“Não podemos esquecer que todo trabalhador hoje tem o seu celular, a sua TV de plasma”, diz deputado governistaComo era esperado, o governo Dilma aprovou com larga vantagem a proposta de R$ 545 para o salário mínimo na Câmara dos Deputados. O governo realizou uma violenta ofensiva para garantir uma maioria esmagadora ao seu projeto, que incluiu ameaças à base aliada e uma propaganda terrorista na mídia.

Com o projeto do governo, os cerca de 47 milhões de trabalhadores e aposentados que sobrevivem com o mínimo não terão aumento real em 2011, enquanto a economia do país cresceu, segundo estimativas, quase 8%. Ao contrário, o aumento não cheganem mesmo a repor a inflação. Retrocede.

É a primeira vez desde 1997 que o salário mínimo não tem reajuste real. O valor estabelece apenas a inflação (INPC) do período, pouco mais de 6%, e está bem abaixo da inflação da cesta básica, que em São Paulo, por exemplo, alcançou 16%.

Show de hipocrisia
A votação na Câmara do novo piso nacional foi um show lamentável de cinismo de hipocrisia. De um lado, o governo defendendo o “acordo” estabelecido com as centrais sindicais como CUT e Força Sindical, e de outro, essas mesmas centrais e a oposição de direita, capitaneadas pelo DEM e PSDB, propondo um mínimo de míseros R$ 560 ou R$ 600.

O contraponto ficou por conta de uma manifestação mais cedo, com cerca de 5 mil pessoas, convocada pelo funcionalismo público. A manifestação percorreu a Esplanada, exigindo as reivindicações dos servidores e denunciando o salário mínimo de R$ 545. A CSP-Conlutas foi uma das entidades a convocar o ato e contrapôs o reajuste do mínimo ao absurdo aumento que os deputados se deram, no final do ano. Eles aumentaram seus salários em quase 62%, indo para R$ 26.700.

A discussão que se arrastou durante todo esse dia 16 na Câmara teve ares de um filme surrealista. O governo fez de tudo para pintar um cenário apocalíptico caso fosse aprovado um valor acima dos R$ 545. O ministro da Fazenda Guido Mantega chegou a fazer, no dia anterior, um corpo-a-corpo com os parlamentares para pedir voto ao governo.

Durante a discussão sobre o salário, pouco antes da votação, um deputado do governo chegou a advertir sobre uma suposta “insegurança jurídica” que tomaria conta do país caso o governo “descumprisse” o acordo com as centrais. Um desavisado que ligasse a TV Câmara no momento da discussão poderia ter a impressão de que se estava propondo o não pagamento da dívida externa.

Na defesa do não aumento no salário mínimo, deputados do PT e da base governista pintaram um cenário de conto de fadas sobre a situação dos trabalhadores brasileiros, chegando ao escárnio. “Todo trabalhador tem hoje o seu celular, a sua TV de plasma” , discursou o deputado Paulo César (PR). “O salário não é o mais importante para o trabalhador”, chegou a afirmar outro parlamentar.

Encenação
A relatoria do Projeto de Lei dos R$ 545 ficou a cargo do deputado Vicentinho (PT), ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e da CUT. Ao defender a proposta, o deputado petista foi vaiado pelos manifestantes nas galerias do plenário, que ainda cantaram: “você pagou com traição, a quem sempre lhe deu a mão” . Respondendo aos manifestantes, Vicentinho afirmou ter ao seu lado o apoio de seu sindicato.

O relator rejeitou logo de cara 12 emendas apresentadas ao projeto do governo. Entre as emendas rejeitadas por “inadequação financeira ou inconstitucionalidade” estava a proposta dos R$ 700 do PSOL.

Deputados do PSDB e DEM, que durante anos aplicaram uma política de arrocho, faziam loas ao salário mínimo e a importância de sua valorização. O PT, PCdoB e demais partidos da base do governo, por outro lado, defenderam uma política fiscal “responsável e equilibrada”, tal como os tucanos e então pefelistas faziam durante o governo FHC.

As propostas não diferiam muito uma da outra, mas a ofensiva do governo para aprovar, com folga, o seu projeto parecia questão de vida ou morte. Uma mensagem clara direta do Planalto chegou à Câmara: quem votasse contra o governo poderia dizer adeus a emendas e cargos. A ameaça fez o PDT, do ministro do Trabalho Carlos Lupi, a retirar a proposta de R$ 560.

Sobraram então a proposta de R$ 600 do PSDB, rejeitada por 376 deputados a 103, e a do DEM, estabelecendo os R$ 560 e apoiado pela maioria das centrais, que perdeu por 361 a 120. Uma vitória com folga para o governo.

O projeto vai agora para o Senado e deve ser votado no próximo dia 24.

Mensagem ao mercado financeiro
O esforço do governo Dilma em garantir uma vitória esmagadora na questão do salário mínimo tem o mesmo sentido do anúncio do corte recorde do Orçamento. Trata-se de, logo no início do mandato, indicar ao mercado financeiro que ele terá absoluta prioridade nos próximos quatro anos, como teve nos últimos 16.

(Texto modificado em 17/02, às 11h)