompanha também os planos futuros do governo em relação ao pagamento da dívida pública. O governo planeja pagar R$ 260 bilhões de juros da dívida entre 2008 a 2010, segundo as previsões do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2008.

Em 2006, se para a saúde (que em tese deveria ser o destino da CPMF) o governo destinou R$ 35,45 bilhões, para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública foram R$ 275 bilhões, ou seja, 36,7% do orçamento (Auditoria Cidadã da Dívida). Dos R$ 32 bilhões arrecadados pela CPMF, apenas 40,22% foram para a saúde (veja gráfico).

Isso explica porque a saúde continua com os mesmos problemas, apesar de o governo ter arrecadado R$ 200 bilhões de CPMF nos últimos 11 anos (incluindo o os primeiros meses de 2007). E explica também qual é a prioridade do governo e a razão de tanto empenho nesta votação da Câmara.

CPMF e DRU, associadas, são mecanismos para retirar dinheiro do bolso do trabalhador para encher os bolsos dos banqueiros.

Saiba mais – CPMF
Criada pelo governo FHC, a CPMF é um tributo federal de 0,38% sobre operações financeiras. Todo brasileiro que possui conta bancária vê em seu extrato a cobrança da CPMF a cada 10 dias. Um mesmo valor ou produto é tributado pela CPMF várias vezes, a cada movimentação financeira. Esta tributação é repassada para qualquer produto ou serviço que a população consome. Atinge, portanto, mesmo aqueles que não possuem conta em banco.

A Contribuição surgiu sob a desculpa de financiar serviços de saúde, diante da crise que do Sistema Único de Saúde (SUS). Era para a CPMF ser provisória, mas já dura mais de 10 anos. A cada ano, a arrecadação da CPMF cresce. Nos primeiros oito meses deste ano, a CPMF arrecadou R$ 23,7 milhões, o que significa que em 2007 ela deve superar os R$ 32 bilhões arrecadados em 2006.

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