Estudante sendo socorrido na momentos após a ação truculenta da polícia contra um dos atos
Luciana Lachance

Desde 2003, os estudantes de Salvador vêm resistindo bravamente contra os donos de transporte que, em conluio com a prefeitura, tentam a todo custo aumentar o seu lucro. Naquele ano ocorreu a famosa Revolta do Buzú, onde mais de 25 mil estudantes tomaram as ruas da capital por mais de quatro semanas. Contudo, o movimento, que serve de inspiração para outros focos de luta em todo o país, foi massacrado pelas entidades que se dizem representantes dos estudantes, principalmente a UNE e a Ubes. As máscaras da traição caíram e os estudantes de Salvador guardarão para sempre em suas memórias esse sórdido golpe das entidades.

Em 2005, o Setps (sindicato patronal) anunciou o aumento abusivo, de R$ 1,50 para R$ 2,20. No dia seguinte, o circo estava armado. O presidente da UNE desembarcou em Salvador e rapidamente foi se unir a trupe de mafiosos numa reunião com a prefeitura e empresários. Gustavo Petta nem se deu ao trabalho de consultar o movimento estudantil da cidade sobre o que achava do aumento e optou por mais um acordão. Esse aumento não passava de mais uma trama vergonhosa entre essas três representações (UNE, prefeitura e Setps). Os empresários anunciaram R$ 2,20, visando de antemão conseguir R$ 1,70, gerando na população aquele sentimento: “2,20 não dá, mas 1,70, com um pouco de esforço, eu consigo pagar”. Quando a cidade inteira deveria reagir ao aumento de tarifa, as entidades estudantis puxavam passeatas “2,20 não dá”, preparando terreno para fecharem em 1,70 e ainda saírem de bonzinhos diante dos estudantes: “se não fosse a UNE/UBES teria sido muito pior”.

Este ano, o filme da traição da UNE se repetiu. No início de abril, durante o horário nobre, apareceu uma propaganda emocionante sobre juventude, seus desejos de transformação, os seus ídolos (Che Guevara, Legião Urbana…). Um comercial feito pela UNE e pela UBES, exibido sabe se lá como por semanas em todos os canais, anunciando o novo sistema de bilhetagem eletrônica que substituiria o Smart Card (cartão magnético que garante através do pagamento à vista o direito a meia-passagem estudantil). O novo sistema seria o Salvador Card, que em outras linhas significava o maior ataque contra a juventude soteropolitana nos últimos anos. Com ele, os estudantes estão com o seu direito a meia-passagem ameaçado, já que o sistema exigiria o pagamento antecipado (uma espécie de cartão de recarga). A população carente, que sustenta o transporte coletivo de Salvador, teria que tirar de seu bolso significativa quantia de dinheiro de uma só vez para garantir o lucro antecipado dos empresários. Isso sem contar, no número de postos de abastecimentos, na demissão em massa de cobradores, na perda do direito à meia-passagem (já que quando o estudante tivesse créditos zero no seu cartão ele teria que pagar inteira) e em inúmeras outras questões que tornam o sistema completamente inviável.

Na hora da revalidação do cartão, os estudantes teriam que contribuir compulsoriamente para a UNE/UBES – isso graças a negociação que essas entidades travaram com o empresariado. Diante desse quadro perigoso, os estudantes combativos de Salvador, mais uma vez se articularam e conseguiram por unanimidade a aprovação da criação de um Frente Única Contra o Salvador Card, que reuniria diversas tendências políticas com o mesmo objetivo. Carregados com as experiências anteriores, todos tinham, apesar das profundas divergências políticas, a vontade de lutar. Estamos há mais de dois meses e meio em constante mobilização, trazendo inúmeras discussões sobre as políticas do movimento estudantil, questionando a representatividade das entidades fazedoras de carteirinha, refletindo e discutindo a traição, que dessa vez, foi mais explícita e inescrupulosa e repudiando intensamente as ações dos Setps. Foram diversos atos, inúmeras passeatas (já apelidadas como Coluna Prestes urbana, por quase sempre ter mais de oito horas de caminhada sob um sol escaldante) e uma tentativa de ocupação da prefeitura, que resultou na suspensão temporária do novo sistema. Foi a primeira vez que a prefeitura de Salvador recuou das suas decisões. A UNE/UBES, por outro lado, tiveram “sua tradição e história” jogada na lata do lixo. Ocorreram diversas rupturas internas que culminaram, até mesmo, em agressões físicas pelos militantes da UJS.

Diante das nossas pressões, da nossa força e da resistência, os traidores entraram em desespero. Um novo comercial foi feito visando nos desestabilizar. Nossa luta, porém, não morreu; mesmo com os pelegos dizendo que estávamos fazendo baderna e tentando a todo custo boicotar o movimento, conseguimos nos manter firmes, apesar de toda conjuntura desfavorável (férias de meio de ano, copa do mundo…). As nossas ações continuam e até agora o antigo sistema não foi suspenso. Desde já, nossa maior vitória foi a capacidade dos estudantes conseguirem se reorganizar por fora da UNE/UBES, mostrando que são capazes sim de construir movimentos altamente combativos por fora dessas entidades. Não há, portanto, motivo nenhum para insistir em entidades que já não atendem mais os anseios do movimento estudantil, ainda mais sabendo que é possível construir lutas vitoriosas por fora delas.